Ansiedade: um sério problema no autismo

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A regra de ouro no manejo do autismo é o controle da ansiedade. 

(Audrey Bueno)

Quanto maior a exposição ao stress, maiores os riscos de morte dos neurônios e inflamação cerebral, segundo dados de pesquisa publicados na Revista FAPESP . Isso se aplica a qualquer pessoa, com ou sem autismo, embora seja um fator ainda mais delicado para as pessoas do primeiro grupo.

A ansiedade está por trás de muitos dos problemas de comportamento encontrados no espectro autista, dentre eles comportamentos repetitivos, aderência rígida a rituais, evitação social, agressividade, medos e fobias. O alcance devastador dos processos ansiosos sobre a saúde mental do ser humano é muito maior do que se imagina. Pessoas em estado de fragilidade maior, como é o caso de indivíduos com autismo, além de diversas outras condições, precisam de atenção redobrada quanto a essa questão.

Trecho do livro: THE AUTISM DISCUSSION PAGE: ON ANXIETY, BEHAVIOR, SCHOOL AND PARENTING STRATEGIES, de Bill Nason

Tradução: Audrey Bueno

“Existem muitos tipos de ansiedade: ansiedade social, ansiedade de realização de tarefas, ansiedade antecipatória, ansiedade de sobrecarga sensorial, ansiedade de separação e ansiedade generalizada. A ansiedade pode levar a comportamentos obsessivo-compulsivos, birras e descontrole emocional frequentes, aderência rígida a rituais, comportamento resistente/opositor e necessidade constante de controlar tudo.

Stress e ansiedade são aspectos inevitáveis do autismo. A medida do quanto um evento é estressante para uma pessoa é determinada pela avaliação pessoal que ela faz a respeito de dois fatores: 1) o grau da ameaça do evento; 2) o tanto de controle que a pessoa acredita ter sobre o fator estressor. Para o primeiro fator, uma vez que crianças no espectro têm dificuldade em avaliar o grau da ameaça, elas automaticamente respondem como se tudo fosse altamente ameaçador. Isso geralmente transforma pequenas coisas em grandes problemas. A própria sensibilidade sensorial faz com que certas situações sejam percebidas como especialmente ameaçadoras. Quanto ao segundo fator, crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) geralmente se sentem muito impotentes em controlar eventos estressantes. Incerteza e falta de controle geralmente produzem forte ansiedade e insegurança.

Discutir o evento com a criança e buscar alternativas para que ela avalie o fator estressor e passe a conhecê-lo melhor, poderá contribuir para que o nível de stress diminua. Por exemplo, se a criança tem medo de aspiradores de pó, pode-se começar mostrando como um aspirador de pó funciona (sem ligá-lo, é claro) e para que serve, e então pode-se explicar que ao pressionar determinado botão, um barulho será feito porque o ar está entrando e quando o ar entra em tubos ele faz barulho, e pode-se oferecer à criança a oportunidade dela mesma manusear o aspirador. Quando a criança aprende a controlar [e compreender]¹ o objeto temido, o medo diminui”. (Bill Nason, 2014)

¹ Nota do tradutor.

A questão da sensibilidade sensorial pode estar por trás de boa parte da ansiedade vivenciada por pessoas do espectro autista, em que certos tipos de sons, cheiros, texturas, alimentos, iluminação, temperatura ou toque podem desorganizar o indivíduo de tal maneira que a única opção seja o afastamento dos fatores estressores. Com o passar do tempo, conforme a criança vai ficando mais velha, ocorre um amadurecimento do sistema nervoso, de forma que algumas dessas sensibilidades deixem de existir, ou se abrandem, embora outras perdurem para a vida.

“Crianças no espectro autista geralmente têm pobre regulação emocional e pouca habilidade em se acalmarem por si sós quando estão chateadas ou transtornadas. Assim, a administração do stress geralmente consiste em duas ferramentas calmantes: estratégias para lidar com a ameaça imediata e estratégias para acalmar e organizar o sistema nervoso após o evento estressor. A criança pode se beneficiar em aprender a usar respiração profunda, relaxamento muscular progressivo, identificação de pensamentos positivos, técnicas de pressão, pedido de ajuda, brincar com objetos que permitam manipulação calmante – tais como um objeto preferido ou um cobertor querido – ou pedir uma pausa do evento estressor e ir para um local tranquilo, por exemplo”. (Bill Nason, 2014)

Por que é tão importante controlar a ansiedade?

O cérebro é um órgão que se habitua a um determinado funcionamento e estar constantemente sendo bombardeado por stress e ansiedade fará com que as mais diversas associações feitas a todo instante sobre o mundo à nossa volta ocorram sempre sobre uma base “ansiosa”, que determinará esse tipo de funcionamento alterado como resposta-padrão.

