Ensino Fundamental / Médio
Por Audrey Bueno [Psicóloga, pesquisadora independente da síndrome de Asperger (atualmente referida de forma genérica como TEA Nível 1)].

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Uma breve introdução
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) de nível 1 de suporte não apresentam prejuízo da fala ou do intelecto, conforme descreve a literatura médica. Assim, geralmente conseguem se beneficiar de um estilo de aprendizagem muito próximo do convencional em termos de uso de materiais escolares em formato de textos e perguntas/exercícios. A desenvoltura nesse sentido dependerá, no entanto, de diversas características que precisam estar presentes nesse tipo de material para compensar dificuldades comuns do TEA. Como boa parte do material pedagógico utilizado em escolas para alunos em geral não possui tais características, serão necessárias adaptações para torná-lo realmente acessível e funcional ao aluno TEA de nível 1.
Como veremos adiante, diversas das estratégias sugeridas podem, inclusive, aumentar a produtividade e interesse dos demais alunos na turma, pois as adaptações são, frequentemente, também melhorias que tornam os materiais mais agradáveis, acessíveis e interessantes para todos.
As dicas de adaptação de material pedagógico oferecidas no presente artigo têm como base primeira o Ensino Fundamental, por ser o período escolar mais desafiador para alunos TEA, pois, quanto mais jovens, mais precárias serão suas funções executivas (a serem abordadas adiante nesse texto), menos recursos terão desenvolvido para lidar com as dificuldades e menor será sua desenvoltura acadêmica geral, implicando em necessidade elevada de adaptação de material didático.
No entanto, embora no Ensino Médio o aluno possa já ter desenvolvido maior autonomia e habilidades de uso de materiais convencionais, diversas das dicas aqui sugeridas ainda poderão ser úteis, a depender da necessidade individual que deverá ser identificada caso a caso.
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Este artigo está dividido em duas partes:
Na Parte 1, estão as principais dicas do que alterar em materiais pedagógicos escritos, de modo a atender alunos autistas de nível 1 que estejam no Ensino Fundamental ou Médio.
Na Parte 2, segue-se um aprofundamento da análise do processo escolar do aluno TEA nível 1 em relação ao sistema de ensino tradicional vigente no Brasil, sendo tal compreensão necessária para ampliar as chances de sucesso escolar desse grupo específico de estudantes, inclusive quanto ao uso do material adaptado, que é um dos pilares fundamentais da inclusão, embora não o único, como veremos a seguir.
PARTE 1
QUAIS SÃO OS PROBLEMAS ENCONTRADOS NOS MATERIAIS DIDÁTICOS COMUMENTE UTILIZADOS NAS ESCOLAS?
Os problemas a seguir podem impactar negativamente qualquer aluno, mas para o aluno TEA haverá uma potencialização das dificuldades tal que poderá paralisá-lo diante das atividades escolares, uma vez que não conte com os recursos internos compensatórios de seus pares sem autismo, tais como estratégias adequadas de resolução de problemas, capacidade de flexibilização do raciocínio e percepção, interpretação fluida de abstrações e temas sociais, estilo de comunicação em consonância com o grupo e funções executivas do cérebro atuando conforme o esperado.
As principais dificuldades que costumam estar presentes nos materiais convencionais utilizados nas escolas são:
1. Linguagem pouco clara e objetiva – demora até chegar ao ponto principal, redundância, muitas palavras ou informações desnecessárias, falta de clareza no que se explica ou se pede, “falar difícil”, “encher linguiça”, excesso de detalhes/dados/nomenclaturas, uso de coloquialismos¹. Quanto menos concreta e direta for a conversa, mais o cérebro autista se confunde e se dispersa.

2. Muitas palavras novas e difíceis apresentadas ao mesmo tempo – várias num mesmo texto ou parágrafo emperram a leitura e o aluno desiste. Ele dificilmente terá a resiliência necessária para procurar mais de 1 ou 2 palavras no dicionário e, caso o faça, a linguagem do dicionário ou a explicação prolongada do professor poderão apenas aumentar a dúvida, o cansaço e a dispersão do tema principal. Além disso, alunos no TEA geralmente não perguntam o significado das palavras desconhecidas ao professor, ou talvez perguntem sobre uma ou outra palavra das várias que não conhece, apenas até que o foco e o ânimo se percam. Se o próprio assunto do texto for novidade para o aluno, o problema tende a ser ainda maior.

3. Excesso de conteúdo ou atividades muito longas/com muitos itens – geram cansaço, perda da atenção, ansiedade, resistência e desmotivação.

4. Didática ruim (do professor ou autor do livro/apostila) – textos, explicações e atividades confusas somam-se às dificuldades que o aluno naturalmente já possui, aumentando ainda mais a distância entre o que é oferecido e a necessidade de adaptação. Quanto melhor a didática¹, menor será a necessidade de adaptação.


5. Assuntos que não despertam interesse – se para alunos em geral o rendimento no aprendizado é muito maior quando o assunto é interessante, para a pessoa com TEA o interesse é vital como condição para o aprendizado, pois os prejuízos que possuem nas funções executivas do cérebro e os diversos outros desafios com os quais a pessoa com TEA precisa lidar num dia escolar são quantitativamente maiores em comparação aos pares sem autismo; isso significa que enquanto a pessoa sem autismo consegue – apesar do desconforto – seguir na aula ou atividade, a pessoa autista só alcançará certas funções no cérebro se a área do interesse pressionar o interruptor da motivação que ajudará a puxar o bonde.
Um recurso alternativo para quando o assunto não é motivador, é transformar a atividade em um QUIZ ou Jogo com Pontuação. Mais informações sobre isso estarão disponíveis a diante na leitura.
6. Assuntos complicados para a mente autista: poesias, poemas, contos infantis – a mente autista é concreta, visual, prática e literal. O processamento de informações abstratas, que falem sobre reflexões filosóficas, a complexidade dos sentimentos ou relações sociais e histórias de faz-de-conta são muito menos desenvolvidas na pessoa autista em comparação aos colegas de mesma idade. Forçar o trabalho com tais pontos de dificuldade não fará o aluno se desenvolver nesses aspectos, como muitos acreditam, pois as conexões neuronais necessárias para esse tipo de processamento mental ainda não estão formadas, o que só ocorrerá com o amadurecimento biológico do cérebro, processo que costuma ocorrer com anos de diferença em relação à pessoa sem autismo. Por isso, sem a adaptação desses conteúdos, esse aluno pode simplesmente travar e nada produzir, além de criar resistência cada vez maior da aula que culmine em fobia social ou escolar.
7. Layout confuso – falta de espaçamento, elementos importantes e secundários competindo pela atenção sem direcionar o que deve ser visto primeiro, desorganização, sobrecarga de informação. A folha de atividades se torna cansativa, pouco eficiente e desagradável, aumentando a resistência e o desinteresse em vez de diminuí-los.
A seguir, está um exemplo de layout confuso e como essa atividade foi adaptada. Não seriam até mesmo alunos sem TEA beneficiados com a adaptação?


8. Imagens problemáticas – imagens são um dos carros-chefe no apoio ao TEA, que as processa com muito mais profundidade que um cérebro não autista, utilizando-as, inclusive, para compensar certos déficits. Se escassas, pouco nítidas ou confusas, reduzem bastante o aproveitamento, o interesse e o aprendizado. Às vezes, a imagem gera repulsa. Outras vezes, causa consternação, por exemplo, se a lição pede para que se observe um gráfico, mas os números não são nítidos, ou se a ilustração escolhida é “estranha” e difícil de definir o que seja.

9. Poluição visual na folha – a poluição visual atrapalha inclusive quem não é autista, tanto que existe até lei nas grandes cidades proibindo o excesso de elementos visuais tais como placas, outdoors, anúncios, fios elétricos, etc., por causarem desconforto, stress e cansaço visual às pessoas. O cérebro autista processa estímulos visuais com mais intensidade, sendo especialmente sensível a esse problema. Existe ainda dificuldade de atenção, localização visuoespacial e organização, de modo que o autista dependa ainda mais do apoio do ambiente nessas tarefas; se pensarmos que uma folha de atividades é como um “mapa”, onde vamos sequencialmente localizando o próximo passo, tornar essa visualização menos clara apenas aumenta as dificuldades citadas.
Abaixo está a página de um texto convencional de Ciências usado no 7º ano e à direita a versão adaptada dessa lição:
- A versão sem adaptação produz no aluno cansaço visual, desmotivação e dificuldade em retomar ou localizar trechos, pois faltam espaços, imagens, mais divisões e subtítulos, palavras em destaque, ilustrações, quadros organizadores ou uma fonte (letra) mais confortável, por exemplo.
- Na versão adaptada, informação menos importante foi retirada e outros trechos foram diluídos em outras folhas. Certas partes do texto foram explicadas através de imagens com legendas em cada quadro, formato este que aumenta a compreensão e, consequentemente, o interesse, além de reduzir o cansaço na leitura. Quanto mais explicação visual/ilustrada puder ser utilizada, melhor.

FUNÇÕES EXECUTIVAS – A CENTRAL DE CONTROLES DO CÉREBRO
As funções executivas merecem especial destaque quando pensamos em recursos pedagógicos, pois equivalem à central de controles do cérebro, onde nossas ações cotidianas são processadas, incluindo o aprendizado. Conhecê-las é uma ferramenta muito útil para qualquer educador, e essencial para auxiliar os estudantes que apresentem dificuldades escolares.
No TEA (e em diversos quadros de dificuldade escolar), sabe-se que as funções executivas do cérebro apresentam déficit significativo em relação à média para a idade. Por isso, muitas das estratégias de adaptação escolar e de material didático sugeridas neste artigo baseiam-se nestas funções, cujos déficits procuramos compensar. Elas são:

Por exemplo, se um aluno custa a iniciar uma tarefa, não tem noção de tempo e organização, não anota o que é necessário de maneira adequada, frequentemente se distrai e deixa de concluir o que lhe é pedido, tudo isso pode indicar problemas em suas funções executivas, e não desleixo ou desinteresse, como muitos podem julgar.
Se o problema é iniciar a tarefa, podemos incluir um chamariz motivador inicial para dar o “empurrãozinho” que ele necessita: um jogo, um Quiz, uma tirinha de humor, um desenho relacionado a algum assunto de interesse do aluno.
Se o problema é concluir a tarefa, podemos organizar as atividades de modo a dosar o nível de dificuldade e motivação de uma atividade à outra, para manter o mar “navegável” até o destino almejado. Se a primeira de 4 atividades numa folha de exercícios já começa difícil, causando pânico e insegurança inicial, o barco irá naufragar logo no início da viagem.

