Crianças com Asperger: dupla personalidade?

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Introdução por Audrey Bueno

Uma cena muito comum para pais de crianças com a Síndrome de Asperger é não receberem crédito pelo que dizem sobre o comportamento e as dificuldades de seus filhos, sendo julgados como exagerados e até mesmo mentirosos, pois a criança costuma parecer tranquila e boazinha em contatos mais superficiais. Além disso, sua inteligência geralmente acima da média, alta funcionalidade em comparação a casos de autismo clássico e fala, por vezes, um tanto rebuscada para a idade costumam impressionar os adultos, que desviam a atenção das dificuldades da criança, minimizando-as em excesso pela impressão externa obtida, o que também ocorre por não conviverem de forma mais próxima com a criança, onde as verdadeiras questões se revelam com muito mais frequência e intensidade.

É muito comum que a criança, quando na presença de outras pessoas com quem tenha menos intimidade, não manifeste muitos dos comportamentos problemáticos que os pais presenciam em casa diariamente. Quando esses pais passeiam com o filho, é comum que as pessoas fiquem encantadas com os maneirismos diferentes da criança, esboçando enorme surpresa ao ouvirem, por exemplo,  um pequeno de 4 anos dizer “Infelizmente, acho que não poderei falar agora”, ler os nomes dos produtos numa loja ou montar quebra-cabeças muito complexos para a idade.

Embora todos os pais gostem de ter seus filhos elogiados, pais de crianças com Asperger vivem uma realidade um pouco diferente, cheia de conflitos: se, por um lado, é prazeroso receber o elogio de um filho, por outro, o excesso de admiração e frases do tipo “Como ele é meigo, que legal ele ter tanto interesse assim…” pode soar como um lembrete da angústia frequente de que a criança que os outros veem é bem diferente da criança real que eles têm em casa e da solidão que sentem quando ninguém valida o que dizem. Embora nenhum de nós seja na vida privada exatamente o que somos fora dela, no caso da presença de uma síndrome como Asperger, tudo acaba sendo excessivo, seguindo o próprio padrão mental do transtorno de ‘tudo ou nada’.

A síndrome de Asperger traz um funcionamento repleto de contradições. O comportamento dessas crianças costuma ser composto tanto de coisas admiráveis, como de coisas muito difíceis de se lidar no dia a dia. Infelizmente, o lado ‘abrasivo’ é um tanto frequente e excessivo e, na maioria das vezes, torna o convívio desgastante de um modo geral. Nem todas as crianças com Asperger são agressivas, mas boa parte o é. Muitas são excessivamente irritadiças e frequentemente agridem – verbal ou fisicamente – em seus muitos momentos de descontrole emocional e impaciência, quase sempre por coisas aparentemente insignificantes aos olhos dos demais.

A leitura da maioria das pessoas, e isso inclui alguns psicólogos, é a de que crianças tão novas, em idades como 3, 4 ou 5 anos, não podem ter esse nível de capacidade para “escolher e determinar” como agir num ambiente e em outro não (entendido como ‘comportamento dissimulado’), ou seja, não pensam que uma criança tão jovem seja capaz de já fazer uso de uma “persona”, termo da psicologia para a máscara social que usamos em público e retiramos na vida privada, a que algumas pessoas popularmente se referem como ‘dupla personalidade’ (o transtorno real de dupla personalidade é um pouco diferente do que a opinião leiga supõe).

Soma-se a isso o fato de que crianças com o autismo do tipo clássico em geral não fazem a mesma distinção do ambiente em que estão para que manifestem ou não seus comportamentos típicos, enquanto as crianças com o autismo do tipo Asperger o fazem, especialmente devido ao fator QI, geralmente elevado para portadores dessa síndrome, e quanto mais alto ele for, mais capaz de diferenciar, represar e representar certos comportamentos a criança será. Diferentemente das crianças com autismo clássico, a criança com Asperger participa do ambiente e não se aliena a ele. No autismo clássico, quando existe alienação, e a criança fica imersa em seu próprio mundo, ela o faz não somente como mecanismo de autorregulação interna, mas também por não ter plena consciência do entorno. Para crianças com Asperger, isso é diferente. Embora estejam também inseridas no espectro do autismo, estão conscientes de muito mais fatores no ambiente do que crianças com autismo clássico costumam estar, e sua natureza analítica, que é a mesma observada em superdotados, faz com que criem verdadeiros mapas mentais de funcionamento social, inclusive para darem conta de seus déficits. A pessoa com Asperger tenta compensar racionalmente o que lhe falta intuitivamente no âmbito das relações interpessoais e noções de mundo, processo este substancialmente oposto ao da pessoa neurotípica (sem autismo).

