Diagnóstico, tratamento e mais além na síndrome de Asperger

Diagnóstico, tratamento e mais além traz não somente os aspectos práticos envolvendo tais questões, como também uma reflexão do impacto cultural na percepção do comportamento e de que forma isso contribui para moldar o conceito de normalidade social. Ao final do artigo, propõe ainda uma reflexão sobre o sistema educacional vigente e a questão do homeschooling (ensino em casa).

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Por Audrey Bueno

Psiquiatras são os profissionais de primeira escolha para fins de obtenção de diagnóstico e tratamento dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Muitos neurologistas também estão capacitados para essa finalidade. Em ambos os casos, é importante que o profissional seja especializado em atendimento infantil.

Eventualmente, neuropediatras podem estar aptos a fornecer tal diagnóstico, mas muitos desses profissionais não possuem conhecimento aprofundado o bastante para conduzir adequadamente uma avaliação desse tipo, especialmente em casos mais leves, onde os sintomas são mais sutis e requerem maior expertise. Sendo a formação de base em pediatria convencional, a leitura clínica tende mais às questões gerais da infância e menos ao sistema neurológico especificamente, apesar da especialização incluir neurologia. É muito comum que crianças previamente excluídas do espectro do autismo por neuropediatras recebam, posteriormente, o diagnóstico de autismo por psiquiatras especialistas em TEA.

Pediatras, psicólogos e neuropsicólogos podem, eventualmente, identificar o autismo num paciente, mas isso é relativamente raro, pois as formações em pediatria e psicologia (e mesmo neuropsicologia) abordam apenas muito superficialmente transtornos como o autismo e, ainda assim, apenas em se tratando do tipo mais clássico, com os sintomas mais óbvios e severos. Assim, a menos que uma especialização em autismo e transtornos dessa natureza tenha sido buscada, o que normalmente ocorre é que o profissional não dispõe de conhecimento suficiente para conduzir um processo diagnóstico, sendo prática comum que encaminhem seus pacientes, em caso de suspeita, para profissionais cujas formações incluam neurologia e psiquiatria, o que, na verdade, é o ideal, afinal, o transtorno autista é de base neuropsiquiátrica, e não psicológica ou emocional como alguns profissionais menos informados ainda acreditam. Muitos psicólogos, por não terem como foco de estudo em seus cursos de formação universitária a biologia humana, como ocorre na medicina, costumam interpretar erroneamente os sinais de autismo como se fossem manifestações psicológicas, emocionais e comportamentais relacionadas ao ambiente, algum trauma ou ao estilo de criação dos pais, falhando em reconhecer os sinais que revelam um transtorno neurobiológico como o autismo. É comum o relato de famílias que estiveram por tempo longo em acompanhamento psicológico, sem obterem melhora significativa para o quadro, para, finalmente, conseguirem um diagnóstico e tratamento mais acertado quando procuram um psiquiatra.

No entanto, mesmo em relação a psiquiatras e neurologistas, a formação acadêmica tradicional em si não basta, uma vez que mesmo estas formações abrangem o autismo de forma limitada. Por isso:

É preciso que o profissional seja especializado em Transtornos do Espectro Autista (TEA) ou que tenha adquirido experiência clínica nesse tipo de transtorno para que seja capaz de conduzir um diagnóstico e tratamento adequados.

Se o conceito de ‘espectro’ ainda não é totalmente conhecido pela área médica, menos conhecidas ainda são suas variações, como a Síndrome de Asperger. O entendimento de que o autismo se apresenta de formas bastante diversas e que pertence a um ‘continuum’ (= espectro) é o que permitirá aos médicos reconhecerem e compreenderem melhor casos mais leves. Ainda é grande o número de profissionais com conhecimentos precários e ultrapassados sobre o transtorno autista, e que só são capazes de identificar casos realmente severos, ou seja, com sinais óbvios e profundamente debilitantes, ficando casos de autismo mais funcionais – ou seja, onde haja menor comprometimento geral em comparação aos quadros severos –  completamente à deriva.

No entanto, é cada vez mais provável que esse panorama mude, afinal, vem-se percebendo que o número de casos é maior do que se supunha, e tem havido um movimento crescente no sentido de interesse e busca de informação, não somente pela área médica, mas pela própria população e escolas. De qualquer modo, atualmente, os profissionais que detêm uma boa base de formação acadêmica acerca de transtornos neuropsiquiátricos do desenvolvimento infantil ainda são os mais capacitados para lidar com a questão do autismo.