Essas estratégias são baseadas no conhecimento das funções executivas: se eu sei qual a dificuldade de processamento daquele cérebro, buscarei alternativas para compensar aquilo que ele não consegue fazer bem. Se estamos com o pé machucado, compensamos com muletas. Se nos perdemos no tempo, compensamos com o uso de alarmes. Se nosso aluno é desatento, compensamos a dificuldade ajudando o cérebro a perceber a informação melhor, com maior uso de cores, negritos, quadros e imagens.
As funções executivas localizam-se na região frontal do cérebro, logo atrás da testa. Essa região cerebral é uma das últimas a se desenvolver no ser humano, atingindo sua plena maturidade após os 20 anos de idade. Por isso, é natural que crianças apresentem diversas das dificuldades citadas. A diferença entre uma criança com ou sem um transtorno não está em “ter ou não ter” certas dificuldades mencionadas, e sim na intensidade e frequência com que elas se dão e no grau de prejuízo que isso gera para a vida cotidiana (ou escolar, no caso).
COMO ADAPTAR MATERIAIS PEDAGÓGICOS CONVENCIONAIS PARA ALUNOS COM TEA NÍVEL 1
As dicas a seguir são para materiais em formato escrito (texto e exercícios). Para conseguir aplicá-las satisfatoriamente, o ideal é que apostilas próprias para o aluno sejam desenvolvidas.
Na impossibilidade disso ser feito, conhecer o que é importante no material pedagógico para esse perfil de estudante pode auxiliar na melhor escolha de livros didáticos ou na seleção de atividades a serem feitas dentro desses livros. Essa opção, procurando inserir adaptações dentro de livros já prontos, pode funcionar apenas parcialmente, mas alguma adaptação é sempre melhor que nenhuma. Mais a esse respeito será abordado posteriormente neste artigo.
Muita gente se pergunta o porquê de precisar adaptar um material pedagógico se o aluno não apresenta déficit intelectual. Por isso, não deixe de ler, na Parte 2, sobre os motivos que tornam necessária a adaptação de materiais para o aluno TEA de nível 1. Você poderá se surpreender com o alcance da importância que um material adaptado pode ter para esse perfil.
Vale destacar que as adaptações sugeridas para alunos TEA são benéficas inclusive para os demais alunos, bem como para os professores que desejem aumentar o interesse e desempenho de toda a turma nas aulas.
Vamos às dicas:
O quadro abaixo pode ser usado como um lembrete para referência rápida (um checklist), ou seja, um roteiro do que observar quando preparamos materiais didáticos escritos para alunos com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) de Nível 1 (sem prejuízo da fala ou intelecto).
As dicas aqui oferecidas são apenas um guia geral, devendo ser ajustadas caso a caso. Todos os tópicos serão melhor explicados a seguir.

Layout
– Usar imagens abundantemente, preferencialmente com função, ou seja, relacionadas ao assunto da lição (e não apenas para ‘enfeitar’, embora enfeitar com personagens favoritos da criança seja uma boa ideia, e o enfeitar aqui ganha uma função, que é motivar e gerar uma impressão positiva no aluno pela lição). Estímulos visuais são processados de maneira muito mais completa no cérebro autista e, muitas vezes, complementam os circuitos de processamento de informação que apenas a orientação verbal ou o texto corrido não alcançam. Além disso, imagens trazem mais leveza, ampliam o dinamismo e o interesse na lição, tornando-a menos monótona e cansativa.
– O melhor formato de leitura é a folha com trechos escritos em blocos, acompanhados de imagens. Folhas somente com texto corrido não costumam estimular a criança autista a ler, principalmente se ela tiver traços de TDAH, que potencializam a dificuldade de atenção e concentração.

– Evitar aglomerações e poluição visual: letra difícil de ler, muita informação por folha, muitos itens de atividade de uma vez, uma atividade muito junto da outra sem divisão clara (espaçamentos, quadros e linhas), folhas inteiras com texto sem imagens, bordas grossas, cores gritantes, muitas setas/sublinhados/negritos ou impressões frente e verso cujo verso transpareça um pouco na parte da frente.
Em vez disso, prefira:
- visual limpo
- bom espaçamento entre as atividades ou itens
- título e informações mais relevantes em destaque, para fácil identificação
- divisão clara de uma atividade para outra
- fonte (letra) fácil de ler, preferencialmente de fôrma (também chamada de letra bastão ou de imprensa) e não cursiva, em tamanho confortável (no mínimo: 12; ideal: 13 ou 14)
- textos ou atividades curtas, com poucos itens em cada uma para resolver (havendo necessidade de mais prática, dilua em mais dias e novas atividades)
- oferecer espaço para a realização de cálculos ou desenhos na própria folha, dispensando o uso de cadernos¹
- oferecer espaço amplo e confortável para a escrita das respostas logo abaixo de cada pergunta
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¹ O uso de caderno não costuma funcionar bem para o aluno TEA, que tem dificuldade de organização espacial e precisa que a própria folha de atividades compense isso. Pedir para copiar ou resolver exercícios num caderno apenas criará dificuldade e stress adicionais, pois o aluno não conseguirá copiar bem, ficará cansado demais para realizar a atividade depois de copiar (no TEA, toda energia economizada é importante), tenderá a escrever tudo “encavalado” (e se estressará se o professor ficar tentando corrigir como ele deve escrever na folha), dificultando ou até mesmo minando a execução da atividade.
Sugestão de fontes

Dica extra: trabalhe com seu documento de Word em zoom 120%, que equivale ao tamanho mais aproximado da folha sulfite real. Assim, você terá melhor visualização do tamanho das coisas na folha (fontes, imagens, etc.) e mais certeza de como sairão na impressão.

Exemplo de adaptação:

Estilo, quantidade e sequência das atividades
O estilo, quantidade e sequência das atividades são recursos importantes para estimular o aluno a concluir todas as atividades da folha, em vez de parar logo na primeira ou segunda e deixar o restante sem fazer, problema comum com alunos no TEA.
ESTILO
– Variar o formato de atividade: ligar, circular, completar, escrever, marcar “X”, colar, recortar, caça-palavras.
Essa estratégia ajuda a manter a atenção e o interesse, reduzindo a chance de tédio/desligar da atenção.
QUANTIDADE
– Dividir atividades longas em dias diferentes:
- Evitar “15 itens” numa única atividade, enxugando quantidades – mantenha as atividades sempre curtas e rápidas de concluir.
- Se necessária a prática em maior quantidade, fracioná-la em datas diferentes e não sequenciais (para que o aluno não tenha a impressão de estar fazendo uma mesma atividade muitos dias seguidos): por exemplo, fracione os 10 itens de uma lição sendo 5 itens hoje, uma atividade diferente amanhã e os outros 5 itens depois de amanhã.
SEQUÊNCIA
– Intercalar:
- Atividade “chata” com atividade “legal” (de maior interesse da criança).
- Atividade difícil com atividade fácil (ver Dica 1 abaixo).
- Atividades ou respostas de escrita manual (dissertativas) com atividades que deixam a mão descansar (ligar coisas, marcar “X”, caça-palavras, etc.).

DICA 2 – Lembrar que crianças no TEA têm especial receptividade por vídeos e recursos tecnológicos/eletrônicos – pode ser uma boa ideia mostrar uma animação, vídeo ou usar atividade interativa para ensinar certos tópicos, mas é preciso atenção na escolha desse tipo de recurso. Opte por:
- vídeos com CONFORTO SONORO (voz e música agradáveis)
- layout limpo
- boa oferta de imagens
- bom equilíbrio entre o tempo de fala do apresentador e as imagens apresentadas (vídeos com fala excessiva ou explicação muito longa irão incomodar e gerar o efeito oposto, que é a recusa)
- vídeos curtos, de 1 a 2 minutos por vez (ou trabalhe apenas com trechos do vídeo)
Conteúdo: enunciados, explicações, temas, interpretação de texto
As lições devem ser curtas, práticas e rápidas de concluir. Assuntos mais interessantes podem se estender um pouco mais e assuntos cansativos devem ter a lição encurtada ao máximo.
Enunciado
– Usar enunciado curto, objetivo e com vocabulário simples.

– Dar no máximo 2 comandos/instruções por vez. Criar novas atividades para mais comandos.


– Assim como os enunciados, explicações de lições e novos conceitos devem ser curtas, objetivas e com vocabulário simples. Evite “falar difícil”, usando termos rebuscados e técnicos, principalmente se o assunto for novidade, seja por escrito ou verbalmente.
Limpar o excesso de detalhes na informação é importante. Se existem 10 tipos de conjugação, apresentar as 3 principais, que forem mais úteis para o dia a dia.

Ainda sobre a energia no TEA: hiperfocos*, por outro lado, ativam zonas de energia acima da média em relação à pessoa sem autismo porque o cérebro se mobiliza por inteiro para a tarefa. Assim, o melhor caminho do sucesso para a pessoa autista é explorar aquilo em que ela mais demonstra interesse.
[* hiperfoco: hiper concentração, atenção excessiva a algo, desligando-se do entorno e até mesmo das próprias sensações corporais, como fome, sede, frio, etc.]
Nas explicações:
- Usar apoio visual: ilustrações que ajudem a mostrar o que está sendo dito, esqueminhas rabiscados no papel, objetos que auxiliem na compreensão, apontar na folha com o lápis onde estão as informações faladas, etc.
- Simplificar o vocabulário e encurtar explicações teóricas para caberem em 1 ou 2 frases, entrando o mais rapidamente possível num exemplo.