No autismo, o motivo para que haja uma persona é geralmente diferente do motivo de pessoas sem autismo, ou seja, antes de qualquer dissimulação intencional e premeditada, o que existe é medo e confusão, pois temem a reação alheia e não são capazes de intuí-la ou compreendê-la satisfatoriamente e, portanto, prevê-la suficientemente. Isso melhora com a idade, pois a cada nova experiência social, a criança “computa” a informação e vai criando o mapa mental mencionado no parágrafo anterior. Não raro, é comum que tornem-se profundos observadores do comportamento humano, até mesmo enveredando por campos de estudo tais como psicologia e/ou filosofia quando adultos, ainda que como hobby e não profissão.

Porém, seres humanos são entidades complexas. É impossível ‘quantificar’ com exatidão o quanto há de traços neurotípicos e neuroatípicos nas pessoas e delimitar onde começa um e termina o outro, até mesmo pela noção deficiente e subjetiva de normalidade que a sociedade possui, de modo que quadros mais leves de autismo, ou seja, que estejam mais próximos da divisa entre típico-atípico (‘autista borderline’), possam eventualmente mesclar as deficiências comuns de sua condição com uma ou outra característica mais próxima do funcionamento não autista, gerando níveis variados de consciência do que fazem e do impacto de suas ações nos outros. Assim, embora uma síndrome diga muito do funcionamento do sujeito e ofereça informações essenciais para a compreensão adequada de seus comportamentos, certamente não o definirá com pessoa em sua totalidade.

Tony Attwood, em seu livro The Complete Guide to Asperger’s Syndrome (O Guia Completo da Síndrome de Asperger), diz que:

“Crianças pequenas que tenham os sintomas da Síndrome de Asperger podem ser capazes de usar estratégias de ajustamento e de formas construtivas de lidar com os problemas para camuflar seus déficits de interação social e comunicação. Elas podem atingir sucesso social ao observar e imitar os outros, criando uma “persona alternativa”, ou escapando para um mundo de imaginação através da brincadeira solitária de fantasia, leituras de ficção ou estando com animais em vez de colegas. Esses mecanismos podem mascarar as características da Síndrome de Asperger por algum tempo, de tal modo que a criança possa inclusive escapar do radar diagnóstico durante os primeiros anos da infância. Contudo, há um custo psicológico que pode acabar se tornando muito aparente mais tarde, geralmente na adolescência. É emocionalmente exaustivo constantemente observar e analisar o comportamento social, tentando não cometer um erro social ou ser percebido como diferente. Adotar uma persona alternativa também pode levar à confusão quanto à própria identidade e baixa autoestima. O stress, tensão e exaustão podem levar ao desenvolvimento de depressão clínica. […]” (Attwood, 2015 – p. 16)


O texto a seguir é a tradução de um artigo escrito pelo psicoterapeuta americano Mark Hutten, em seu site: My Aspergers Child – HELP FOR PARENTS OF CHILDREN WITH ASPERGER’S & HIGH-FUNCTIONING AUTISM (Meu filho com Asperger – AJUDA PARA PAIS DE CRIANÇAS COM ASPERGER & AUTISMO DE ALTO-FUNCIONAMENTO). O autor é especializado no atendimento de crianças com Asperger, terapia e aconselhamento de pais. Ele costuma desenvolver seus artigos a partir de dúvidas trazidas pelos pais.