O processo diagnóstico envolve uma investigação detalhada das principais áreas afetadas pelo transtorno: social, comunicativa e comportamental, que compõem o que se conhece por “tríade de sintomas”. Quaisquer relatórios anteriores, escolares ou de outros profissionais, serão de extrema importância para a avaliação diagnóstica, bem como a informação fornecida pelos pais acerca da história médica, desenvolvimento e histórico familiar, incluindo a menção de familiares que tenham um perfil comportamental com algum nível de similaridade quanto às habilidades ou dificuldades observadas na criança, mesmo que não tenham necessariamente um diagnóstico (em casos leves, dificilmente há um). Vídeos e fotos da criança nos mais variados ambientes possíveis, mas principalmente quando agindo espontaneamente em contexto domiciliar ou participando de eventos sociais onde há outras crianças por perto, são parte essencial do material fornecido pela família para a avaliação.

Além do acima descrito, existem ainda escalas de avaliação de traços autistas, sendo as escalas CARS (Childhood Autism Rating Scale) e ATA (Autistic Traits Assessment) algumas das mais usadas e confiáveis. Teoricamente, o próprio pediatra deveria aplicar ao menos uma dessa escalas (são questionários simples que o médico preenche com os pais), mas pouquíssimos médicos o fazem e muitos nem as conhecem.

Na escala CARS, a pontuação máxima é 60, e a ‘nota de corte’ para considerar o indivíduo como pertencendo ao espectro do autismo é 30. No entanto, muitos clínicos e pesquisadores consideram 25 como nota de corte, principalmente para quadros leves, como Asperger. Assim, uma pontuação até 25 seria considerada como não pertencente ao espectro autista, entre 25 e 30 seria autismo leve (frequentemente Asperger), entre 30 e 36, seria de leve a moderado, e entre 37 e 60, autismo de moderado a severo.

Na escala ATA, a pontuação máxima é 46. O atingimento de 15 pontos sugere a presença de transtorno autista, sendo mais grave quanto maior for a pontuação, que funciona da seguinte forma: são 23 subescalas, cujas pontuações variam de 0 a 2 cada, sendo “0” quando não há presença de qualquer dos comportamentos citados naquela subescala, “1” quando a criança apresenta apenas um dos vários subitens citados ou “2” quando apresentar dois ou mais subitens. A última subescala (de número XXIII – APARECIMENTO ANTES DOS 36 MESES / DSM-IV) deve ser marcada a partir da seguinte análise: se as particularidades comportamentais estiverem presentes desde antes dos 3 anos, marca-se 2 pontos.

Outro problema para o atraso na obtenção de um diagnóstico é o fato de ser muito comum no Brasil que os profissionais da área da saúde o enxerguem como um rótulo nocivo à criança, desconsiderando toda a gama de benefícios que um diagnóstico acertado poderia trazer, incluindo a orientação da família e escola, sempre tão fundamental. Assim, evitam “bater o martelo” e vão esticando ao máximo o tempo de espera, pois outra crença bastante comum é que cada criança tem seu ritmo e que esperar é sempre uma boa medida. De fato, existem diferenças individuais que devem ser consideradas, mas há limites que tem sido larga e descuidadamente ampliados. Por exemplo, o desenvolvimento da fala:

  • entre 12 e 15 meses surge a primeira palavra (se com 18 meses a criança não diz palavra alguma, já há um indício importante de atraso no desenvolvimento);
  • aos 18 meses a criança com desenvolvimento normal precisa conseguir dizer ao menos 10 palavras (algumas fontes dizem 50)
  • aos 2 anos haverá pelo menos 100 palavras no repertório da criança (algumas fontes dizem 200), geralmente o nome de muitas coisas: “carro”, “gato”, “au-au”, “casa”, “boneca”…

Por isso: se aos 2 anos a criança não conseguir dizer ao menos 50 palavras, há um atraso bastante significativo e avaliação especializada é altamente recomendada – nessa idade de 24 meses, para atrasos motores ou de fala a recomendação é procurar preferencialmente um neurologista infantil – . Se o profissional pedir para esperar porque cada criança tem seu tempo ou disser que é por falta de estímulo que ela não fala, procure outro profissional.

