Autismo clássico leve e síndrome de Asperger são a mesma coisa?
Na prática, sim. Nas peculiaridades, não.
Nem todos os pesquisadores compartilham da opinião acima. Dado o fato de que há mais pontos em comum do que divergentes, muitos defendem a ideia de que ambos os quadros tratam-se essencialmente da mesma coisa, o que não justificaria a necessidade de um diagnóstico separado, inclusive porque as necessidades de apoio gerais são basicamente as mesmas. Há, no entanto, pesquisadores que acreditam que as peculiaridades devessem ser levadas em consideração a ponto de garantirem uma classificação à parte.
As mudanças propostas no DSM-V e CID-11, que unificam a síndrome de Asperger sob o amplo espectro do autismo têm, sobretudo, uma finalidade prática, e não descritiva, ou seja, o objetivo central da nomenclatura “Síndrome de Asperger” ter sido eliminada e suas características terem sido englobadas pela descrição geral do autismo é a promoção de maior facilidade em identificar e diagnosticar pessoas que compartilhem de necessidades terapêuticas em comum. Como as características entre a síndrome de Asperger e o autismo clássico na parte leve do espectro possuem mais similaridades do que diferenças, especialmente após a primeira infância, e as principais dificuldades encontradas por pessoas pertencentes a ambos os quadros recaem basicamente nos mesmos três pilares (Socialização – Comunicação – Comportamento Repetitivo), optou-se por simplificar seu checklist com a intenção de aumentar as chances de que o portador de Asperger seja identificado pelos profissionais de saúde e receba um diagnóstico que lhe permita ter acesso ao auxílio necessário, pois ele também é portador de necessidades especiais.
Assim, o autismo passa a ser classificado não mais em “tipos”, e sim somente quanto ao seu nível de severidade, para que as necessidades especiais do indivíduo sejam melhor identificadas e atendidas. Desse modo, o autismo, em sua forma mais leve, costuma ser referido como “Autismo de Alto Funcionamento” (AAF), o que significa menor prejuízo funcional (ou seja, das funções básicas do dia a dia, como fala, interação social, coordenação motora, autonomia, etc.), enquanto o termo “Autismo de Baixo Funcionamento” se refere ao lado mais severo do espectro, onde a pessoa apresenta mais comprometimentos funcionais (dificuldades na produção da fala, problemas motores, autonomia prejudicada, etc.).
Portanto, o termo “Autismo de Alto Funcionamento” (AAF) engloba tanto o portador de autismo clássico leve quanto o portador da síndrome de Asperger, que também se classifica como leve dado o menor prejuízo funcional em comparação à apresentação moderada ou severa do espectro do autismo. Por isso, é comum vermos a literatura médica utilizando os termos “Síndrome de Asperger” e “AAF” de forma intercambiável, pois, num sentido mais amplo, se referem a um mesmo cenário.
Algumas diferenças entre o autismo clássico leve e a síndrome de Asperger apontadas por alguns pesquisadores, seriam, por exemplo, na forma de expressão do comportamento repetitivo e na dificuldade de comunicação.
O portador de autismo clássico leve costuma ter comportamentos repetitivos mais simplificados, geralmente focados em movimentações corporais (estereotipias) ou no manuseio de objetos específicos, sem função aparente, com o principal objetivo de obtenção de estimulação sensorial, como, por exemplo, ficar rodando, apertando ou tocando um determinado objeto sem elaboração cognitiva adjacente. Já no portador da síndrome de Asperger, o comportamento repetitivo costuma apresentar menor tendência à estereotipia e assumir maior contextualização, através de assuntos de interesse, tais como planetas, sinais de trânsito, robótica, pedras ou insetos. Existe uma atividade cognitiva mais elaborada acerca do foco de interesse, como classificação, modo de funcionamento, etc.