 

Crianças com Asperger e Dupla Personalidade

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“É comum para uma criança com Asperger ter dupla personalidade? Minha filha é uma criança muito boazinha na escola, mas o completo oposto em casa. Isso é normal?”

Asperger (autismo de alto funcionamento) é conhecido por manifestar-se de diferentes formas em diferentes crianças. Além disso, crianças com Asperger podem reagir diferentemente dependendo de suas personalidades individuais. Elas podem se sentir mais confortáveis com o ambiente familiar do lar, e sentirem-se mais livres para expressarem suas emoções do que em público, onde estejam cercadas de estranhos num ambiente igualmente estranho.

O stress da escola pode ser aliviado por uma “crise” ou outro comportamento difícil em casa. Essa é uma ocorrência comum¹. Um bom número de crianças com Asperger são santas na escola, mas descarregam sua angústia sobre os familiares quando chegam em casa. [¹ Grifo do tradutor.]

A Síndrome de Asperger costuma ser tratada de duas formas, e ambas ajudam a administrar a ansiedade que acompanha a desordem. A primeira forma de tratamento é através da psicologia cognitiva, e a segunda é através de medicação. A primeira coisa que você precisa fazer para ajudar sua filha é encontrar um psiquiatra ou psicólogo² especializado em Asperger. Este especialista irá ajudar você e sua filha a identificar as razões por trás das mudanças comportamentais. [² A realidade do autor é a de que existem muito mais psicólogos especializados em autismo nos Estados Unidos do que aqui no Brasil, portanto, mais fáceis de serem encontrados; este é mais um motivo fundamental para que pais e profissionais da área da saúde e educação se informem sobre a condição, pois alguns ajustes na rotina domiciliar ou escolar da criança podem promover melhoras e redução da ansiedade e agressividade. É comum no TEA que o plano de atuação para controle das dificuldades comportamentais seja composto tanto de ações psicoterapêuticas e ajustes ambientais, como do uso de medicação prescrita por um psiquiatra ou neurologista, pois quadros como ansiedade e agressividade costumam necessitar desse tipo de apoio para que a melhora seja alcançada. Em muitos casos, a medicação costuma ser o passo inicial para criar condições da criança obter um melhor aproveitamento das intervenções e psicoterapias – sobre terapia psicológica, recomendo a leitura do artigo Psicoterapia em Pacientes com a Síndrome de Asperger].

Além disso, um especialista ajudará em duas outras coisas:

1. Modificar a situação ou ambiente em que sua filha vive de modo a reduzir o comportamento difícil.
2. Criar intervenções para manejar a ansiedade dela.

Por favor, não se intimide. As mudanças não precisam ser complexas ou impraticáveis. As mudanças necessárias podem ser apenas regular a intensidade da luz da sala para algo mais brando, ajustar o nível de barulho em casa ou criar uma nova rotina.

Se as intervenções iniciais não forem suficientes, um psiquiatra pode prescrever medicação para ajudar sua filha no que ela precisa. É importante observar que um psicotrópico (alterador de humor) como Zoloft ou Prozac pode ajudar a criança, mas tais medicações não estão livres de causar efeitos colaterais significativos. Se o psiquiatra prescreve medicação, tenha certeza da dosagem e pergunte sobre os possíveis efeitos colaterais.

[…]

Alguns comentários de leitores do artigo original em inglês, extraídos do site My Aspergers Child

Anônimo disse…

Ela provavelmente se sente hiperestimulada e toda a tensão por ser tão boa o dia todo a está estressando demais e ela descarrega num ambiente onde se sente segura. Meu filho era do mesmo jeito, então passamos a mandá-lo para a escola de manhã e a deixá-lo em casa à tarde para que ele tivesse mais sossego. Tem funcionado bem com a gente, mas não funciona para todos é claro.

Anônimo disse…

Meu filho sempre foi assim. Eles dão tão duro para se segurarem na escola que quando chegam em casa desabam. Eu prefiro que seja em casa do que na escola ou em outro lugar, mas isso nos desgasta muito depois de um tempo. Eu tenho pânico das 15:30 da tarde nos dias de escola! Aguente firme.