Muitos profissionais têm medo ou insegurança – pessoal ou por falta de conhecimentos sólidos sobre um transtorno que, afinal, gera confusão uma vez que pode se apresentar de muitas formas diferentes – em se comprometerem com um posicionamento mais objetivo sobre o que acontece com aquela criança e cada qual “passa a bola” muitas vezes, fazendo com que a família enfrente uma verdadeira odisseia, de porta em porta de consultórios médicos, até obter o diagnóstico.

Infelizmente, no Brasil, se a escassez de informações fidedignas sobre autismo já é grande, ainda mais escassos são os materiais acerca da síndrome de Asperger, principalmente por que a maior parte da literatura que trata do assunto ainda não foi traduzida para o português. Esse é um dos motivos pelos quais os próprios profissionais da área da saúde, muitas vezes, não têm conhecimento suficiente sobre esta síndrome, haja vista que a própria formação profissional de base deles, predominantemente em português, já carece desse tipo de informação.

Além disso, profissionais que se formaram há mais de 20 anos, e que não têm por hábito buscar especializações e atualizações na área médica ou, especificamente, sobre autismo, acabam mantendo unicamente a visão de um modelo de autismo clássico geral que há muito tempo já não se aplica, de uma época em que o transtorno ainda era pouco compreendido e não detinha o conceito de ‘espectro’, não prevendo, portanto, quaisquer variações aos casos mais graves, que eram os únicos conhecidos, quando a ciência ainda nem dispunha de ferramentas tecnológicas avançadas que auxiliassem novas descobertas, como ocorre hoje. O próprio termo “Asperger” só passou a ser realmente difundido e conhecido após a década de 90.

A precocidade no início da intervenção terapêutica é de suma importância. No autismo, a socialização deficitária é uma das esferas que mais causam prejuízo, sendo o impacto ainda maior por conta da cultura em que estamos inseridos. A aptidão para o convívio e trabalho em equipe é fortemente valorizada na nossa cultura, nas escolas e posteriormente na vida profissional, sem falar na vida social acerca de amizades, relacionamentos amorosos e outras inúmeras situações de grupo a que estamos frequentemente expostos.

O peso da cultura na percepção do autismo

Embora transtornos do espectro autista sempre acarretem algum tipo de prejuízo adaptativo, a cultura pode reforçar ou suavizar a extensão disso, especialmente do ponto de vista social. Por exemplo, os traços da síndrome de Asperger gerarão menos desconforto para um indivíduo na Inglaterra do que no Brasil, uma vez que a cultura desses povos difere bastante quanto à forma de pensamento e socialização. Os ingleses são mais objetivos, metódicos e reservados, enquanto os brasileiros são o oposto. Não é preciso muita imaginação para prever o impacto que traços de Asperger irão gerar em ambas as culturas.

Richard Lewis foi um pesquisador que criou um “mapa” das culturas no  mundo. Ele desenvolveu um sistema de classificação de culturas por países que retrata a tendência com que determinado povo pensa e sente. Por exemplo, a cor vermelha indicaria tipos culturais mais “passionais”, ou seja, falantes, sociáveis, guiados pelas emoções. O Brasil se enquadra nesse perfil. Conforme a cor vai “esfriando”, ou seja, passando do vermelho para o rosa, violeta e sua extremidade azul, mais opostos às características passionais determinado povo seria, o que é o caso, por exemplo, da Inglaterra (U.K.), representada em tom azulado, como citei anteriormente, onde os traços culturais são mais contidos, reservados e racionalmente orientados. Por fim, a cor azul passa pela verde até culminar na amarela, que seriam os povos mais neutros, nem numa extremidade (vermelha), nem na outra (azul), além de serem mais guiados por valores coletivos em vez dos individuais, como é o caso do Japão. Há controvérsias quanto à validade dos estudos desse autor, pois seu método não é efetivo e confiável do ponto de vista científico, o que já lhe rendeu muitas críticas, mas não se pode negar que a proposta dele parece ter alguma ressonância com o que, genérica e superficialmente, observamos nas culturas.

