Autismo – A Perspectiva de uma Mãe

Carrie Cariello é uma autora americana, do estado de Nova Iorque, palestrante e mãe de Jack, um menino – hoje adolescente – que tem autismo. Seu trabalho revela uma mente atenta, perceptiva, consciente e sensível. Ela muito gentilmente autorizou esse blog a traduzir e compartilhar o texto a seguir, cuja versão original pode ser acessada em seu blog: Carrie Cariello – Exploring the Colorful World of Autism.  (Carrie Cariello – Explorando o Mundo Cheio de Cores do Autismo).

Thanks, Carrie, for sharing such special words with us all.  

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O Sinal para o Autismo

Por Carrie Cariello

Tradução de Audrey Bueno

 

Quando se trata do meu filho Jack e seu autismo, eu desejo muitas coisas.

Eu gostaria de poder livrar o mundo de carros que fazem barulho no escapamento, portas que batem e pessoas que gritam como loucas sem qualquer razão.

Eu sei que essas coisas não são sobre o autismo em si, mas sempre que Jack ouve um barulho alto que não esteja esperando, ele grita. Ele grita, e então eu grito, e é tudo muito estressante.

Eu gostaria de poder reduzir a repetição um pouco.

Ah, a repetição! Todas as frases e palavras e lembretes úteis em constante repetição, vinte e quatro horas por dia.

Se ele não está, digamos, repetindo algo sobre o tempo, ou o fato de que estamos sem farinha, então ele está me chamando. Novecentas vezes por hora, este menino me chama.

Mãe.
Sim! O que é, Jack?
Nada.
Mãe.
Sim! O que é, Jack?
Nada.
Mãe.
O quê, Jack?
Nada.
Mãe. 
Sim! O que é, Jack?
Nada.

É exaustivo. É esgotante. Por vezes, isso me levou às lágrimas.

Eu sei que soa como se eu estivesse reclamando, mas não estou. Estou simplesmente reportando.

Tudo bem, talvez eu esteja reclamando um pouco.

Eu gostaria que houvesse algum tipo de sinal universal – algo que eu pudesse dizer ou fazer para que as outras pessoas entendessem que ele tem autismo.

Um sinal para lhes dizer que ele é rígido e tem um diagnóstico e não consegue ler expressões faciais e não tem muitos limites.

Um sinal para explicar que ele está pulando e grunhindo porque é como ele acalma seu corpo agitado quando está estressado.

Um sinal para ajudar você a entender por que eu seguro a mão dele no estacionamento mesmo que ele seja um garoto alto de catorze anos, e por que ele balança as mãos até que seus dedos longos se pareçam maleáveis como macarrões, e por que razão ele frequenta uma escola diferente. Um sinal tornaria minha vida bem mais fácil, para ser honesta.

Eu sei, eu sei, nós temos o símbolo da peça de quebra-cabeça¹, as luzes azuis e coisas do tipo, mas eu preciso de algo mais. Uma palavra-código, talvez, ou um gesto sutil. Algo que qualquer pessoa, velha ou jovem, possa entender – algo que atravesse as barreiras da linguagem.

Como quando vamos a um restaurante com mesas japonesas hibachi. Sabe, aquelas do tipo em que todos sentam em volta de uma grande grelha e o chef põe fogo numa cebola e tenta fazer com que as pessoas peguem pedaços de abobrinha ou ovos ou o que quer que seja com a boca?

Não nos damos bem em lugares assim.

Os chefs com seus altos chapéus simplesmente não entendem. Já tentei de tudo. Já tentei fazer contato visual e balançar minha cabeça um pouco. Já tentei balançar minha mão no ar para distraí-los dos arremessos de ovos.

Eu até mesmo já tentei fingir estar espetando um garfo no meu olho, de forma bem lenta e exagerada, para dar a dica, mas isso nunca deixa claro o que quero dizer. Eles continuam jogando comida na direção de Jack, até que ele comece a gritar e acabe jogando uma f–bomba bem alta.

Essa palavra, receio eu, é universal em qualquer língua.

Talvez você esteja se perguntando por que nós sequer consideramos restaurantes desse tipo. Quero dizer, por que levaríamos nosso filho com necessidades especiais a um lugar que ele tão claramente odeia? É uma boa pergunta, na verdade. Você está certo em perguntar.