Anônimo disse…

Meu filho é um Asperger passivo. Ele fica bem na escola e quando chega em casa tem crise. O problema quando vão bem na escola é que os professores não notam o Asperger.

Anônimo disse…

Sinto muito por você. Meu filho agora tem 8 anos, mas só foi diagnosticado ano passado. Isso me custou anos de luta, muitas exclusões escolares, até mesmo em carga horária de meio período. Eles me culpavam, dizendo que o problema era a minha criação!

 

Anônimo disse…

Muito obrigada pelos conselhos. Estou num buraco e parece que não consigo sair. Irei ao médico na segunda. É tão frustrante.

 

Anônimo disse…

Segui as recomendações, anotei tudo por 2 meses. Me mandaram para um curso de pais que não ajudou e apenas tornou o comportamento dele pior.

 

Anônimo disse…

Isso não deveria ser uma luta. Estou cansada de tentar provar as coisas como se eu quisesse isso tudo. Só quero que meu filho seja calmo e feliz.

 

Anônimo disse…

Meu neto era o contrário. Ele se comportava mal na escola e muito melhor em casa. Descobri que rotina é a chave. É uma batalha que nunca termina. Agora que a escola está em recesso, ele voltou a se comportar mal em casa.

 

Anônimo disse…

Meu filho tem 11 anos e acabamos de descobrir que ele tem Asperger. Eu sempre soube que ele era diferente e sempre lutei com seu humor temperamental e dificuldades em casa. Também odeio como alguns parentes acham que é nosso estilo de criação que causa isso! Me parte o coração, pois tudo o que queremos é que nossos filhos sejam felizes. Estou muito feliz em ter encontrado esse site.

 

Anônimo disse…

Eu acho que muitas vezes nossos filhos se esforçam tanto para se segurarem que quando se sentem à vontade, em casa, explodem. Toda a ansiedade e frustração fica engarrafada e a tampa é aberta em casa.

Anônimo disse…

Sim, isso é muito comum.

 

 

 

15 comentários sobre “Crianças com Asperger: dupla personalidade?

  1. As pessoas das áreas de educação e psicologia precisam conhecer seus textos. Esse artigo me tocou bastante!! E como há pessoas que não conhecem as características de quem tem essa síndrome!

    • Sim, a área da educação é absolutamente precária em informação e a psicologia não fica muito atrás quanto o assunto é autismo. É para isso que trabalho: para difundir conhecimento, pois através dele podemos mudar o mundo! Obrigada pelo comentário.

  2. Muito legal e informativo o seu texto. O tema é muito interessante, uma área a ser explorada. Estudo psicologia e esse assunto não é muito comentado nas matérias da grade curricular, e é assim na maioria das instituições. Geralmente são cursos de pós que focam mais em temas do tipo. Por isso o seu texto é muito informativo e importante.
    Abraço.

    • Obrigada pelo comentário, Alan. Como psicóloga, sei bem o que você quer dizer. Acredito que isso deva começar a mudar, pois o conhecimento de neuropsiquiatria (e psicofarmacologia) é fundamental para que um psicólogo exerça adequadamente a profissão, e as questões da sociedade têm nos mostrado bem isso. Fico feliz em saber que você se interessa e busca suprir as lacunas da formação. Psicólogos são fundamentais na vida das pessoas, precisam se capacitar sempre para ajudá-las verdadeiramente. Imagino que você vá se tornar um excelente profissional. Seja sempre bem-vindo por aqui!