Abaixo, está o Modelo Lewis de Tipos Culturais no Mundo:

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No Brasil, as pessoas se incomodam muito mais com a falta de reciprocidade emocional, demonstração de afeto e compartilhamento de interesses do que em países como a Inglaterra, EUA, Suíça ou Noruega, onde as pessoas tendem a ser naturalmente mais reservadas e seletivas. Um exemplo desse impacto cultural é o fato das pessoas se tratarem pelo sobrenome nos Estados Unidos. Se você trata a pessoa pelo primeiro nome, como fazemos no Brasil, logo num primeiro contato, você certamente será taxado de grosseiro, mal-educado, inadequado socialmente e invasivo. No Brasil, isso é normal. E se, em contrapartida, você chama alguém pelo sobrenome aqui no Brasil, quase sempre será taxado de “estranho”, principalmente se a pessoa chamada for jovem ou for mulher.

Até certo ponto, poderíamos pensar em ao menos algumas das características de Asperger como se parecendo um pouco com alguém de outro país, onde a cultura é diferente da nossa, onde os costumes são outros.

Indivíduos que se encontram na extremidade leve do espectro autista, onde os distúrbios não são óbvios, como é o caso da síndrome de Asperger, vivem uma contradição: embora, por um lado, seja obviamente uma vantagem ter a forma leve do distúrbio em vez de sua forma severa, considerando a funcionalidade e nível de autonomia diária, essa vantagem também tem seu preço à medida que a sociedade exigirá dessas pessoas  o mesmo funcionamento de um indivíduo “neurotípico” (termo usado para pessoas com um funcionamento neurológico típico, ou seja, sem o transtorno), afinal, a pessoa com Asperger não “parecerá” ter qualquer distúrbio, como ocorre em quadros em que visivelmente há um problema. Quando as pessoas percebem a deficiência em alguém, geralmente manifestam um espírito de compreensão e solidariedade: se um cadeirante estiver tentando subir num local difícil, logo surgirão pessoas dispostas a ajudar. A pessoa com autismo leve ou síndrome de Asperger, por outro lado, assim como toda uma população de pessoas que sofrem de transtornos ‘escondidos’ (depressão, ansiedade, TOC, TDAH, bipolaridade, etc.), não encontrará a mesma pro-atividade social solidária. Em vez disso, o mais comum será encontrar um conjunto de cobranças, julgamentos e rótulos morais injustos e depreciativos somados às dificuldades que eles já possuem. Assim, a vantagem num contexto se torna uma desvantagem em outro.

Quase sempre, o diagnóstico é tardio, devido à não obviedade dos sintomas. Muitos médicos acabam não validando as preocupações dos pais de que algo possa estar errado com a criança. A própria família, se for menos informada ou perceptiva, poderá encontrar outras justificativas para o comportamento da criança, “empurrando com a barriga” por muito tempo, até que a escola ou algum profissional da saúde faça um alerta para a necessidade de procurar um profissional que avalie a criança. Não é incomum que os familiares, em especial os mais velhos, como os avós, que nunca ouviram falar de transtornos como Asperger, invalidem as preocupações dos pais, dizendo que não há com o que se preocupar e que criança é assim mesmo, muitas vezes até achando que os pais é que estão fazendo algo errado quanto à criação dos filhos, como mimar muito ou deixar de dar o limite necessário.

As explicações do senso comum para os comportamentos da criança com transtornos “invisíveis”, como é o caso de desordens neuropsiquiátricas, partem sempre do princípio de falhas na educação ou traumas emocionais. Até mesmo alguns psicólogos, sem embasamento médico-teórico, podem chegar a essas mesmas conclusões equivocadas, sem considerar a hipótese de haver um problema de ordem neurológica. Isso é muito mais comum do que se imagina, haja vista que as faculdades de Psicologia não incluem em seus currículos um estudo satisfatório sobre o funcionamento fisiológico, neuronal e psiquiátrico do ser humano.

Além desses fatores, em casos leves, onde não há alteração cognitiva, a criança segue se desenvolvendo, tem bom domínio da fala e consegue acompanhar a escola, apesar de algumas “excentricidades”, é comum que o diagnóstico só ocorra em torno dos 5 a 7 anos de idade, época em que as relações sociais com as outras crianças passam a mostrar sinais evidentes de problemas (que para um bom observador são, na verdade, já bastante perceptíveis aos 2 ou 3 anos de idade), e é só então que a maioria dos pais decide buscar ajuda ou a escola ou pediatra percebem que há algo errado, mas aí já pode ser tarde para que certos resultados basais sejam obtidos, embora intervenções em qualquer idade tragam sempre benefícios significativos.