Temas de interesse pessoal: aliados da motivação
Escolher temas de interesse da criança para puxar a conversa e usar nas explicações ou para inserir nas atividades amplia a motivação, atenção e assimilação. Comunicar à criança a relevância do que ela irá aprender para o dia a dia também ajuda a motivar. Pergunte-se sempre: por que esta pessoa desejaria aprender o que quero ensinar? Perspectiva é a chave. Isso vale muito inclusive para quem não tem autismo, mas vale o dobro para quem tem.
- Por exemplo, imagine que o aluno goste de mercados, preços, produtos.

- Outro exemplo, imagine que o aluno gosta de dinossauros.
Em vez de oferecer um texto sobre “pomada para diabéticos” (que dificilmente despertará o interesse de qualquer criança em ler), ofereça um texto sobre dinossauros, fósseis, pegadas, a história de um dinossauro, descobertas científicas sobre os grandalhões, etc.




Temas das lições
– Atenção ao assunto das lições: prefira temas concretos, informativos e realistas. Por exemplo: livros sobre curiosidades do mundo, monumentos, civilizações, história, natureza (animais, flores, insetos, etc.), equipamentos e invenções, textos sobre tipos de coisas (tipos de parafusos, balões, trens, relógios, dinossauros… o aluno TEA geralmente gosta de separar coisas em categorias), sistema solar, etc.
– Evite: temas com excesso de abstração ou foco em emoções e dinâmicas sociais. Poemas e livros ou contos infantis são repletos desse tipo de característica. São problemáticos para o perfil TEA porque a dinâmica social e o alto teor de abstração presente nas gírias, intenções implícitas dos personagens, linguagem figurada, conflitos socioafetivos, emoções, etc., são bastante difíceis de serem entendidos, não sendo a hora da atividade pedagógica o melhor momento para se trabalhar isso.
– Se quiser trabalhar um poema – o que é sugerido apenas muito esporadicamente com alunos TEA – escolha um curto e objetivo, que narre coisas realistas, como alguns da autora Ruth Rocha, de quem cito dois como exemplo: “Pessoas São Diferentes” e “Lá Vem as Férias”. Poemas com excesso de abstração, emoções, que brincam com o significado ou a melodia das palavras, não apenas não funcionam bem com o aluno TEA, como podem gerar reações bastante negativas. Cito um exemplo real de poema que gerou stress num aluno autista certa vez: “O Menino que Carregava Água na Peneira” (de Manoel de Barros). Só pelo título, já fica claro o motivo: a impossibilidade de um cérebro concreto e racional em lidar com a falta de lógica da situação contida na frase.
– Os melhores estilos de textos para se trabalhar com o aluno TEA nível 1 são notícias (interessantes, que façam sentido para a realidade dele, e não sobre “as novas regras do INSS”, por exemplo), relatos de viagens, artigos que falem sobre curiosidades, flores, animais e temas ligados aos assuntos de interesse especial da criança.
– Cuidado para não trabalhar temas aversivos. Por exemplo, o aluno tem seletividade alimentar acentuada e o texto fala sobre comidas, dentre as quais certamente haverá alguma aversão. O aluno tem medo de lagartixas e o texto fala sobre animais que passeiam à noite em nossas casas (sendo a lagartixa um deles, com direito a uma foto bem grande do bichinho). Diferentemente do aluno sem autismo, que faz cara feia, mas segue na atividade, certas reações emocionais são exageradas na pessoa autista, que pode criar até mesmo pânico da matéria em que tópicos aversivos forem recorrentes.

Textos – leitura e interpretação
– Textos para a prática de leitura e interpretação não devem conter muitos termos ou palavras novas de uma vez. No TEA, tudo é gradual, fracionado, em DOSES HOMEOPÁTICAS, lembre-se sempre. Uma folha ou parágrafo cheio de palavras desconhecidas poderá minar a disposição do aluno em seguir adiante na leitura, desistindo de todo o texto (lembre-se que a energia é reduzida no aluno TEA). Se isso acontecer com frequência, o aluno poderá começar a evitar a matéria por completo.
Opte por:
- Ensinar somente duas ou três novas palavras por texto. Se o assunto for de muito interesse para o aluno, é possível aumentar um pouquinho a quantidade.
- Colocar sempre um quadrinho de glossário bastante simples no rodapé da própria folha onde a palavra nova aparece, para que seja fácil e rápida a consulta ao significado. Uma boa ideia, nesse caso, é destacar a palavra no texto (em cor diferente ou negrito), para que o aluno saiba que palavras destacadas sempre estarão no glossário.
- No glossário, use a forma mais simples possível para explicar palavras novas, sem usar outras palavras novas para explicar a anterior, pois isso apenas criaria uma camada extra de dificuldade. Por exemplo, ao explicar o significado de “desvencilhar”:
- Não use: “desvencilhar significa soltar-se do vencilho, desprender-se”.
- Prefira palavras simples, objetivas e já conhecidas do aluno: “desvencilhar significa escapar”.
– Perguntas de interpretação de texto:
- Prefira sempre questões objetivas e concretas (sobre fatos, nomes, objetos, etc.) do que abstratas (sobre conceitos, sentimentos, ideias implícitas ou filosóficas).
- Evite figuras de linguagem, expressões, palavras figuradas ou com duplo sentido. Se for falar de sentimentos ou intenções, manter a análise bastante simples.
- Procure manter nas perguntas as mesmas palavras usadas no texto. Isso ajuda a tornar a atividade mais fluída e também a fixar a informação. Por exemplo:


O quadro acima se referiu a atividades do 6º ano do Ensino Fundamental.
Tipo de imagem
- Inserir imagens úteis, ou seja, que ajudem a ilustrar os tópicos da atividade ou leitura, ou que tenham relação com algum interesse do aluno, e não apenas para enfeitar.
- Inserir imagens relacionadas a assuntos de interesse agrega motivação extra.
- Oferecer sempre imagens de qualidade: que não estejam apagadas, borradas, escuras, com resolução baixa.
- Evitar ilustrações confusas (ex: imagens estilizadas ou aglomeradas), com situações impossíveis (ex: uma galinha com 3 cabeças, uma vaca na Lua) ou em ângulos estranhos.
Estímulo da criatividade e escrita
Há bastante resistência da criança no TEA em escrever, pois ela geralmente tem mais dificuldade com destreza manual e maior sensibilidade à dor. Por isso:
- Não espere nem exija textos longos. Numa redação, exigir um número específico de linhas a escrever só fará com que o aluno fuja da atividade. A insistência poderá, inclusive, criar resistência permanente no futuro. Deixar livre, sem pressão. Peça que escreva algo (se notar que a imposição do tema gera recusa, proponha temas livres), sem determinar quantidade. Se apenas 3 linhas forem escritas, valorize, pois o esforço do aluno terá sido proporcional ao do colega sem TEA que escreveu 10 linhas.
- Para a criança mais velha ou adolescente, permitir entrega de textos digitados é recomendado. Ainda assim, não se deve exigir quantidade. Deve-se valorizar qualquer esforço como suficiente e mostrar alegria em receber o trabalho do aluno, para que ele se sinta motivado em trazer outros posteriormente.
- O estímulo da criatividade para a escrita funciona melhor se a inspiração tiver algum “pé na realidade”. Por exemplo, com propostas do tipo: “Se você pudesse criar qualquer tipo de tecnologia que quisesse, o que você criaria?” – ou algo relacionado ao interesse especial do aluno autista. Trabalhar com ideias totalmente fictícias e fantásticas, como Alice no País das Maravilhas, não costuma funcionar muito bem.
- Dividir a folha ao meio, com um espaço para desenhar e outro para escrever (veja imagem abaixo), podem ser bons estímulos à criatividade e à escrita, inclusive pela impressão visual de uma quantidade menor (e, portanto, menos intimidante) de linhas para escrever.

Atividades de prática escrita podem ser propostas com instruções ou ideias tais como:
- Desenhe o que você quiser e conte uma história sobre o seu desenho.
- Imagine que você foi para um lugar/viu um animal e conseguiu tirar fotos muito interessantes. Desenhe essas fotos e escreva uma legenda para cada uma (nesse caso, o ideal seria apenas que houvesse um espaço em branco grande, sem linhas).
- Faça uma lista… de lugares que você gostaria de visitar/de pedras que você conhece/ de animais que vivem na floresta /etc.
Lembre-se: use o interesse especial do aluno sempre que possível. Em vez de pedir para desenhar, outra opção seria haver um desenho relacionado a algum assunto de interesse do aluno, com propostas leves, abertas e livres de escrita, como “escreva alguma coisa que você saiba sobre essa imagem”.
Abolir:
- Pedido de cópias: seja de livros ou da lousa.
- Pinturas grandes com lápis de cor (à tinta pode haver melhor aceitação).
- Lição de casa.²
¹ A sensibilidade à dor na pessoa autista é muito mais acentuada que na pessoa sem autismo. O desconforto físico no TEA tem potencial para gerar reações emocionais/comportamentais excessivas e formação de fobia. Jamais duvide da reclamação de dor e desconforto físico do seu aluno TEA. O que parece “nada” ou “corpo mole” para você, pode ser insuportável para ele.
² A pessoa autista tem dificuldade para lidar com lição de casa. É raro que não seja esse o caso. Num processo inclusivo que, de fato, compreenda e respeite o autista, a lição de casa deveria ser abolida. A criança autista chega exausta da escola num nível muito acima da média em comparação a alguém sem autismo e precisa de muito mais tempo para se autorregular e recuperar-se. Além disso, há rigidez cognitiva, ou seja, é difícil para ela entender por que precisa fazer uma lição de escola em casa depois de já ter feito na escola, que é o “lugar oficial de estudos e lições”. Forçá-la apenas condenará o dia seguinte escolar e contribuirá para que ela crie raiva da escola, o que eventualmente leva a um aumento de problemas diversos, podendo culminar na desistência dos estudos. Por isso, o ideal é dispensá-la da lição de casa, ou então dar apenas algo muito sucinto e apenas uma vez na semana, sem prazo para entrega.