E eis a minha resposta: o Jack odeia muitas, muitas coisas. Ele odeia um cinema em particular porque a tela é muito grande. Ele odeia uma certa mercearia porque eles tocam música clássica que o lembra, nas palavras dele, morte negra. Ele odeia que peguemos as pistas locais para ir para casa porque uma vez ele viu um esquilo atravessar correndo em frente ao carro.

Ele odeia esquilos.

Então, o que fazemos? Nos sentamos em casa e deixamos que o autismo governe nosso mundo?

Não, não deixamos. Nós escolhemos nossas batalhas. Nós o ajudamos a crescer e a esticar sem quebrar. Nós pegamos as pistas locais de vez em quando, e nos mantemos vigilantes quanto aos esquilos.

Eu apenas gostaria que houvesse um bom meio de lhes contar sobre tudo isso.

E não é, nem por um segundo, porque eu estou envergonhada quanto a ele. Por favor, jamais pense isso.

Eu nunca me senti constrangida pelo meu filho com autismo. Nem mesmo quando ele encheu meu carrinho no mercado com tubos de pomada para hemorroida enquanto eu tentava conversar com um conhecido sobre basquete.

É difícil me constranger, para ser honesta.

É só que há todo esse período de estranhamento e confusão e eu gostaria de pular tudo isso para chegarmos logo à parte boa.

A parte boa é quando você sabe que ele tem autismo. É quando seus olhos abrem um pouquinho mais e você mexe ligeiramente a cabeça e então o olha com compaixão e ternura. Talvez com um sorriso.

Veja, Jack tem uma deficiência, só que você não consegue enxergar isso.

Claro, você o vê pulando e ouve a repetição e tudo o mais, mas apenas parece que é estranho, ou que ele esteja apenas sendo algum tipo de chato.

Ele não precisa de cão de assistência, ou cadeira de rodas, ou um lugar especial para estacionar.

Ele precisa de luzes suaves, da ausência de fogos de artifício, e cebolas que não fiquem em chamas.

Ele tem uma deficiência, só não é óbvia.

Isso a torna menos importante? Ou real?

Eu acho que não.

Você acha?

A maioria das pessoas constrói uma vida em torno de amizades, aprendizado, casamento e família.

Nesse presente momento, meu filho construiu uma vida em torno de um planejamento restrito de refeições, filmes da Disney e de me lembrar 2.983.465 vezes que não temos o tipo certo de leite.

E, nesse presente momento, não tenho certeza de que muito irá mudar nos próximos 20 anos ou mais.

O que eu estou dizendo é que ele provavelmente vai viver a vida dele diferente de você e de mim.

E isso torna a vida dele menos importante? Ou real?

Eu acho que não.

Você acha?

Às vezes, ele me lembra um pássaro preso numa gaiola de ouro, limitado pelas barras fortes e inflexíveis da rigidez, ansiedade e farinha².

E não são apenas as barras douradas, mas a pequenez de seu mundo. Dentro do seu confinamento, ele age de forma rítmica e murmura e pula. Ele está totalmente sozinho, e isolado. Ele não confia em ninguém.

Ele um dia irá voar?

Ele tem catorze anos. Eu estou ficando sem tempo.

Ele é meu filho e meu trabalho é mostrar a você que ele tem autismo e então mostrar a você que tudo bem e explicar que estamos trabalhando na questão do xingamento.

Eu preciso lhe mostrar isso para que você goste dele e tente entendê-lo e talvez um dia até o contrate para um emprego.

Se eu tiver que chorar mil lágrimas e responder a dez mil perguntas sobre leite, eu o ajudarei a voar.

Ele irá voar, como se minha própria vida dependesse disso.

Nas minhas horas mais sombrias da noite, é isso o que digo a mim mesma.

Ele irá voar.

Na luz clara do dia, tenho menos certeza.

Você não pode imaginar como é amar alguém com autismo.

Ou talvez você possa.


Notas do tradutor:

O texto original tem diversos links para outros textos do blog de Carrie Cariello, que não transportei para esta publicação por não terem ainda tradução em português.

¹ Uma peça – ou peças – de quebra-cabeça se tornou um símbolo bastante difundido para representar o autismo, que também costuma ser representado pela cor azul. Veja exemplos de símbolos do autismo aqui

² É um trocadilho devido ao fato de que uma das preocupações obsessivas de Jack é se precisam comprar farinha.

 

 

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