Em resumo, os fatores que contribuem para um atraso no diagnóstico podem ser:

a) O fato de que, quando a criança é muito nova, quaisquer “excentricidades” ou dificuldades sociais são geralmente relevadas e atribuídas à idade.

b) É comum que muitos profissionais adotem a postura do “vamos esperar para ver o que acontece” ou do “ainda é cedo para dizer qualquer coisa”, quer seja pela dúvida acerca do diagnóstico ou pelo receio de rotular a criança.

c) Descrença da problemática relatada pelos pais, como se fosse exagero dos mesmos, principalmente por que os comportamentos diferenciados da síndrome de Asperger muitas vezes não são evidentes ou imediatamente perceptíveis num breve contato no consultório do médico; se esse médico não for um especialista, não saberá o que observar e provavelmente terá uma crença estereotipada de autismo, de modo que se a criança não apresentar os sinais clássicos mais severos do quadro, vai achar que não se trata de autismo. Por fim, vale lembrar que a maior parte dos comportamentos de uma criança com Asperger não são observáveis em sua totalidade fora do contexto do lar.

d) Interpretações parciais – tais problemas acabam sendo atribuídos a questões unicamente emocionais, psicológicas ou de falha dos pais no âmbito disciplinar, desconsiderando o fator neurológico, quando esse tipo de conhecimento não faz parte do escopo técnico do profissional, o que ocorre com frequência entre psicólogos não especializados em TEA (Transtorno do Espectro Autista).

Precocidade é uma palavra chave em quadros de distúrbios de desenvolvimento. É preciso agir o mais rapidamente possível para evitar que determinados funcionamentos internos acabem se “enraizando” como base psicoemocional, pois quanto mais tempo o cérebro passar funcionando num certo padrão, mais difícil será modificar essa base depois.

Em casos mais leves, onde não haja comprometimento motor ou da fala, a recomendação de tratamento é geralmente de acompanhamento terapêutico na linha Cognitivo-Comportamental, com foco em Treinamento de Habilidades Sociais e controle do comportamento ritualístico. É comum, no entanto, que haja a necessidade de associar uso de medicamento, que não trata o transtorno em si, mesmo porque não há “cura”, sendo uma condição estrutural do cérebro, mas pode ser fundamental para conseguir alívio da ansiedade, depressão ou dos comportamentos ritualísticos excessivos que estejam interferindo significativamente nos aspectos funcionais da vida do indivíduo, problemas muito comuns em quem tem a síndrome. Nesses casos, o acompanhamento com um neurologista ou psiquiatra se faz necessário.

Infelizmente, esse ainda é um transtorno pouco conhecido e, em casos mais leves, quando não acabam passando despercebidos, frequentemente recebem um diagnóstico incorreto, como TDAH ou TOC, por exemplo, que são, na verdade, comorbidades (transtornos que ocorrem conjuntamente) comuns à síndrome, mas não a causa dos problemas.

Nos Estados Unidos, a média de idade com que crianças com Síndrome de Asperger são diagnosticadas é de 4 a 5 anos, e no Brasil a média de idade é de 8 anos e, geralmente, após muitas consultas médicas sem êxito ou tratamentos que não deram certo.

Os pais de crianças com transtornos que estejam na extremidade mais leve do espectro do autismo quase sempre enfrentam um calvário em busca de profissionais que lhes deem respostas adequadas às dificuldades percebidas nos filhos, mas, na maioria das vezes, recebem diagnósticos equivocados ou nem recebem qualquer diagnóstico, além de raramente conseguirem apoio das escolas, que pouquíssimas vezes reconhecem ou compreendem as dificuldades da criança.

No caso da Síndrome de Asperger, onde é comum que haja associação com QI acima da média, o distúrbio fica ainda mais mascarado, uma vez que a escola tende a avaliar as dificuldades dos alunos com base em seu rendimento acadêmico, em primeiro lugar, e é justamente esse o ponto em que crianças com um QI mais alto nem sempre têm problemas. O segundo ponto de avaliação escolar é a questão do comportamento. Como crianças com Asperger geralmente têm receio de chamarem a atenção para si e tendem a seguir as regras (gostam de regras), elas quase nunca se destacam por problemas de comportamento que perturbem o andamento das atividades escolares.  O maior problema será, portanto, mais perceptível no âmbito social, mas se a escola não tiver um olhar atento para isso, estas crianças acabarão não recebendo a ajuda e adaptações de que precisam, além de ser muito fácil que se tornem vítimas de bullying e sofram em silêncio.