Observação extra: materiais de apoio (recortes, cola, lápis, etc.)
É importante haver preparo prévio dos materiais de apoio a serem usados nas atividades, para já começá-las com tudo “engatilhado” em vez de ficar preparando algo enquanto o aluno espera. Sem esse cuidado antecipado, aumentam as chances do aluno desistir antes de começar a tarefa, ou de engajar em comportamento ansioso e disruptivo enquanto espera sem nada para fazer.
- Atividades de recorte/colagem, muito comuns nos anos escolares iniciais (Ensino Fundamental 1): em vez de pedir que o aluno recorte ou que aguarde enquanto o professor/pessoa de apoio recorta, o ideal é já fazer isso antes de apresentar a atividade ao aluno, trazendo os recortes já presos num clip na própria folha da atividade. Atividades como recorte, que requerem destreza manual, costumam ser evitadas pelo aluno TEA, então ele pode se recusar a fazer a atividade apenas porque precisará fazer recortes antes.
- Verifique: se a cola não está entupida, se os lápis estão apontados, se há borracha e folhas extras, se as canetinhas têm tinta, se os materiais necessários para a atividade em questão já estão à mão (tesoura, barbante, etc.).
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A atitude do educador/pessoa de apoio é como a roda do carro
A atitude do educador/pessoa de apoio no uso do material faz toda a diferença.
Às vezes, o sucesso no uso do material didático poderá ser impedido pela maneira incorreta de agir com esse aluno. O material adequado viabiliza o aprendizado, mas a atitude viabiliza o uso do material.
A atitude do educador/pessoa de apoio é como a roda do carro: não adianta ter o carro (o material), se não há rodas para fazê-lo sair do lugar.
Por isso, as dicas nesse sentido são as seguintes:
- Se o aluno mostrou resistência inicial a uma atividade, não insista, pule-a.
- Quando há recusa de uma atividade: espere alguns dias para tentar oferecê-la novamente, sem insistir e retirando a atividade do planejamento em definitivo se houver uma segunda recusa.
- Tenha um caderno de registro do que funciona/tem maior aceitação – ou não – para aquele aluno, para não repetir nos próximos materiais/aulas o que não funcionou. Lembre-se: o autismo requer planejamentos individuais, pois a condição manifesta-se de forma diferente para cada pessoa.
- Alunos no TEA são sensíveis à pressão para que façam algo, precisam saber que têm escolha e ouvir que “tudo bem” se optarem por não fazer. Quanto maior a pressão, maior a resistência em fazer as atividades. É melhor fazer menos, mas fazer algumas tarefas, do que não fazer nenhuma, que é o que provavelmente irá acontecer se houver pressão. Além disso, se pressionarmos, não apenas continuaremos sem conseguir que o aluno faça o que queremos, como ainda criaremos um problema adicional, que é a alteração emocional e comportamental.
A psicologia do aluno autista é diferente da do aluno sem autismo
Este aluno não funciona sob pressão e não costuma agir de forma intencional para “burlar o sistema e o dever”. Sua recusa deriva de outros fatores, como sensibilidades sensoriais e sociais (que geralmente causam exaustão e reduzem a disposição geral e resistência do aluno).
A psicologia reversa é a que melhor funciona com o aluno TEA, ou seja, se você quer muito que ele faça algo, aja sempre como se não tivesse problema caso ele não queira fazer em vez de ficar listando as consequências se não fizer. Quanto mais o aluno sentir a expectativa alheia sobre si para que faça algo, mais ele irá fugir. Por isso, frases ideais seriam:
- A atividade de hoje é essa (mostre-a). Vou deixar aqui, para quando você quiser fazer, ok?
- Aluno: – “Não quero fazer!” / Professor: – “Seria muito legal se você fizesse essa atividade, mas se não quiser fazer, tudo bem, ok?”
Sentir-se livre aumenta muito mais as chances do aluno autista acatar ao proposto. Nem sempre acatam na hora ou no dia, às vezes concordam em fazer mais tarde ou no dia seguinte.
Com aluno ansiosos, inseguros ou mais sensíveis, o professor precisa ter cuidado na forma de falar. Atenção ao uso excessivo de verbos no imperativo. Estas frases, aparentemente tranquilas, podem soar como “ordem” e “pressão”:
- Agora vamos fazer essa atividade.
- Quero que você faça essa atividade.
- Leia esse texto e responda essas perguntas.
O melhor seria sempre “convidar”, perguntar se o aluno pode fazer, e não ordenar. Assim:
- Vamos fazer essa atividade?
- O que você acha de fazermos essa atividade?
- Você pode ler esse texto e responder essas perguntas?
Alunos TEA que se sentem livres para fazer as atividades escolares costumam apresentar um padrão oscilante entre dias de pouca produção e dias onde produzem bastante, muitas vezes inclusive compensando atividades anteriores não feitas. Esse costuma ser o padrão de funcionamento da pessoa autista, acompanhando a natureza cíclica do TEA.
Além disso, a abordagem “livre” pode não funcionar logo de cara, principalmente se o aluno já tiver criado resistência escolar. Será preciso paciência e consistência na nova abordagem. A consistência é um aspecto fundamental no trabalho com alunos autistas e significa que a atitude e fala devem ser as mesmas todos os dias, e não dia sim dia não, ou então com uma pessoa apenas tendo esse cuidado e utilizado essa estratégia, enquanto outra pessoa que também se relaciona com o aluno fizer diferente.
Considerações finais da Parte 1:
Num material adaptado, é possível simplificar/substituir/reduzir vocabulários, enunciados, temas ou conteúdos complicadores que “emperram” desnecessariamente as atividades e acabam acrescentando dificuldades ou reações emocionais indesejáveis que poderiam ter sido evitadas, ajudando tanto o aluno quanto o professor.
Este tipo de material funciona, por fim, como um porto seguro na rotina, além de auxiliar na redução da ansiedade, por ser uma opção sempre disponível com a qual a criança poderá contar quando o mar de inseguranças que a sala de aula representa estiver agitado. Ela sabe que, em aula, sempre haverá algum tipo de atividade acessível, ou seja, que ela consiga realizar e que não represente sofrimento.
Para o professor, isso também é muito útil, pois sempre haverá uma opção de atividade disponível para trabalhar com este aluno quando o planejamento geral da aula não for viável para ele.
Para aprofundar a compreensão acerca do processo escolar do aluno TEA de nível 1 e capacitar-se a ofertar melhor auxílio a esse público, recomendo fortemente a leitura da Parte 2 desse artigo, afinal, não basta ter um carro. Para que se possa chegar a algum lugar, outras coisas imprescindíveis serão necessárias: boas rodas, pneus, estradas, sinalização…
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PARTE 2
1. QUEM PRECISA DE MAIS AJUDA: QUEM NÃO TEM UM PÉ OU QUEM NÃO TEM UMA PERNA?
Se avaliar a necessidade de ajuda para uma deficiência física, ou seja, que vemos “só de olhar”, pode não ser assim tão simples, o que dizer das deficiências escondidas, ou seja, que não afetam regiões do corpo visíveis e dão à pessoa a aparência externa de perfeita normalidade? A ausência de uma perna é claramente identificável, mas um problema no rim, fígado ou cérebro, não.
O julgamento social acerca das deficiências é, na maioria das vezes, exatamente assim: “se é VISÍVEL fisicamente, reconheço a necessidade de ajuda; se não é visível, não reconheço.”
Quando se fala em “autismo leve”, é frequente a crença de que a palavra “leve” signifique “praticamente sem necessidade de suporte”. Essa análise é compreensível uma vez que, no autismo de nível 1, a linguagem e o intelecto estão preservados, o que mascara as dificuldades do quadro, diferentemente dos níveis mais severos de autismo, em que a deficiência se torna mais observável.
Observações superficiais não mostrarão o tamanho da necessidade de apoio que a pessoa TEA de nível 1 possui, seja pelo aspecto exterior de boa funcionalidade ou momentos de brilhantismo que impressionam os adultos, seja pela própria dinâmica coletiva escolar – que limita o tempo dedicado a observar cada aluno individualmente, ou ainda pela natureza da formação profissional do pedagogo, que não o capacita ao mesmo olhar diagnóstico que um profissional de saúde mental irá ter.
Assim, uma dica importante a todo educador é: ouça a família. Aquele pai ou mãe que parecerem excessivamente preocupados e superprotetores estarão certos, na maior parte das vezes, nas recomendações feitas à escola, e suas preocupações serão absolutamente justificadas. É o que nos alerta Paula Jacobsen, terapeuta experiente na Califórnia que trabalha com pacientes crianças e adolescentes com a síndrome de Asperger (referida como TEA de nível 1 no Brasil desde 2022) e oferece consultoria às escolas, em seu livro Asperger Syndrome & Psychotherapy (Síndrome de Asperger & Psicoterapia, ainda sem tradução para o português).
Os pais enxergam a depressão do filho, a ansiedade fora de controle, a dificuldade em sair de casa para ir à escola, as angústias e descompensações trazidas da escola no retorno ao lar, o agravamento de transtornos psiquiátricos que comumente ocorrem no TEA nível 1 e o quanto a falta de amparo escolar tem o potencial de arruinar a vida dessa criança ou adolescente, seja devido a bullying, abandono, dificuldade em cumprir com a exigência escolar ao mesmo tempo em que é pressionado a ter 75% de presença, ou desespero existencial que pode inclusive aumentar o risco de suicídio.
Se não houvesse necessidade de apoio substancial, mas apenas um “apoio leve”, crianças não receberiam diagnósticos. No entanto, elas recebem, pois o objetivo maior de um diagnóstico não é rotular, e sim orientar e garantir – com o amparo da lei – o apoio necessário para que aquele ser humano em formação tenha assegurado o mesmo direito a se desenvolver que possui qualquer criança. Esse direito não é vantagem, é necessidade.
Vale observar uma importante diferença entre dois conceitos facilmente confundidos: IGUALDADE e EQUIDADE. Igualdade é tratar a todos da mesma forma, garantindo o mesmo tratamento sem qualquer distinção entre os membros de um grupo, enquanto a equidade é tratar cada um de maneira diferente para garantir oportunidades iguais. A igualdade (tratar a todos igualmente) pode parecer sempre justa, mas pode ser profundamente injusta. Imagine um estudante que seja cadeirante: ele requer um tratamento diferente (ser carregado escada acima, se não houver um elevador à disposição) para que possa ter o mesmo direito de seus pares, que é frequentar a sala de aula. Ser carregado enquanto os outros se esforçam para subir as escadas não é uma vantagem, e sim uma necessidade.
A necessidade da pessoa autista não costuma ser óbvia como é o caso de uma deficiência física, pois os desafios no TEA são neurológicos, ou seja, estão escondidos dentro do cérebro. Por isso, é frequente que essa pessoa acabe sendo deixada “ao pé da escada”, sem ninguém para ajudar, e ainda sendo cobrada para que suba logo a escadaria, como os demais.
Compreender exige perspectiva
Num exercício de perspectiva, se olharmos uma maçã e uma banana, diremos que a maçã é a fruta pequena e a banana é a fruta grande. Porém, se a maçã e a banana estiverem num cesto de uvas, a maçã também será uma fruta grande. Do mesmo modo, se considerarmos a pessoa TEA de nível 1 e a de nível 3, nossa impressão será a de que o apoio que o autista de nível 1 requer seja realmente pequeno. No entanto, se considerarmos a pessoa TEA de nível 1 em relação às pessoas sem autismo, sua necessidade de apoio se torna significativa.

