Por Michelle Fattig, em Disabled World – Towards Tomorrow
Tradução: Audrey Bueno
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Crianças com autismo de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger geralmente são diagnosticadas incorretamente e são pouco assistidas em nosso país (1). A dificuldade em compreender e reconhecer o autismo, primariamente o de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger, pela comunidade médica, de psicologia e psiquiatria, pode levar a um diagnóstico inadequado e até mesmo à falência em prover os serviços necessários aos alunos (Autism Today, 2007).
(1) Nota do tradutor: Estados Unidos
O autismo não é uma doença, ou uma reação; é uma diferença neurobiológica de desenvolvimento das funções cerebrais. Pessoas com autismo podem evidenciar dificuldades em interações sociais, problemas com comunicação verbal e não-verbal, e atividades e interesses excêntricos. Os sintomas do autismo são geralmente reconhecidos durante os três primeiros anos da infância (Introdução, Autismo, 2007); contudo, o autismo de alto funcionamento ou a Síndrome de Asperger geralmente não são reconhecidos até que a criança esteja em idade escolar.
O autismo impacta o funcionamento normal do cérebro nas áreas de interação social e habilidades de comunicação. A desordem torna difícil para nós a comunicação com os outros e nos identificarmos com o mundo social. Em alguns casos, agressividade e/ou autoagressão podem estar presentes (Sociedade de Autismo de Delaware, 2005); contudo, comportamentos internos tais como alienação, depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e isolamento social podem ser igualmente prevalentes (Fattig, 2007).
“Pessoas com autismo podem exibir movimentos corporais repetitivos (agitação das mãos, balançar-se), respostas incomuns às pessoas ou apego a objetos e resistência a mudanças de rotina. Podem, ainda, apresentar sensibilidades dos cinco sentidos – visão, audição, toque, olfato e paladar,” (Sociedade de Autismo de Delaware, 2005).
Portanto, uma equipe de profissionais, trabalhando juntos, utilizando medidas apropriadas e informação, deveria ser responsável por prover um diagnóstico eficiente que garantisse o auxílio adequado, acomodações e medicações, para que o sistema estivesse em posição de oferecer educação pública num ambiente menos restritivo (Smith, 2005).
Algumas pessoas têm a ideia de que indivíduos com autismo sejam tão profundamente afetados que não consigam falar. Se falam, muitos acham que conversam como o personagem de Dustin Hoffman em “Rain Man”. Mas o autismo envolve um largo espectro. A Síndrome de Asperger é uma desordem autista que está na extremidade de alto funcionamento do espectro. (Brunett & Williams, 2005).
Conhecer um aluno apenas brevemente num único contexto não é suficiente para se obter um retrato completo de suas necessidades e habilidades. Frequentemente, um aluno com autismo pode ter ações que se assemelhem a distúrbios mentais ou desordens comportamentais, ou a alguém com deficiência auditiva (Autism Today, 2007). Tais comportamentos são, algumas vezes, desconsiderados e interpretados como imaturidade, estranheza ou timidez (Mudloff, 2007).
Os pais geralmente começam a suspeitar que talvez haja algo errado antes dos dois anos de idade. Muitas crianças que são diagnosticadas em idades muito precoces com Transtorno do Déficit de Atenção (TDA) podem, na verdade, ter Síndrome de Asperger (Brunett & Williams, 2005).A Síndrome de Asperger geralmente é caracterizada por inteligência na média ou acima da média, comunicação (2) e habilidades sociais empobrecidas, ausência de contato visual, necessidade rígida de regras e rotina, ansiedade e/ou depressão, discurso pedante (3), dificuldades de processamento sensorial e processos de pensamento perseverativo (4).
(2) Nota do tradutor: não confundir “comunicação” com “linguagem”; crianças com Asperger têm a linguagem geralmente muito bem desenvolvida, mas não conseguem estabelecer uma comunicação efetiva.
(3) Nota do tradutor: Pedante = adjetivo que se refere à característica de expressar erudição e cultura na fala; o pedante costuma corrigir os erros gramaticais de outras pessoas e sempre considerar o seu ponto de vista mais correto, pelo fato de se considerar intelectualmente mais avançado; na cultura brasileira, o termo ‘pedante’ pode ser interpretado como pejorativo ao indicar pretensão, porém o pedantismo pode, em alguns casos, ser um sintoma de certas desordens mentais, como a Síndrome de Asperger, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o chamado “autismo de alto rendimento”. Etimologicamente, ‘pedante’ teria se originado na língua italiana, significando inicialmente “pessoa que trabalha minuciosamente” ou “aquele que imita servilmente os clássicos em sua escrita”. (Fonte: https://www.significados.com.br/pedante/)
(4) Nota do tradutor: Pensamento perseverativo; perseveração – termo usado no autismo para se referir ao comportamento de ficar preso num mesmo assunto ou tarefa, com pouca ou nenhuma variação; é como se fosse um disco discado no cérebro, que faz o indivíduo voltar a fazer uma mesma coisa repetidamente, por um longo tempo, sem se entediar.