    • Sim, pode. A questão está na rotina mais previsível e, portanto, mais confortável e que dá mais segurança para a criança, bem como os estímulos invasivos do ambiente, tais como barulho, proximidade física com as outras crianças, que não raro ocasionam esbarrões, empurrões, toque repentino, conversas em voz alta muito próximas da criança, situações em que seja pressionada à socialização ou a ceder um brinquedo, por exemplo. Pode ser que em casa o ambiente esteja muito mais livre desses estímulos de difícil manejo para a criança do que na escola (o que costuma ser o caso, aliás, pois o ambiente típico escolar costuma ser um inferno para crianças com Asperger). Pode ser que na escola os estímulos invasivos estejam sendo tão graves que ela entra em pânico extremo ali mesmo. Geralmente, quando a escola não consegue oferecer o mínimo de apoio às necessidades especiais da criança, a criança começa a apresentar recusa em ir para a escola. Quando a família aprende a lidar melhor com as necessidades e comportamentos especiais da criança, costuma haver muito mais paz no lar do que numa família que não tenha ainda adquirido maior consciência do funcionamento interno da criança. Existem famílias que são naturalmente mais calmas, organizadas, têm pouca gente, pouco barulho, pouco agito, etc., e, certamente, nesses ambientes a criança se sentirá muito mais calma. Porém, por mais perfeito que o lar seja em termos de acolhimento das dificuldades e necessidades da criança, se ela estiver no espectro do autismo, certamente haverá muitos comportamentos difíceis para os pais lidarem em casa também. Dentre esses comportamentos difíceis costumam estar: repetição excessiva de falas, brincadeiras ou ações, rituais (querer fazer certas coisas sempre exatamente do mesmo jeito), obsessão por certos assuntos ou objetos (que costumam querer acumular), explosões emocionais quando um ritual é quebrado, sensibilidades sensoriais, oposição, resistência e choro excessivo. Nem todas as crianças com a síndrome terão ‘exatamente’ as mesmas características, pois há outros fatores que atuam em conjunto, tais como a presença de alguma comorbidade ou traços de personalidade específicos. No artigo, no final, há alguns comentários feitos por leitores que têm crianças com Asperger na família. Um dos comentários fala justamente dessa possibilidade que você perguntou, de ser o contrário. Copiei-o aqui para facilitar sua leitura:

      “Anônimo disse…Meu neto era o contrário. Ele se comportava mal na escola e muito melhor em casa. Descobri que rotina é a chave. É uma batalha que nunca termina. Agora que a escola está em recesso, ele voltou a se comportar mal em casa.”

      Obrigada pelo comentário e seja sempre bem-vinda a blog.

  3. Tenho lido muito e nesta procura, achei este site. Não consegui até hoje, nenhum relato que se assemelhe ao que o meu neto passa. Ele tem 12 anos, é inteligente, nunca repetiu um ano na escola, mas desde bebê (sim, desde bebê), se comporta como se fossem duas crianças. “Eles” brigam, um ofende o outro, ameaça, tortura, enquanto o outro fala manso, sofrido. Se alguém ouvir, sem ver, pensa que são de fato duas crianças. Na minha ignorância, quando ele era bem pequeno, costumava brincar com a minha ex nora, dizendo que os gêmeos dela estavam brigando. Há três anos, a mãe foi embora e ele e o pai moram próximo a mim. Tento ajudar, segurando as crises que são muitas, ele bate, esperneia, grita, causando um inferno para a família, já que é grande e forte. Foi diagnosticado com Síndrome de Asperger aos cinco anos e recentemente o neurologista que o tratava há três anos, jogou a toalha e o encaminhou para a psiquiatria. Ainda não foi atendido, por estar aguardando vaga. Vivo procurando algo que seja pelo menos semelhante ao que ele vive. Li sobre esquizofrenia, mas na esquizofrenia, a pessoa ouve vozes, com ele não parece ser isso, parece que ele encarna, dá voz a duas pessoas diferentes. Alguém já leu algo assim?