Em se tratando de avaliar as necessidades de apoio de pessoas com deficiências, nossa principal reflexão deverá ser qualitativa (Que tipo de sofrimento existe? Que tipo de apoio é necessário?), e não quantitativa (Qual sofrimento é maior? Quem precisa de mais ajuda?), afinal, a natureza dos desafios é DIFERENTE. Por exemplo, quem precisaria de mais apoio: um patinho com uma lesão no bico que o impeça de pegar peixes sozinho ou um patinho cujo bico não apresenta lesões, mas que vive num rio onde os peixes são grandes demais para que ele consiga engolir?
A forma com que a nova classificação médica do TEA foi organizada (com divisão em níveis de suporte 1, 2 e 3) leva automaticamente à lógica quantitativa, quando um sistema qualitativo – com nomes que sugiram diferenças em vez de níveis – talvez fosse mais apropriado. Por exemplo, nos façamos as seguintes perguntas:
- Se temos em sala um aluno com deficiência visual e um aluno com deficiência intelectual, qual precisará de mais ajuda?
- A ajuda será do mesmo tipo, apenas em maior ou menor quantidade?
- Sem qualquer ajuda, esses alunos terão a mesma oportunidade de aprendizado que seus pares sem deficiência?
Voltando à nossa analogia anterior, a situação do patinho com a lesão no bico é, sem dúvida, mais grave, afinal, ele sempre precisará de apoio substancial para se alimentar, quaisquer que sejam os peixes ou o rio em que ele esteja. Porém, isso não significa que o patinho sem lesão no bico irá sobreviver se for deixado à própria sorte. Ambos correriam risco de vida, embora por motivos diferentes.
Na vida escolar do aluno TEA de nível 1 / Asperger, esses peixes complicados de engolir costumam ser:
- Demandas de professores, coordenadores e diretores que não compreendem as dificuldades e fragilidades do aluno, não buscam aprender como ensiná-lo, falar com ele ou acolhê-lo.
- Falta de autocrítica da instituição de ensino, que em vez de perceber as próprias falhas, joga a culpa pelas dificuldades exclusivamente no aluno, esperando que ele atenda às necessidades da escola e não que a escola atenda às necessidades dele, como deveria ser.
- Falta de supervisão e apoio de um adulto (informado sobre as particularidades do aluno) durante as interações sociais entre o aluno e o grupo.
- Punições escolares injustas, com alto potencial de agravar os desafios já impostos pela condição do aluno.
- Dinâmica escolar (durante as aulas, intervalos e atividades complementares) que não incluem em seu planejamento as características do aluno e que, portanto, são inviáveis em boa parte do tempo, deixando-o à deriva como barco sem leme.
- Materiais pedagógicos impossíveis de seguir, corroendo 1 dos 3 principais pilares de apoio do aluno TEA em contexto escolar, que é o direito à acessibilidade¹.

O material adaptado, por mais essencial que seja, não fará o trabalho sozinho, sendo 1 dos pilares principais da inclusão, mas não o único, conforme mostra a ilustração a seguir.

A mesa da inclusão tem 3 pernas. Se uma delas for removida, o processo inclusivo não se sustentará.
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2. PESSOA DE APOIO INDIVIDUALIZADO
Outro equívoco comum é achar que o aluno TEA nível 1 não necessita de uma pessoa de apoio individualizado, por ser substancialmente mais autônomo em comparação a quadros de autismo mais severos.
Novamente, façamos aquele exercício de perspectiva proposto anteriormente: se considerarmos pessoas autistas entre si, aquela cujo autismo é mais brando sempre parecerá precisar de muito pouca ajuda em relação à pessoa cujo autismo é mais agravado. Porém, se pensarmos na proposta escolar convencional em relação à criança típica e à criança com autismo, esta última, mesmo na extremidade mais leve do TEA, precisará de apoio substancial.
Para garantir a observância e manutenção das ações de inclusão necessárias, será preciso centralizar essa tarefa em alguém que disponha do tempo que o professor regular da turma geralmente não tem para acompanhar as demandas do aluno com necessidades especiais, uma vez que o sistema de ensino vigente sofre com salas superlotadas, havendo em média apenas 1 professor para cada 30 alunos. Se mesmo os alunos sem necessidades adicionais saem prejudicados quando a realidade que enfrentam está muito distante do que propõe a pedagogia ideal, que recomenda 1 professor para cada 8 a 12 alunos, muito mais prejudicado ainda será o aluno que demandar uma atenção maior.
Assim, a pessoa de apoio individualizado será responsável por:
- Acompanhar o aluno individualmente sempre que a dinâmica de atividades do grupo não for viável para que ele participe, impedindo que ele fique “abandonado, perdido e isolado” no ambiente escolar, o que configuraria abuso emocional e psicológico por parte da escola.
- Orientar o aluno no decorrer do dia escolar em relação a horários, sequência de atividades, organização e realização das tarefas, além de auxiliar nas dúvidas que o aluno tenha – dúvidas precisam de amparo em tempo hábil para que o aluno não entre em espirais de ansiedade crescente e desistência das tarefas, o que ocorreria com a demora do professor em chegar até ele numa sala com muitos alunos.
- Mediar as relações interpessoais, garantindo inclusive que esse aluno não sofra bullying. O bullying é algo extremamente sério para qualquer pessoa, com potencial elevado para gerar consequências graves, especialmente em casos onde já exista alguma vulnerabilidade prévia daquele que é vítima da agressão.
- Monitorar o entorno do aluno e orientar outras crianças ou a equipe escolar acerca de como lidar com a criança ou adolescente, além de “traduzir” o aluno para os demais quando necessário, evitando mal-entendido, punição injusta e prejuízo social. Observação: tudo isso pode ser feito sem a necessidade de revelar nomes de diagnósticos médicos, o que deve ser pensado com cautela e feito apenas mediante autorização da família – sobre essa questão, recomendamos a leitura deste artigo aqui no blog.
- Manter a comunicação fluida com a família no dia a dia escolar (via WhatsApp é o melhor meio, pois há dias em que a comunicação precisa ser rápida ou em tempo real, por exemplo: quando a família precisa orientar sobre alguma necessidade da criança que requeira atenção assim que ela chegar ou enquanto estiver na escola).
Se, em caráter emergencial, fosse preciso eleger as duas principais ações de apoio para garantir a acessibilidade e permanência do aluno TEA – de qualquer nível – no ambiente escolar, estas seriam a presença de uma pessoa de apoio individualizado (dentro e fora da sala de aula) e a oferta de material adaptado.
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2.1 – A PESSOA DE APOIO INDIVIDUALIZADO NA ESCOLA DE METODOLOGIA ALTERNATIVA E CONVENCIONAL
ESCOLA DE METODOLOGIA ALTERNATIVA: a pessoa antes do resultado

FONTE DA IMAGEM: media.craiyon.com
Metodologias alternativas e menos rígidas, como as encontradas em escolas do tipo Wardolf ou Montessori, têm melhor potencial para acolher as necessidades de inclusão e diferenças humanas, afinal, sua filosofia institucional já é naturalmente voltada para o respeito à diversidade e individualidade das pessoas.
É comum nessas escolas que os alunos estejam fazendo atividades diferentes em momentos diferentes, tornando naturais as diferenças entre as pessoas. A aula não é conteudista (ou seja, com o objetivo de “ser aprovado na melhor universidade custe o que custar”), não há lousas sendo enchidas, nem cobranças de provas e lições, o volume de lição de casa é bastante reduzido ou inexistente, e há poucos alunos por turma. Broncas coletivas e professores falando alto na frente da lousa não são usuais. Há bastante flexibilidade no andamento do dia escolar.
Num ambiente naturalmente mais flexível, diverso e amistoso, as necessidades de adaptação serão menores e mais viáveis de serem implementadas.
Isso não significa que será fácil, afinal, ambientes escolares – por melhores que sejam – serão sempre um desafio para o aluno TEA, por diversos motivos, dentre os quais podemos citar:
- Metodologias alternativas são planejadas considerando o padrão de funcionalidade da criança/adolescente típico, e escolas ainda serão um microcosmo da sociedade em que vivemos, apesar das melhorias implementadas.
- Por mais alternativa que uma escola seja, ela escapará apenas em parte do sistema convencional de ensino, pois precisa responder às determinações da Secretaria da Educação, que dita normas e conteúdos de aula. Isso pressiona a escola, que pressiona os professores, que pressionam os alunos, ainda que em menor grau em comparação às escolas de sistemas mais tradicionais.
- Escolas são geridas por pessoas e nenhuma delas estará livre das preconcepções e programações mentais que a nossa cultura acaba enraizando desde muito cedo na mentalidade popular. A maioria de nós cresceu frequentando sistemas convencionais de ensino e tenderá a levar isso adiante na composição do que entendemos como escola. Apesar de novos estudos, conscientizações e treinamentos, ainda carregaremos conosco parte desse sistema de crenças e valores que, muitas vezes, podem fazer com que a casa do ferreiro tenha espetos de pau.
Mas, ainda assim, o esforço no caminho do acolhimento à diversidade é, sem dúvida, muito maior em escolas cujas metodologias são alternativas em vez de convencionais.
ESCOLA DE METODOLOGIA CONVENCIONAL: o resultado antes da pessoa

FONTE DA IMAGEM: media.craiyon.com
Em escolas cujo sistema é o tradicional/convencional de ensino, com alunos enfileirados, professores guiando a aula posicionados à distância enquanto fazem uso da voz (assim como os alunos) muitos decibéis acima do confortável, e onde há lousas sendo enchidas a cada hora, cobranças intermináveis de lições, cópias, provas, chamamentos contínuos de atenção do grupo com broncas por mau comportamento, com todos os alunos fazendo as mesmas lições como se funcionassem em bloco em vez de individualmente, as estratégias inclusivas encontram um espaço muito limitado e complicado para ocorrer. Quanto mais tradicional for o sistema escolar, maior será o malabarismo, tentando encaixar o redondo no quadrado.