Quanto mais o indivíduo estiver sujeito a esse tipo de processamento padrão, maiores as chances de acumular inúmeras fobias, traumas e limitações funcionais nas mais diversas áreas da vida, que culminarão não só numa exacerbação dos sintomas autistas já existentes, como também limitarão a oportunidade de criação de interpretações e estratégias mais sadias e eficazes, que permitam um melhor desempenho social, acadêmico e profissional, ou seja, os pilares da vida em sociedade.

Outro fato importante é que estudos sobre os efeitos do stress nas pessoas em geral, que foram conduzidos por diversas universidades, dentre as quais a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, descobriram que os efeitos do stress no cérebro são ainda mais graves do que se supunha. Quanto maior a exposição ao stress, maiores os riscos de morte dos neurônios e inflamação cerebral. Essa inflamação, no entanto, foi mais intensa no hipocampo e no córtex frontal dos roedores cronicamente estressados observados na pesquisa. Se levarmos em conta que essas são justamente duas das principais áreas afetadas nas pessoas pertencentes ao espectro autista, torna-se ainda mais importante prevenir situações de stress e ansiedade nessas pessoas, para impedir que um cérebro já fragilizado pela síndrome sofra ainda mais lesões, com potencial para agravar consideravelmente o quadro.

Portanto, a regra de ouro no manejo do autismo é o controle da ansiedade.

Pessoas com a síndrome de Asperger têm tendência acentuada à formação de fobias sociais. Os primeiros anos de vida são fundamentais para se trabalhar na tentativa de controle da ansiedade, antes que padrões inadequados de funcionamento se estabeleçam permanentemente, uma vez que a própria rigidez de pensamento típica da síndrome contribui para isso.

Trecho do livro: THE COMPLETE GUIDE TO ASPERGER’S SYNDROME, de Tony Attwood

Tradução: Audrey Bueno

Todos nós nos sentimos ansiosos às vezes, mas muitas crianças e adultos com síndrome de Asperger parecem ter predisposição a se sentirem ansiosos a maior parte do tempo, ou ficarem extremamente ansiosos em eventos específicos. Muitos dos pacientes com Asperger que tratei sofriam de ansiedade crônica, e muitos relatam não conseguirem se lembrar de uma época na vida em que não tenham estado ansiosos, mesmo na mais tenra infância. […]

Os eventos específicos que podem desencadear crises de ansiedade podem ser a antecipação de mudança como na ocasião de um professor substituto no dia, mudanças inesperadas de rotina, crítica ou elogio público, ou questões sensoriais. Uma percepção sensorial muito sensível, especialmente em relação aos sons, pode fazer com que a pessoa com Asperger se mantenha em estado de medo e alerta acerca de quando uma nova experiência sensorial dolorosa irá ocorrer. Tenho uma paciente que relata o quanto o som de um cachorro latindo é uma experiência excruciante para ela.

Estar ansioso afetará a forma da pessoa pensar e a levará a desenvolver estratégias de redução do nível de ansiedade. Quando estamos relaxados, nosso corpo é flexível, mas quando estamos tensos, nossos músculos se tornam rígidos. O mesmo ocorre com o pensamento e resolução de problemas. Quando uma pessoa com Asperger está ansiosa, seu pensamento tende a se tornar ainda mais rígido. Um dos sinais de ansiedade nesses indivíduos é uma “visão afunilada”² de pensamento.

Um dos recursos que estas pessoas acabam adotando para evitar situações que provocam ansiedade é desenvolver um tipo de personalidade que infelizmente é percebida como controladora e opositora. A criança pode usar birras, chantagem emocional, atitude desafiadora rígida e não colaboradora para garantir que consiga evitar as circunstâncias que poderiam causar ansiedade. Outra forma de proteção é isolar-se e focar a atenção num interesse específico. O maior nível de ansiedade é geralmente associado a contextos sociais, e estar só previne isso. O foco no interesse específico funciona como um bloqueador de coisas que pudessem invadir o pensamento do indivíduo e causar ansiedade.

Quando o nível de ansiedade é extremo e duradouro, pode haver um “blackout” no senso de realidade de tal forma que o pensamento pareça desorganizado e psicótico, podendo até mesmo haver o desenvolvimento de estados emocionais alucinatórios. Isso mostra que essa pessoa tem sensibilidade extrema a quadros ansiosos e precisa de tratamento psiquiátrico especializado em desordens de humor em pessoas com síndrome de Asperger.