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Há diversos relatos na literatura sobre Asperger e autismo de famílias que optam por homeschooling, que é o ensino domiciliar. No Brasil, embora o Ministério da Educação ainda não tenha aprovado oficialmente essa modalidade de ensino, já foram pedidos os cancelamentos de processos judiciais que haviam sido direcionados a diversos pais cujos filhos não estavam matriculados na rede regular de ensino e que, justamente, ensinavam seus filhos em casa. O processo de aprovação está em trâmite no senado e pode vir a ser uma prática legalmente reconhecida no Brasil, mas essa ainda não é a realidade nacional e também não é possível ter ideia de quando tal aprovação irá, enfim, ocorrer.

Muitas famílias esperam que a lei possa acomodar as necessidades especiais daquelas pessoas no espectro do autismo que não conseguiram se adaptar ao sistema convencional de ensino e que não desejam mais tentar, pois, para essas crianças e famílias, a OBRIGATORIEDADE (em vez de apenas o direito) de frequentar uma escola coletiva tradicional não apenas não foi capaz de oferecer benefício educacional, como configurou-se em tortura como parte integral do processo. Se a tortura fere os direitos humanos mais fundamentais de qualquer cidadão, reveste-se de crueldade ainda maior quando tem como vítimas cidadãos já fragilizados em sua condição de base, cujas queixas de sofrimento encontram apenas o ouvido surdo do Estado e o braço de ferro que os obriga a permanecer submetidos à sua fonte de agressão. Ora, por que a constituição que protege os direitos humanos não atua aqui? A lei não pode deixar de garantir o direito de acesso e assistência aos que optam por fazer parte do sistema educacional vigente, porém também não pode permitir que um direito seja transformado em coação. Atualmente, crianças autistas têm exigência de permanência escolar pelo mesmo número de dias e horas de crianças sem autismo, desconsiderando totalmente suas necessidades especiais.

No exterior , o homeschooling já é bastante comum, especialmente dentre famílias que tenham filhos com autismo, e a decisão quase sempre ocorre para sanar problemas de acomodação social e bullying. Há um vídeo excelente sobre isso aqui.

“Difundido principalmente nos Estados Unidos e Portugal, mas também em outros países, o homeschooling – ou educação domiciliar – está ganhando força no Brasil. Uma pesquisa realizada em 2016 pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), nos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, revelou que o país possui 3.201 famílias que adotaram esse modelo de educação, um número que vem crescendo nos últimos anos.” (Caroline Prado, Jornal Gazeta do Povo – Artigo de 08/05/2016)

Se achou esse texto útil, compartilhe, pois muitas famílias podem se beneficiar dessas informações.


5 comentários sobre “Diagnóstico, tratamento e mais além na síndrome de Asperger

  1. Marcos, fiz uma alteração nesse texto e incluí um mapa de culturas pelo mundo que pode ser muito interessante para observarmos o comportamento Aspie inserido na nossa cultura. Assim, levantamos a questão da “perspectiva” quanto ao que seja, de fato, normalidade. Espero que goste! Abraço!

  2. Que texto maravilhoso! Qtas informações importantes !
    Eu tenho encontrado varia se dessas dificuldades em obter diagnóstico
    Tudo é “exagero da mãe”, “uma fase que vai passar”, ” falta de pulso forte” etc..
    Espero passar no começo do ano com Dra Raquel e ter um posicionamento mais certeiro qto a td que acontece com minha filha!
    Parabéns! Este texto é muito completo! Obrigada!

    • Quando se encontra o profissional adequado, que realmente entende do quadro, a situação é bem diferente: você quase não precisa explicar nada, pois parece que o médico já sabe tudo o que acontece, o médico não duvida do que você diz, não julga e compreende com facilidade. Sei que a Dra. Raquel tem uma agenda apertadíssima, então sugiro ligar com muita antecedência. Ela é excelente. Boa sorte em seus caminhos! Seja sempre bem-vinda aqui no blog!

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