FONTE DA IMAGEM: www.google.com/squarepeginaroundhole
Num ambiente alternativo de ensino, como descrito no início dessa seção, a presença de uma pessoa de apoio individualizado não chamaria tanto a atenção, pois seria natural que pequenos grupos ou duplas estivessem sempre trabalhando juntos, conforme mostra a ilustração da escola de metodologia alternativa mais acima.
Já num ambiente tradicional de ensino, essa pessoa de apoio individualizado precisaria ter sua presença “diluída, disfarçada” em sala: ela seria apresentada ao grupo como “assistente de aula” – sem mencionar a que aluno específico ela atenderia, lembrando que a prevenção do bullying e do constrangimento do aluno passa por não diferenciá-lo de forma “gritante” dos demais.
Em vez de ficar apenas sentada ao lado do aluno TEA, essa pessoa poderia transitar pela sala e dar ajudas pontuais a outros colegas, embora tendo como prioridade o aluno em questão, devendo manter atenção contínua, mesmo quando afastada (pois é quando o bullying aproveita para acontecer), identificando sinais de stress e ansiedade no aluno TEA e agindo antes dos problemas ocorrerem: no autismo, a melhor estratégia é sempre prevenir do que remediar.

Fonte da imagem: aqui
Havendo uma pessoa de apoio individualizado, o aluno TEA poderia ser posicionado na lateral e ao fundo da sala (caso esteja numa sala de aula tradicional, com alunos dispostos em fileiras), o que minimizaria o barulho e a exposição. Sem um acompanhante individualizado, pode ser perigoso deixar o aluno sozinho no fundo da sala, distante dos olhos do professor. Porém, se posicionado à frente da sala, rapidamente se incomodará com o volume da voz do professor, além de estar o tempo todo no campo de visão de toda a sala, ou seja, muito mais exposto.
O educador precisa ter consciência ética sobre a psicologia envolvida no acolhimento da pessoa diferente. Infelizmente, vemos muitos profissionais com despreparo nessas esferas, principalmente em escolas de sistema tradicional, pois estão menos acostumados ao ambiente livre e humanizado dos sistemas alternativos de ensino, e menos livres eles próprios também.
O professor tradicional pouco consciente de processos humanizados e inclusivos, pode, por exemplo, acabar simplesmente não apresentando aquele novo adulto que passará a ficar em sala de aula “misteriosamente”, gerando curiosidade e chamando MUITO a atenção do grupo para o que aquela pessoa estaria fazendo ali, ou então apresentando a pessoa de apoio de forma completamente inadequada, dizendo coisas como: “Pessoal, essa é a Ana, que vai ficar auxiliando o Jonas na sala”, transformando Jonas num alvo permanentemente.

Sobre revelar diagnósticos no ambiente escolar, este blog tem um artigo cuja leitura é altamente recomendada. Para acessá-lo, clique aqui.
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3. ADAPTAÇÃO DE MATERIAL PEDAGÓGICO PARA ALUNOS SEM PREJUÍZO INTELECTUAL? POR QUÊ?
É muito comum que as pessoas associem a necessidade de adaptação de materiais pedagógicos exclusivamente a dois contextos: a deficiência intelectual e a deficiência física. A criança no espectro do autismo de nível 1 (ou seja, sem prejuízo da fala ou intelecto), não estando inserida em nenhuma dessas duas situações, gera estranhamento aos educadores quando falamos em adaptações.
Assim, observaremos a seguir os principais motivos que tornam necessária a adaptação de material pedagógico para esse público:
- Fazer com que a lição possa fluir sem enroscos desnecessários, de modo que o aluno consiga concluí-la em vez de abandoná-la na metade (algo comum no TEA).
- Poupar a energia já escassa do TEA para tarefas escolares, aumentando o rendimento escolar.
- Compensar déficits nas funções executivas do cérebro¹, para que o aprendizado flua.
- Aumentar o interesse e a aceitação escolar e evitar aversivos que causem prejuízo ao bem-estar e processo escolar do aluno.
- Evitar o surgimento de resistência e fobia à aula, comum quando começa a associá-la com sofrimento, frustração, insegurança.
- Promover o cuidado com a autoestima do aluno, possibilitando que ele se perceba fazendo a lição assim como os colegas, e com mais autonomia devido às adaptações, que tornam o material acessível, em vez de ficar diante de tarefas onde emperra a todo instante e que acaba por desistir, sentindo vergonha em relação aos demais que seguem fazendo a lição de forma independente.
Sem as adaptações, a resistência às tarefas é tão acentuada que chega a ser paralisante; há relatos de alunos TEA de nível 1 realizando uma média de apenas 30% das atividades escolares coletivas (não adaptadas). A apresentação constante ao aluno de atividades que não se adequem ao seu perfil cognitivo poderá trazer consequências sérias, como baixa autoestima, aumento das dificuldades próprias do autismo, ansiedade, depressão e agravamento da resistência escolar, que, no autismo, tem o potencial real de tornar-se uma fobia séria e nem sempre reversível, capaz de comprometer o futuro de alguma matéria ou até mesmo o futuro escolar da criança.
Com as adaptações, oferecemos apoio às disfunções executivas do cérebro, proporcionando maior possibilidade de concentração, organização mental e compreensão de conteúdo, reduzimos sofrimentos e angústias da criança e de todos os envolvidos, reduzimos as resistências (que continuarão existindo porque isso faz parte do TEA, mas serão muito menores e significativamente menos prováveis de se tornarem paralisantes), aumentamos a disposição para o estudo e reduzimos o cansaço. Relatos estimaram em média um aumento na realização das atividades de 30% (quando não havia aplicação das estratégias de adaptação) para 70% (com o uso de material adaptado). Ou seja, não apenas trabalhamos no sentido contrário do “apocalipse escolar” descrito no item anterior, como melhoramos significativamente a produtividade e o rendimento escolar do aluno, dando a ele a chance de prosseguir nos estudos formais.
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¹ De maneira resumida, déficits nas funções executivas do cérebro podem significar que o aluno com autismo terá dificuldade acima (ou muito acima) da média em relação aos colegas de mesma idade sem TEA para planejar, organizar e priorizar. Haverá também dificuldade em iniciar atividades, manter-se motivado e lembrar o que acabou de ser dito ou o que precisa ser feito (os “brancos” são frequentes devido ao prejuízo da atenção e da memória de trabalho). Para relembrar quais são as funções executivas, reveja o quadro no início deste artigo.
Nenhuma pessoa é igual a outra. Isso se reflete também na forma de expressão de quadros médicos. O autismo se manifesta de muitas formas. Alguns alunos com TEA nível 1 podem, eventualmente, conseguir seguir na vida escolar sem material pedagógico adaptado, embora esta não seja a realidade da maioria. Mesmo os que parecem conseguir seguir sem adaptações, podem estar mascarando considerável sofrimento psicoafetivo, que acaba impactando a autoestima e agravando transtornos ansiosos e depressivos.
A autoestima tem importância central na vida humana. Será ela que nos guiará em dias escuros, e nos convencerá, eventualmente, do que podemos ou não fazer. Uma boa autoestima é essencial para qualquer pessoa, mas ainda mais para aqueles entre nós que vêm ao mundo com cargas extras de desafios a enfrentar, como é o caso da pessoa que possui características divergentes da maioria.
Uma boa autoestima terá efeito suavizador da ansiedade e depressão, à medida em que ajuda no reconhecimento e valorização das próprias qualidades, auxiliará na superação das dificuldades, contribuirá para o estabelecimento de melhores relações sociais e afetivas e trará um impulso extra para a busca pelo autodesenvolvimento pessoal e profissional.
Os conteúdos a serem ensinados na escola não podem se sobrepor a um objetivo que deveria ser maior, que é o cuidado da autoestima, pois se esta não estiver preservada, nenhum conteúdo será realmente útil para o enfrentamento da vida.
Conteúdos adaptados aumentam as oportunidades de autonomia, pois a melhor compreensão e o fluir da tarefa tornarão o aluno menos dependente do professor a cada mínimo passo na lição. E a autonomia é adubo para a autoestima.
A criança TEA nível 1 é geralmente bastante perceptiva do ambiente à sua volta. Se esta criança se sente sempre perdida e confusa, precisando solicitar o professor o tempo todo ou raramente concluindo uma atividade, enquanto observa os colegas produzindo com os materiais que possuem, isso logo se converterá em sentimentos de inferioridade, angústia e crescente resistência escolar. Nesse cenário, o risco de bullying também aumenta exponencialmente.
Se todo o resto falhar e estiver muito aquém do necessário em termos de inclusão, ao menos o material didático adaptado poderá ser um bote salva-vidas.
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4. FORMATO DO MATERIAL DIDÁTICO:
LIVRO versus APOSTILA