Após ter passado por situações geradoras de forte ansiedade e stress, a pessoa se tornará extremamente sensível a quaisquer situações com potencial de gerar ansiedade. Pode haver uma tendência a pressionar o “botão do pânico” muito rapidamente. Isso também afetará a qualidade de vida das pessoas que lidam com o indivíduo com Asperger que sofra de desordem de ansiedade crônica associada. A vida familiar é afetada em termos de evitar situações potencialmente geradoras de ansiedade, onde não só a pessoa com Asperger, mas também seus familiares se sentem andando sobre um “campo minado” de ansiedade. Muita coisa na rotina familiar pode se alterar, como evitar festas, visitas ou viagens, por exemplo, além de esforços para adaptação do ambiente – nem sempre possíveis – em locais onde precisem estar, como médicos, mercado, na rua, nas casas de outras pessoas, escola ou ambiente profissional, no caso dos adultos.

Os tipos de ansiedade mais comuns tanto em adultos como em crianças com a síndrome de Asperger são o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), Transtorno do Stress Pós-Traumático (TSPT), a recusa em ir para a escola, mutismo seletivo e ansiedade social (Ghaziuddin 2005b). (Attwood, 2007; 2015)

 

² Nota do tradutor: por ‘visão afunilada’, o autor quer dizer que a pessoa parece não conseguir ouvir a “voz da razão” quando tentamos lhe explicar o porquê de um ocorrido ou enxergar as coisas sob um novo ângulo, relutando até mesmo em ouvir. 

19 comentários sobre “Ansiedade: um sério problema no autismo

  1. Tayane, terapia é fundamental. No entanto, caso a ansiedade persista com muita força, considere a possibilidade de procurar um psiquiatra para apoio medicamentoso como complemento ao seu processo psicoterápico. A causa da ansiedade está, muitas vezes, não somente num padrão específico de pensamento, que pode ser auxiliado pela terapia, mas numa disfunção funcional do cérebro, onde apenas a medicação consegue atuar. Abraço e boa sorte!

  2. Gostei muito do texto . Tenho um neto no espectro autista que apesar de não ser asperger apresenta muita ansiedade . Agora ficou mais claro algumas de suas reações

    • Obrigada pelo comentário. Informação é fundamental para ajudar pessoas no espectro do autismo. Parabéns pela iniciativa em procurar efetivamente compreender o quadro, pois isso certamente será uma das coisas que mais ajudarão seu neto. Seja sempre bem-vinda ao blog. Clique em “seguir” para receber notificações sempre que houver novas publicações. Abraço!

  3. Sou ansiosa e me identifico com espectro autista, Interessantíssimo texto! Parabéns, ficou ainda mais claro pra mim, e atualmente faço terapia e também vou procurar um neurologista,para que possa me ajudar e melhorar a cada dia.

    • A ansiedade por si só já é um desafio que pode tornar a vida um desespero sem fim se não tratada. Associada às sensibilidades e dificuldades do autismo, o caminho pode ser excessivamente angustiante. Você está fazendo muito bem em procurar ajuda e informação, duas coisas que podem garantir uma melhora significativa na sua qualidade de vida. Seja sempre bem-vinda ao blog e obrigada pelo comentário.

  4. Pingback: Psicoterapia em Pacientes com a Síndrome de Asperger | Síndrome de Asperger

  5. Mais um Ótimo artigo! Sou aspie e devo ter muuuuitos neurônios queimados. Fui diagnosticado só aos 42. Sofro horrores com barulhos altos, repetitivos ou incompreensíveis. Obrigado pelo site!!

    • Não é uma existência fácil viver num mundo que não foi projetado para pessoas com Asperger. A alternativa é o autoconhecimento e a busca de estratégias para lidar com as características existentes, como retirar-se do ambiente antes que uma crise se instale, evitar lugares que se sabe de antemão que serão problemáticos ou ter um fone de ouvido à mão para plugar nos ouvidos quando o barulho estiver excessivo. Obrigada pelo comentário.

  6. Que texto bárbaro! Excelentes traduções. Gratidão.
    Tenho 44 anos e há 3 meses me descobri Asperger!
    Descobri seu blog quando pesquisava sobre diagnóstico de mulheres adultas… fiz o questionário da Samantha Craft e meu resultado foi de 134/144! Foi o começo de minha busca.
    Já consegui meu diagnóstico, meio torto, mas está aí, porém sem ajuda nenhuma. O psiquiatra me largou com uma mão na frente e outra atrás. Sorte, que seu excelente blog existe, com ótimo embasamento e organização.
    A cada dia, pesquiso e entendo um pouquinho desta múltipla faceta que é a minha vida. Textos como este, me faz compreender o que acontece comigo, com exatidão.
    Sou extremamente grata pelo seu trabalho.

    PS: Audrey, você sabe me dizer, se existe algum livro do Tony Attwood traduzido para o português?

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