Quanto às dificuldades na comunicação, o portador da síndrome de Asperger não costuma apresentar atrasos na fala (que, muitas vezes, se desenvolve até precocemente) ou ter dificuldade no processamento das palavras em si, tal como sua articulação e pronúncia, como costuma ocorrer no autismo clássico. Em vez disso, a dificuldade de comunicação em Asperger geralmente relaciona-se aos aspectos pragmáticos (uso prático de conversação no dia a dia) e semânticos (significados das palavras) da linguagem.
Uma vez que a genética humana não seja plenamente compreendida e não se dê de forma totalmente previsível e linear, o que, portanto, também se aplica aos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), variações e sobreposições de condições distintas podem ocorrer.
A seguir encontra-se um quadro comparativo, proposto por Susan Ashley, em seu livro The Asperger’s Answer Book: The Top 275 Questions Parents Ask (“Livro de Respostas sobre a Síndrome de Asperger: as 275 Perguntas que os Pais Mais Fazem”), que destaca algumas das diferenças entre os sintomas principais de Autismo Clássico e Asperger. A severidade dos sintomas apresentados são descrições gerais e não devem ser usadas para fins diagnósticos individuais. Cada criança é única e terá um leque de variações de funcionamento nas áreas descritas no quadro.
Susan Ashley é PhD, fundadora e diretora do Ashley Children’s Psychology Center, trabalhando há quase 30 anos como psicóloga especializada em transtornos do neurodesenvolvimento, com enfoque em autismo, TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), psicologia forense e hospitalar.
QUADRO COMPARATIVO ENTREAUTISMO CLÁSSICO(COM SEUS NÍVEIS DE SEVERIDADE) E SÍNDROME DE ASPERGER |
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SINTOMA | AUTISMO SEVERO | AUTISMO MODERADO | AUTISMO LEVE | ASPERGER |
Socialização | Indiferente, não interessado nas outras pessoas | Procura as pessoas para obter auxílio quanto às necessidades físicas | Aceita se for abordado por outras pessoas | Procura as outras pessoas para interações unilaterais |
Comunicação | Usa comportamen-to negativo para se comunicar | Usa gestos para se comunicar | Responde se abordado pelos outros | Procura os outros para conversas unilaterais |
Linguagem | Nenhuma ou ecolalia – repete o que os outros dizem | Ecolalia e alguma linguagem para se comunicar | Uso de linguagem pragmática (social) pobre, uso estranho de palavras e pronomes | Muito boa, repetitiva, literal, excessiva, estranha |
Brincadeira com os colegas de mesma idade | Não | Não | Brincadeira paralela com pouca interação | Procura os outros para brincadeira unilateral |
Sensibilidade sensorial | Varia, de severa a nenhuma | Varia, de significante a nenhuma | Varia, de nenhuma a moderada ou leve | Varia, de nenhuma a moderada ou leve |
Brincadeira imaginativa | Nenhuma | Copia os outros | Brincadeira repetitiva, pouco imaginativa | Repetitiva, brincadeira imaginativa limitada |
Atividades repetitivas | Movimento corporal sem sentido, pode se auto agredir | Movimento corporal repetitivo e tocar objetos | Rituais com objetos ou movimento corporal | Falar, questionar; pode ter alguns movimentos corporais e alguns rituais |
Reação à mudança | Insiste na mesmice, reação extrema | Insiste na mesmice, reação severa a moderada | Insiste na mesmice, reação moderada | Não gosta, resiste, reage exagerada-mente |
Habilidades motoras | Varia, de boa a pobre | Varia, de boa a pobre | Varia, de boa a pobre | Varia, desajeitado, coordenação pobre |
Contato ocular | Evitativo | Evitativo ou inconsistente | Evitativo ou inconsistente | Pobre, inconsistente |
Idade comum de diagnóstico | 16-30 meses | 16-30 meses | 16-30 meses | Pré-escola |
Inteligência | Retardo mental
(em cerca de 75-85% dos casos) |
Retardo mental | Varia de retardo leve à inteligência na média | Normal a superior |
FONTE: Ashley, S. – The Asperger’s Answer Book: The Top 275 Questions Parents Ask, 2006. – p. 18-19 – Tradução: Audrey Bueno