A sala de aula de um sistema tradicional de ensino é excludente por natureza, pois preza pela homogeneidade, exigindo que todos os alunos funcionem de modo uniforme, tornando mais complicado acomodar as diferenças nesse contexto. A adoção de um livro didático comum a todos é um sintoma disso, optando pela praticidade e padronização (produção em massa) em detrimento das diferenças individuais. Passa-se uma régua que determina quem participa da corrida e quem é deixado para trás.
A proposta inclusiva é, portanto, um convite a uma mudança de paradigmas que evoca de nós empatia, senso de justiça e o posicionamento de que não estamos de acordo em deixar alguns para trás.
Quando um livro didático é adotado, muito do seu formato e conteúdo não estará adequado para o perfil TEA (e outros perfis também, inclusive de alunos sem diagnósticos médicos), haja vista que materiais didáticos produzidos por editoras são sempre projetados para “o aluno ideal”. Assim, a utilização pela escola desse tipo de material imediatamente agrega considerável dificuldade à prática inclusiva.
É compreensível que livros sejam adotados coletivamente, pois, de fato, existem benefícios, como, por exemplo, guiar os assuntos a serem trabalhados em aula/por série, oferecer um registro organizado da informação de cada matéria, contar com o expertise da editora em relação à pesquisa dos temas/revisão/trabalho visual contidos no livro, e reduzir trabalho da própria escola construindo e imprimindo materiais.
No entanto, as desvantagens precisam ser observadas: livros didáticos não são garantia de uma boa aula, afinal, há muita diferença de qualidade entre eles; editoras querem vender seu produto e, para isso, poderão utilizar estratégias de marketing, como impressionar o leitor com recursos visuais para compensar a falta de qualidade no conteúdo. Além disso, a escola acaba optando por um livro mesmo que não o considere ótimo, pois precisará escolher entre as opções existentes, onde um ganha num ponto, mas perde em outro, por exemplo: o livro ganha em estética, mas perde em didática, ou ganha em didática, mas perde nos temas.
Alguns materiais exigirão mais adaptação que outros, seja pela qualidade do material, tipo de dificuldade do aluno ou matéria. É complicado conseguir adaptar conteúdos que já sejam recebidos prontos pela instituição de ensino: à escola cabe o papel de avaliar e prover o que o aluno precisa para seu aprendizado, mas a parte fundamental disso, que é o material didático, está sendo terceirizada. E não somente alunos com diagnósticos formais, mas também muitos outros alunos com dificuldades de aprendizagem diversas, não diagnosticadas ou identificadas, irão compor as salas de aula. Assim, o livro didático acaba limitando a oferta de apoio que a instituição de ensino deveria prestar e engessando inclusive a própria aula, pois ditará o que o professor vai fazer, ler e falar.
Se o aluno TEA não encontra outra alternativa a não ser utilizar o livro, podemos tentar aplicar algumas estratégias para, ao menos, minimizar o problema, conforme veremos no subtítulo seguinte (O QUE É POSSÍVEL FAZER CASO A ESCOLA TRABALHE COM ADOÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO?). Porém, sem um material realmente inclusivo, o desenvolvimento do aluno dependerá ainda mais da qualidade de didática do professor ou pessoa de apoio individualizado e de suas capacidades de criatividade e improvisação.
O material adaptado ideal para alunos TEA nível 1 seria feito através de apostilas e/ou folhas avulsas com atividades feitas já no formato que atende o aluno, mas a padronização do sistema pode atrapalhar essa prática inclusiva, não apenas pelo fato do próprio aluno se sentir desconfortável e negativamente diferente dos demais se for o único sem um livro, mas também por acabar tendo que lidar com situações tais como ouvir a todo instante o professor se referindo a algo no livro. Padronizações são um berço para o bullying, pois estimulam a observação mútua o tempo todo, onde qualquer diferença identificada seja vista como algo indesejado em vez de normal.
Se a escola utilizasse sistemas mistos de forma corriqueira, com livros em alguns momentos (como faríamos numa biblioteca), mas também apostilas ou atividades em folhas avulsas em outros, a oferta de materiais pedagógicos adaptados fluiria infinitamente melhor sempre que necessário, pois todos terão apostilas ou folhas sobre suas mesas, tornando a diferença no material mais discreta.
Uma regra importante em grupos para prevenir o bullying é não chamar a atenção. O bullying é um processo primitivo do funcionamento humano, que busca exercer poder e dominação assim como ocorre no reino animal. Na natureza, os animais usam estratégias de camuflagem para se proteger de ataques. Em grupos humanos, a dinâmica não é tão diferente, especialmente em ambientes que estimulam a padronização, como é o caso do sistema tradicional de ensino.
O ideal seria que todos os alunos – mas principalmente alunos atípicos – estudassem em salas com no máximo 15 alunos, com metodologias menos rígidas, onde fosse natural que cada estudante estivesse ocupado com uma coisa diferente, assim, metade das dificuldades automaticamente deixariam de existir. Na impossibilidade desse formato, as escolas devem ser criativas, buscando adaptar ao máximo as características do trabalho desenvolvido em sala, formando grupos menores ou dando a opção do aluno trabalhar em duplas ou individualmente, propondo atividades diferentes ao mesmo tempo, deixando-os livres para que escolham onde sentar, para trabalhar a flexibilização e diversidade no ambiente.
Fugir da padronização acolhe a todos muito mais e diminui a chance de bullying. Esta seria uma excelente disposição de sala para acolher a diversidade humana nas escolas:

Fonte da imagem: aqui
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O QUE É POSSÍVEL FAZER CASO A ESCOLA TRABALHE COM ADOÇÃO DE LIVRO DIDÁTICO?
Se o aluno estuda numa escola em que há a adoção de livro didático comum a todos, uma alternativa seria assinalar apenas as atividades mais viáveis para o aluno fazer, e colar pelo livro quadros explicativos ou folhas de atividades adaptadas. E instruí-lo de que as atividades que não estão assinaladas não precisam ser feitas. Isso reduziria a pressão que esse aluno poderia sentir em achar que teria a obrigatoriedade de fazer atividades que sabemos de antemão serem mais problemáticas para ele.
Procure otimizar ao máximo as lições, para reduzir a dificuldade em sua realização, já oferecendo o material pronto e adequado ao uso ao apresentar a atividade (por exemplo: itens já recortados e presos com um clip à própria folha da atividade, tubo de cola já desentupido ou cola bastão que não esteja seca para o uso, lápis já apontados, apenas canetinhas com tinta, etc.) podem ser a diferença entre conseguir que o aluno realize ou não a tarefa.
Porém, apesar de alguma adaptação ser sempre melhor que nenhuma, há o risco dessa alternativa feita no próprio livro não contribuir o suficiente para o processo escolar do aluno. É como usar um sapato que não é o seu número: é melhor usá-lo do que ferir os pés, mas o sapato vai cair toda hora, poderá causar tombos e não servirá para todos os momentos, como correr, por exemplo.
Mesmo com alterações, o livro ainda irá conter muitas partes que não atendem a diversos critérios importantes para o público TEA. Por exemplo, a folha do livro terá muita poluição visual, poderá conter temas aversivos, muitas atividades seguidas inadequadas para o perfil do aluno, etc. Às vezes, apenas 1 pequena atividade será viável em meio às 8 atividades considerando as duas páginas do livro aberto. Outras vezes, as atividades virão vinculadas umas às outras no livro por páginas ou capítulos, tornando bastante complicada a adaptação. Essa “complicação toda” certamente é o oposto do que deveríamos ter num material didático se estamos falando de um aluno que já tem baixa motivação e receptividade ao conteúdo obrigatório escolar e que costuma enfrentar quadros acentuados de ansiedade.
Outro ponto de dificuldade nesse sistema de adaptação de material sobre um livro padrão seriam os frequentes descompassos. Por exemplo: o aluno leria na página dele que não é necessário fazer o Exercício 3, ao mesmo tempo em que ouviria o professor dizendo para o grupo “Quero que TODOS façam o Exercício 3” ou “O Exercício 3 é muito importante, pois cairá na prova”. Sem uma pessoa de apoio individual para guiar o aluno num contexto assim, refazendo a instrução do professor com as devidas adaptações individuais, ele pode não conseguir utilizar o livro, mesmo que disponha de ajustes no material.
Portanto, se o formato adotado na escola for um livro didático comum a todos, adaptações seguem muito necessárias e será melhor fazê-las de forma limitada do que não fazê-las, mas a importância da presença de uma pessoa de apoio individualizado hábil para lidar com o perfil do aluno e desse tipo de situação será ainda maior.
A realidade é que quanto mais tradicional e padronizado for o sistema escolar, menor será o espaço para a adoção de medidas inclusivas. Estaremos lutando para oferecer amparo contra o sol escaldante tendo apenas uma peneira como ferramenta. Se o próprio sistema da escola tradicional não fabrica guarda-sóis, como espera acolher o aluno?
Enquanto isso, escolas com turmas menores e metodologias mais livres podem, ao menos, amenizar o problema, mas esses ambientes – que deveriam ser a norma, revendo todo o sistema educacional brasileiro para realmente garantir a inclusão – não estão disponíveis à vasta maioria da população. Há muito a ser feito para que a inclusão seja real.
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SEM REFLETIR, COMO PROSSEGUIR?

Analisando o que dificulta o processo inclusivo, muito do que se atribui ao aluno é, por vezes, um problema do sistema de ensino em primeiro lugar.
Se a pessoa autista não lida bem com pressão e precisa que suas diferenças sejam acolhidas, como fazer isso num ambiente que naturalmente pressiona e padroniza? Se a pessoa autista não lida bem com trabalhos em grupo ou apresentações para a toda a sala, como isso será respeitado num espaço que propõe atividades desse tipo o tempo todo? Se o aluno autista não consegue permanecer sentado na cadeira por horas a fio, copiar longos trechos da lousa, fazer lição de casa, lidar com o barulho excessivo de uma sala cheia e com o professor que passa tempo demais chamando a atenção dos alunos com o uso da voz muitos decibéis acima do recomendado, quais opções a escola oferece como alternativa?
Será mesmo que a escola tradicional é o modelo ideal e o aluno com deficiência é quem concentra o maior problema? Ou a pressão, padronização, condução autoritária excessiva, escolha unilateral de tarefas e formatos de aula e material, excesso de alunos por sala, professores esgotados pela exploração para que atendam o maior número de alunos possível por sala e trabalhem muitas horas extras não remuneradas podem ser problemas maiores?
Qual deficiência será o real empecilho para que um ambiente educacional positivo e funcional para todos exista: a do aluno ou a do sistema?