    • Olá! Sua narrativa do comportamento do seu neto parece ir além da síndrome de Asperger em si, de modo que você talvez não encontre explicação para o comportamento dele apenas em materiais que tratem de autismo, motivo pelo qual talvez nunca tenha encontrado nesse meio descrições que de fato se enquadrassem no perfil que ele apresenta. Pessoas autistas podem ter comorbidades e, muitas vezes, o comportamento que se torna mais evidente é o da comorbidade, e não o do autismo em si. Seu neto parece apresentar características relacionadas à psicose que não costumam fazer parte do espectro comportamental do autismo, algo que, embora raro, é, no entanto, possível por conta de uma comorbidade. Muito superficialmente, levando em conta apenas o seu relato, surge a hipótese de Transtorno Dissociativo de Identidade (antigamente chamado de Transtorno de Personalidade Múltipla), porém, é preciso uma avaliação bastante aprofundada para que se identifique se esta hipótese procede ou qual é a condição, de fato. É comum a sobreposição de sintomas entre os transtornos mentais, tornando um processo diagnóstico algo complexo e que depende de muitos detalhes a serem investigados, em vez de ser algo simples ou óbvio. Esse tipo de avaliação deve ser feita por um psiquiatra. Há, ainda, a possibilidade do diagnóstico de Asperger que ele recebeu na infância estar equivocado. Como tal diagnóstico foi feito há alguns anos, esta é uma possibilidade grande, pois se hoje os profissionais têm dificuldade em identificar corretamente a síndrome de Asperger, isso era ainda mais frequente há alguns anos, quando praticamente não havia informação a respeito e a chance de encontrar especialistas no assunto era muito pequena. Assim, recomendo avaliação psiquiátrica, inclusive para revisão do diagnóstico que ele já tem. É possível que ele tenha Asperger e outras comorbidades, como é possível que não tenha Asperger e seu diagnostico seja outro. Se a opinião psiquiátrica a ser obtida em breve não parecer se enquadrar, procure uma segunda opinião, sempre de um psiquiatra, e não desista até encontrar um profissional que inspire confiança. Seu neto precisa muito de ajuda e está numa fase crucial de desenvolvimento da psique. Este é o momento para ajudá-lo. Pode ser necessário o uso de medicação e esta, muitas vezes, auxilia enormemente nos sintomas. Outra possível necessidade será, muito provavelmente, terapia psicológica, mas tudo isso deve ser conversado primeiramente com um psiquiatra, que fará as devidas indicações terapêuticas.

      • Obrigada Audrey. Tenho buscado me informar também fora dos textos sobre autismo, é claro, até por perceber que isso é algo que vai além. Como ele está para fazer esta consulta, vamos aguardar para ver como o profissional irá se pronunciar, todos os cuidados do meu filho estão direcionados a manter a mente do meu neto, mais preservada possível, já que apresenta boa inteligencia, aptidão para línguas, já está cursando o Sênior em Inglês, o que normalmente acontece após os dezesseis anos. E curiosamente, desde ontem, já estava lendo sobre Transtorno de Identidade Dissociativa 🙂 Fico feliz que tenha citado. Muito obrigada pela atenção e carinho na resposta.

    • Regina, boa tarde. Que Deus te abençoe e te fortaleça.
      Já vi autistas leves, muito inteligentes,que são muito imaginativos/criativos. Bolam histórias complexas, com vários personagens e falam a voz de todos e fazem os ruídos (motor do carro,tiros, raios laser). Penso que algo importante sobre seu neto é sabe se ele É CAPAZ DE PARAR com este aparente diálogo quando ele quer (por exemplo chega uma visita na casa, ele pára pois tem consciência de que seria estranho a pessoa assitir a ele falando desta forma, ou ele NÃO TEM CONTROLE, sobre quando isso começa ou termina?

    • Isso é muito bom. No entanto, há coisas que só o psiquiatra irá saber, que não fazem parte do campo de estudo da psicologia. Por isso, o ideal é que seja acompanhado por ambos os profissionais. Se tiver novas dúvidas, estou à disposição. Abraço.

  4. Meus sinceros e profundos parabéns a você, cara Audrey Bueno!
    Quando vejo uma pessoa como você se envolvendo no cuidado atencioso ao outro que precisa tanto de ajuda e esclarecimento; nestes momentos eu renovo a minha esperança de que a humanidade evolua.
    Por favor, continue com este trabalho admirável e tão necessário nos dias turbulentos que vivemos.

    • Muito obrigada pelo elogio tão especial. De fato, esse é o meu propósito: conseguir contribuir de algum modo para que não percamos a fé na humanidade. Num mundo onde a vasta maioria das pessoas faz algo apenas por interesse próprio, eu faço por respeito e compaixão para com a dor do outro e para que as pessoas saibam que elas importam.

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