Pessoas com autismo de alto funcionamento ou Asperger tendem a confiar pesadamente em regras internas rígidas e têm muita dificuldade com as regras de interação social que não estejam formalmente estabelecidas. A falência acompanha o aluno com Síndrome de Asperger, como um amigo próximo, e talvez precisemos de muito apoio durante períodos de stress. Um psicólogo, e amigo, disse, “Você tem que lembrá-los que, para cada crítica, será preciso centenas de elogios para desfazer o extremo embaraço ou humilhação.” (Caton, 2007).
Sintomas precoces podem incluir problemas com interação social: isolamento social, limitação na reciprocidade ou em interação do tipo dar-receber, tendência a ser auto absorto ou desligado, falta de discriminação social e/ou dificuldades com habilidades sociais.
O isolamento social pode parecer como se a criança fosse alienada, evitando contato ou interação com pessoas, família ou pares, e preferência em brincar sozinha ou com “coisas”, em vez de colegas. Crianças com autismo podem parecer brincar junto, mas não com os outros, e estabelecer amizades, com relações de dar e receber, podem estar ausentes.
Os pais podem notar falta de contato visual ou sorriso social, ou podem observar muito contato visual como se a criança olhasse as pessoas como interessantes de se observar, mas não necessariamente interagir ou buscar reconhecimento delas. Essas crianças podem não ter disposição em compartilhar brinquedos e interesses, e tendem a ser percebidas como “perdidas em seu próprio mundo” às vezes. Podem ter um interesse maior em brincadeiras sensoriais e físicas com os outros, tais como cócegas, abraço (5), andar nas costas ou ombros de alguém, pega-pega, ou vídeo games, brincadeiras de fantasia, assistir filmes repetidamente ou preferir ler livros em vez de socializar.
(5) Nota do tradutor: desde que não muito apertado.
Crianças com autismo de alto funcionamento ou Asperger podem interagir muito bem com adultos, mas ter muita dificuldade em iniciar interação com crianças da mesma idade e manter o interesse. Às vezes, crianças com autismo não notam se o colega ou alguém com quem estejam brincando perde o interesse, ou mesmo dispersa. As regras sociais sutis parecem confusas, e interpretar comentários sociais, expressões faciais, tom de voz, ou linguagem corporal pode ser similar a interpretar uma língua estrangeira. Uma falta de medo ou excesso de coragem podem ser evidentes, e crianças com autismo podem falar abertamente com estranhos, abraçar estranhos, invadir o espaço pessoal das pessoas, trombar em pessoas na fila, tocar ou escalar as pessoas inapropriadamente, ou ter ansiedade de separação excessiva dos pais ou a completa falta dela (Mayes, 2008).
A maioria dos encaminhamentos por questões comportamentais e a avaliação diagnóstica para Síndrome de Asperger são para meninos (Attwood, e “por que o encaminhamento é um forte preditor para ser elegível à educação especial,” (Hosp & Reschly, 2004), esse índice desproporcional de encaminhamentos pode explicar por que a pesquisa epidemiológica para os Transtornos Autistas indica que a atual proporção de homens e mulheres com um diagnóstico de Asperger seja 4:1, enquanto que a verdadeira proporção é de aproximadamente 10:1 (Attwood, 1999).
A empatia pode ser definida de várias formas, e a comunicação não-verbal (por exemplo, postura, gestos, contato visual, expressões faciais, tom de voz), são pistas que revelam nossas emoções, atitudes, personalidade, relacionamentos. Isso nos ajuda a guiar a interpretação de como o outro se sente levando a uma consciência empática ou entendimento do outro (Helland, 2007, p.3). Esse entendimento empático pode estar prejudicado numa pessoa com a Síndrome de Asperger, particularmente nas mulheres. Dado que as características de Asperger podem incluir a completa falta do senso de medo ou perigo, muito ou pouco contato visual, que pode parecer exageradamente agressivo, ameaçador, ou sedutor, combinado com a dificuldade em julgar os sentimentos e intenções dos outros apropriadamente, garotas e mulheres com Asperger podem estar em maior risco de ataque, abuso, violência, ou coisas ainda piores. Mulheres no espectro contam histórias de serem excluídas ou de sofrerem bullying incessante devido aos seus comportamentos incomuns ou apenas não se enquadrarem socialmente e são “literalmente deficientes no que concerne ter sobrevivido numa sociedade feminina adolescente mais socialmente complexa,” (Donvan, 2008, p. 2).