Não deixemos que o conformismo nos cegue e a injustiça jogue o peso da culpa covardemente sobre o ombro do mais vulnerável num sistema que funciona como um rolo compressor sobre todos, sem exceção: aluno, professor, família. A inclusão não seria tão difícil se o sistema fosse humanizado em vez de funcionar como linha de produção.
Humanizar também significa investir. Não basta proclamar que a educação é para todos e não promover as adaptações necessárias para acolher a todos. Jogar o problema no colo do professor e o aluno com deficiência numa sala comum são opções baratas para o Estado. Criar salas de apoio, contratar mais profissionais, tanto para ensinar quanto para acompanhar ou criar materiais pedagógicos, estabelecer sistemas de coordenação escolar específicos para alunos típicos e atípicos, reduzir o número de alunos por sala, promover cursos de capacitação profissional… tudo isso CUSTA DINHEIRO.

Profissionais especializados deveriam poder reunir-se com familiares e professores para avaliar cuidadosamente a melhor estrutura para atender cada aluno. Há alunos atípicos que poderão, sim, beneficiar-se de estar na sala regular e a estes todo apoio nesse sentido deve ser dado. Porém, é preciso haver ALTERNATIVAS. Em vez de decisões permanentes, experimentações podem ser feitas, onde o aluno passaria um número de dias num arranjo de aulas, espaço físico e atividades diferentes até que fosse possível encontrar – SEMPRE COM A PARTICIPAÇÃO E O AVAL DA FAMÍLIA – o melhor arranjo para atender cada caso.
Atividades coletivas poderiam ser planejadas para que o convívio entre todos – alunos típicos ou atípicos – fosse sempre incentivado, tais como atividades físicas, artes, brincadeiras ou comemorações, enquanto espaços adaptados para o ensino formal seriam reservados em salas independentes e preparadas para cada tipo de ensino, mais ou menos como numa universidade ou numa convenção, onde todos convivem em certos horários e situações, mas depois se dirigem a ambientes diferentes conforme o curso e assunto buscado em cada local. Estas são ideias inspiradas em realidades que já existem em outros países.
O ideal de inclusão deveria servir como um chamado social para atender a todos: alunos em geral – e não apenas os com alguma deficiência, pais, professores e coordenação/direção, pois até a gerência da escola precisa prestar contas de um sistema rígido a eles imposto pelo órgão governamental regulador da Educação, que não acolhe a realidade que vivem nas escolas.

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Professores expressam de forma incorreta suas frustrações acerca do sistema inclusivo. Atribuem suas dificuldades em atender o aluno com deficiência à própria deficiência, à obrigatoriedade para que atendam estes casos especiais mesmo que não se sintam preparados, ou então dirigem suas frustrações às famílias, que julgam depressa por não entregarem à escola um filho mais fácil de se lidar, com uma certeza curiosa de que os pais teriam todo esse poder.
É verdade que certos tratamentos e medicações podem fazer uma grande diferença e que há, sim, famílias que não são proativas em relação à condição de seus filhos, mas estas correspondem a uma parcela muito menor de casos do que o oposto, afinal, há mais pais lutando pelo melhor para seus filhos do que não. Além disso, há todo o tipo de perfil de deficiência e de organismo, alguns sendo mais receptivos que outros a intervenções médicas e terapêuticas. Acompanhei uma criança autista que tomava uma dose ínfima de uma determinada medicação e tinha resultados surpreendentes em sua melhora comportamental e outra cuja dose da mesma medicação equivalia a 12 vezes mais potência e mal se viam os efeitos, e esse padrão persistiu mesmo após inúmeras tentativas com substâncias diferentes.
Além disso, há o fator financeiro. O tratamento da pessoa autista é bastante caro, pois exige vários profissionais, frequência semanal em horário quase sempre comercial (como se os pais não precisassem trabalhar fora) e medicações com os mais variados preços, alguns extremamente elevados. A realidade da maioria das famílias no Brasil é que não podem arcar com tudo isso: dependem do SUS, que mal agenda as consultas e ainda dificulta a oferta da medicação necessária, dependem do tanto de flexibilização que conseguirão obter nas empresas onde trabalham, dependem da escola conseguir fazer o suficiente para atender as necessidades da criança para que os pais não sejam acionados a todo instante. Estas mesmas famílias que não têm recursos são obrigadas pelo Estado a matricularem seus filhos no único sistema de ensino que o Estado oferece.
Portanto, educadores não devem endereçar sua frustração para a criança ou sua deficiência, para a inconsistência entre a formação profissional e a tarefa que lhes esteja sendo exigida ou para as famílias de seus alunos, e sim para os órgãos governamentais, pois estes é que precisam oferecer a estrutura necessária para atender adequadamente essas pessoas em vez de encontrarem soluções de fachada às custas de todos exceto do próprio Estado.
Qual o poder do professor, afinal?

Apesar de todas as dificuldades, se houver algum desafogamento das funções do professor e uma coordenação mais presente que o auxilie, como costuma ser possível em escolas privadas menores, em que o número de alunos por turma fica em torno de 10 a 15, a atitude desse educador terá espaço para fazer toda a diferença.
Quem já conviveu com alunos no espectro do autismo sabe que a reação, aceitação e desenvoltura escolar deles não é a mesma com todos os professores e nem em todas as escolas. Algumas pessoas parecem simplesmente “acertar” no que fazem para acolher o aluno mesmo quando seu conhecimento do quadro médico é insuficiente.
Há disciplinas em que esses alunos vão melhor, mesmo que o professor não tenha feito grandes adaptações pedagógicas, enquanto em outras disciplinas a situação é tão tensa que não raro desenvolvem fobia da aula, do professor e da escola. Por que será que isso acontece?
Uma primeira questão é o assunto que a matéria envolve. Seres humanos, em geral, se desenvolvem muito melhor no estudo do que gostam. Sempre que pudermos oferecer aos alunos conteúdos mais afinados aos seus interesses ou que se mostrem mais úteis ao dia a dia do estudante, obteremos melhor engajamento e resultados. No TEA, encontrar formas criativas de inserir temas de interesse no aprendizado é central para conseguir viabilizar o aproveitamento escolar desses alunos.
A segunda questão é a personalidade do professor. O professor calmo, que fala baixo e com gentileza, não pressiona, valoriza o que o aluno puder produzir e usa vocabulário simples e conversas objetivas costuma naturalmente ter um bom relacionamento com o aluno autista. Pessoas no TEA têm uma sensibilidade extra para a forma com que as pessoas se dirigem a elas. São sensíveis à pressão e a atitudes invasivas, duas coisas, infelizmente, muito comuns e inclusive estimuladas no sistema padrão de ensino, onde muitos professores mandam em vez de pedir, falam alto, criticam sem qualquer noção de psicologia básica e respeito à singularidade ou história do aluno, exageram no volume de lição de casa ao ponto da opressão, restringem a liberdade em cada detalhe e sobrecarregam o estudante com regras punitivas e coercitivas, quando não abusivas. A redação tem que ter no mínimo 10 linhas e não aceitam menos (alguns jogam fora a redação do aluno se acharem ruim ou enchem-na de círculos e “x” vermelhos enormes); se não for entregue a totalidade do calhamaço de lição de casa exigido, pontos serão tirados da prova; quem desviar um pouco sequer a atenção durante longas e enfadonhas explicações de assuntos igualmente longos e maçantes será punido e mandado para o calabouço, quer dizer, para a direção.
O terceiro ponto é pensarmos no que costuma alimentar esse tipo de conduta autocrática nas escolas. O sistema vigente de ensino ainda segue uma estrutura que foi criada no século XIX. Na época, a intenção declarada das escolas era exercer um treinamento de submissão e controle, formando cidadãos informados o suficiente para serem produtivos na era industrial, porém submissos o bastante para serem funcionários ideais, conforme o interesse capitalista idealizado pelas elites.

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Se, após tanto tempo, a estrutura de ensino ainda se conserva em boa parte – apesar do crescente desinteresse, evasão e baixo rendimento escolar nacional – e se o governo segue exercendo um controle rígido sobre a obrigatoriedade de um ensino fracassado no Brasil, que é apresentado como um direito, mas na prática é uma obrigação com ameaça de prisão aos pais que não matricularem seus filhos no “ensino regular” ou que preferirem educá-los em casa, e ainda uma ameaça de futuro condenado – onde nem a vaga mais humilde de trabalho estará disponível para aqueles alunos que não tiverem um diploma reconhecido pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura), então certamente não estamos diante de uma teoria da conspiração ao replicar a frase de Darcy Ribeiro que dizia:
“A crise da Educação no Brasil não é uma crise: é um projeto.” (Darcy Ribeiro, antropólogo, historiador, sociólogo e ex-ministro da Educação no Brasil – foi exilado durante a ditadura, no ano do golpe, em 1964)
A quarta questão relacionada ao motivo pelo qual um aluno TEA se dá melhor com uma determinada matéria ou professor é a qualidade da didática. Uma boa didática é essencial para a prática pedagógica e a qualidade geral do ensino e, no caso da educação especial, reduz as necessidades de adaptação que esse público possa precisar.
A boa didática é aquela que alcança o aluno, e não aquela que se impõe unilateralmente sem fazer o possível para que todos consigam acessá-la. Tal como alimentar um pássaro, se em vez de sementes você oferecer pedras, não poderá dizer que está a promover a alimentação.
Esse é um dos conceitos primordiais da educação inclusiva: acessibilidade para TODOS, ou seja, buscar os recursos adequados para que qualquer aluno real consiga ter acesso ao ensino. É oferecer uma alimentação que todos os pássaros consigam comer.

Fantástico 👏…. Estou em viagem, mas assim que sossegar um pouquinho vou ler com calma!
Por acaso, você permitiria que eu compartilhe esse texto com uma amiga que é psicopedagoga especializada em TEA? Eu penso que ela ia gostar muito.
Estou em Rancho Queimado, SC.
Abraço 🤗
Suzana
Olá! Pode compartilhar sempre, sem problema algum. O objetivo do blog é difundir a informação. Obrigada pelo comentário! Um abraço.