Crianças com autismo de alto funcionamento e Asperger podem exibir um leque de interesses bastante atípico e limitado, com um brincar organizado ou incomum. Eles podem encenar rituais elaborados, que parecem ser brincadeira criativa, mas na verdade são atividades com script sem a variação ou criatividade da brincadeira imaginativa. Elas podem demonstrar fixação em coisas, como Pokemon, programas de TV, jogos de computador, números, trens ou carros; e tendem a alinhar coisas, organizá-las por cor, ou mesmo repetir falas de filmes/desenhos ao pé da letra. As crianças com autismo podem ficar extremamente aborrecidas se sua rotina ou ritual for mudado que qualquer forma, e podem ficar muito chateadas se alguém tocar nas coisas delas, mudar mobília ou brinquedos de lugar, ou mesmo fazer um caminho diferente para ou de volta da escola. Elas podem ser muito rígidas e insistirem em fazer as coisas do mesmo jeito toda vez, ou demonstrar extrema aversão ou explosões nervosas durante transições. Movimentos estereotipados tais como: girar, abanar as mãos, alinhar coisas, andar na ponta dos pés, balançar o corpo, fazer caretas, contorcer-se, andar ou correr sem parar, fazer certos tipos de barulhos, balançar a perna, limpar a garganta como se tivesse um pigarro, e repetições de ‘um’, balançar a cadeira e outras coisas similares podem ser mais significantes ou presentes durante períodos de mudança ou transição. Um perfeccionismo extremo ou “ter que terminar” o que começaram, ao ponto da birra, podem ser evidentes especialmente durante transições inesperadas ou indesejadas (Mayes, 2008).
Quando o autismo de alto funcionamento ou a Síndrome de Asperger não são diagnosticados ou isso é feito incorretamente, as crianças e os pais são impedidos de ter acesso ao tratamento e serviços adequados devido a “enorme confusão em torno do que Asperger é ou não é, porque a síndrome tem sido diagnosticada a partir dos critérios atuais apenas há 12 anos,” (Hoover, 2006, p.1). Crianças com autismo de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger podem exibir um desejo excessivo ou aversão intensa a estímulos sensoriais. Elas podem parecer hiperativas, e buscarem movimento num grau excessivo, ou elas podem parecer irresponsivas ou “sem reação” quando hiperestimuladas sensorialmente. Algumas dessas crianças podem ter respostas atípicas ou extremas a sons e cobrirem as orelhas ao ouvirem o aspirador de pó, secadores de cabelo, bebês chorando, sirenes e outros sons altos e inesperados. Algumas podem ser extremamente afetadas por cheiros, gostos, texturas, calor ou tumultos/agitação. Elas podem ter problemas em pegarem no sono, ou ficarem acordadas. Crianças que sejam exageradamente reativas a multidões e tumultos podem parecer desconfortáveis ou evitativas quanto a cafeterias, shoppings, ginásios, festas, reuniões familiares ou mesmo teatros (Mayes, 2008). Em reação a essas coisas, elas podem sentir calor, ter dor de estômago ou de cabeça, ou fazerem birra/resistirem em ir a tais lugares. Crianças com autismo de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger podem ser altamente inteligentes e parecerem capazes de comunicar-se, “elas apenas não fazem isso bem,” (Hoover, 2006, p. 1).
A comunicação pode não parecer atrasada, mas a compreensão, linguagem social envolvendo dar e receber pode estar ausente, um discurso repetitivo, copiado, num tom ou qualidade atípicos, pode estar presente. Dizer coisas bruscas e rudes, principalmente se nervoso ou contrariado, perguntar excessivamente a mesma coisa, ficar ecoando algo ou fazendo mímicas, um amplo vocabulário, ou dificuldade em ouvir e compreender outra perspectiva podem ser aparentes. Algumas pessoas com autismo de alto funcionamento ou Asperger demonstram extrema habilidade em lembrarem de fatos, números, telefones, mapas, palavras, datas de aniversário ou outras informações factuais (Mayes, 2008, p. 2). Elas podem parecer muito rígidas em seu ponto de vista, e incapazes de aceitarem ou entenderem a perspectiva do outro. Elas podem parecer nunca serem capazes de “deixar pra lá”, ou tendem a parecer argumentativas ou “arrancando os cabelos”. Uma conversa pode levar a birras, explosões emocionais, ou alienação por motivos aparentemente insignificantes (Fattig, 2007).
Desajeitamento motor ou dificuldade motora fina podem existir, e intuição sobre física pode ser maior que intuição social/psicológica (Baron-Cohen, 2000, p. 16). Uma criança pode ser capaz de desmantelar e recriar construções elaboradas de lego, programar um relógio, um vídeo cassete, relacionar formas, ou demonstrar talento artístico ou musical (Mayes, 2008, p.2). “Pais de crianças com autismo, bem como seus avós, são na maioria das vezes representados em profissões tais como engenharia, enquanto são sub-representados em profissões tais como trabalho social. Engenharia é um exemplo claro de profissão que requer boa noção de física,” (Baron-Cohen, 2000, p. ).
Crianças com autismo de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger são “limitadas em áreas do cérebro que permitem às pessoas compreenderem dicas sutis,” (Hoover, 2006, p. 1), e geralmente mal-entendidos, interpretação literal e/ou hiperestimulação sensorial podem levar a reações exageradas, irritabilidade, baixa tolerância à frustração, birras, agressividade, parecer ter um temperamento explosivo (ou bipolar), auto estimulação, ansiedade, depressão ou autoagressão (Mayes, 2008, p. 2). Essas crianças desenvolvem uma tendência à desconfiança em relação aos outros, devido a falências e experiências sociais negativas ao longo do tempo, que podem levar ao auto isolamento e fobia social. Essa reação comportamental pode ser vista como “rude” pelos outros, e geralmente as pessoas no espectro se esforçam para entender por que não gostam delas ou por que se sentem frequentemente rejeitadas (Hoover, 2006, p. 1).
Identificação e intervenção precoce são consideradas as peças-chave para prognósticos positivos para crianças no espectro do autismo. Para que se possa atingir todos os alunos no espectro, psicólogos escolares, profissionais de saúde mental, médicos e pais deveriam trabalhar juntos para se tornarem melhor informados através de pesquisa, ferramentas de avaliação, e critérios diagnósticos, como também quanto às melhores intervenções proativas para aumentar as habilidades sociais, comunicação pessoal, comportamento, e interação com os colegas. O autismo é vitalício, e não há reparação rápida ou cura. Contudo, o diagnóstico precoce e tratamentos efetivos podem oferecer melhores desfechos para as crianças no espectro. Quanto mais pessoas puderem expandir o aprendizado e as pesquisas para incluir e apreciar a vasta diversidade de personalidades e suas características, maiores as chances de que a sociedade valorize a singularidade e a individualidade (Wilson, 2006, p. 63.).
Annie Books Series ©: Experiencie a Síndrome de Asperger e o Déficit de Atenção Através dos Olhos de uma Criança, escrito por Michelle Fattig, ilustrações de Josh Fattig.
Michelle e Josh têm Síndrome de Asperger e Déficit de Atenção. Eles usam seu insight único e experiência para combater o crime, lutar contra o mal, e promover a paz no mundo. Annie Books são divertidos de ler, oferecem informações úteis, para aqueles de vocês que não entendem o que é isso por dentro, e para aqueles de nós que não sabem que aqueles de vocês não entendem isso por dentro! Nós achamos que todos se sentem dessa forma, então nos perguntamos o que há de errado conosco, e por que não podemos ser apenas normais…
Michelle Fattig é psicóloga escolar e técnica médica; ela oferece desenvolvimento profissional a pais e educadores, através dos projetos Atos Educativos para Indivíduos com Deficiências (IDEA, em inglês), Melhorias de Ensino para Crianças com Deficiências (ILCD, em inglês), Deficiências Escondidas, e Resposta à Intervenção (RTI, em inglês). Ela é de Nebraska, Estados Unidos.
Muito bem explicado parabéns, vi meu filho em seu relato.
Obrigada pelo comentário. Seja sempre bem-vinda ao blog. Informação é fundamental para ajudar pessoas com Asperger e para direcionar a escola, minimizando sofrimentos e ampliando potencialidades, que permitirão um melhor desenvolvimento futuro. Recomendo fortemente a leitura dos artigos a seguir: https://sindromedeasperger.blog/2017/09/01/ansiedade-um-serio-problema-no-autismo/
https://sindromedeasperger.blog/2017/10/16/lista-de-dicas-de-convivio-e-manejo-de-criancas-com-sindrome-de-asperger-para-a-escola-professores-pais-e-familiares/
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