Introdução
Por Audrey Bueno
Muitos indivíduos com síndrome de Asperger (atualmente referida pela área médica como Autismo de Alto Funcionamento) têm QI acima da média, num alcance que os inclui na faixa de superdotação. Estas pessoas têm, na verdade, um duplo quadro/diagnóstico, conhecido como Dupla Excepcionalidade (há um artigo sobre isso aqui), onde tanto características da síndrome de Asperger quanto de superdotação se mesclam, compondo o funcionamento interno do sujeito. Quando alguém com a síndrome de Asperger lê sobre as características de personalidade comuns dos superdotados (há uma lista aqui – ao acessar o post, role a barra até o final) é comum que se identifique com a maioria dos itens, assim como é comum que o indivíduo superdotado que leia sobre a síndrome de Asperger também se identifique com muitas características.
Isso acontece por serem condições afins, ou seja, que tendem a caminhar juntas e cujos traços se sobrepõem. Estudos recentes mostram que existe uma ligação entre os genes da inteligência e os do autismo. Alguns profissionais da área da psiquiatria chegam, inclusive, a fazer observações tais como “Quando se é superdotado, quase sempre há também a presença de autismo.”
Nem todas as pessoas superdotadas têm autismo, assim como nem todas as pessoas com a síndrome de Asperger são superdotadas, mas a maioria dos dois grupos tem as duas condições ou traços delas. Portanto, materiais que tratem somente de autismo ou de superdotação intelectual podem não oferecer o panorama completo que explique o funcionamento do indivíduo.
A seguir, está a tradução de uma publicação feita pelo saudoso psicólogo americano Dr. James T. Webb, especialista em superdotação e fundador do SENG, uma organização com sede em New York – EUA, cujo propósito é oferecer apoio a superdotados. O referido artigo trata de um assunto que, embora primariamente pensado para a população superdotada, é, na verdade, absolutamente pertinente para a maioria das pessoas com síndrome de Asperger, pois são dois grupos que costumam enfrentar o que chamamos de Depressão Existencial.
Para descobrir se você é superdotado, leia aqui.
A Teoria de Dabrowski e a Depressão Existencial em Crianças e Adultos Superdotados
Autor: Webb, J, Ph.D.
Para acessar a versão original em inglês, clique aqui.
Tradução livre de: Audrey Bueno
“É muito difícil manter-se otimista. Você precisa estar continuamente se enganando, e algumas pessoas são melhores em mentir para si mesmas do que outras. Se você encara muito a realidade, ela te mata.”
Woody Allen
“O homem sensato se adapta ao mundo; os insensatos persistem em tentar adaptar o mundo a eles. Portanto, todo progresso depende do homem insensato.”
George Bernard Shaw
Por James T. Webb
Quando as pessoas passam por um grande trauma ou outros eventos desnorteantes – quando perdem o emprego ou uma pessoa querida morre, por exemplo – o entendimento de si mesmos ou de seu lugar no mundo geralmente se desintegra, e eles temporariamente “desmoronam”, experimentando um tipo de depressão conhecida como depressão existencial. Seus suplícios trazem à tona a natureza transitória da vida e a falta de controle que nós temos acerca de tantos eventos, e isso suscita perguntas sobre o sentido da vida e sobre nossos comportamentos. Para outras pessoas, a experiência da depressão existencial parece surgir espontaneamente; ela surge de suas próprias percepções da vida, de seus pensamentos sobre o mundo e de seu lugar nele, bem como do significado da existência. Embora não universal, a experiência da depressão existencial pode desafiar a capacidade de sobrevivência de um indivíduo e representar tanto um grande desafio quanto uma oportunidade – uma oportunidade de adquirir controle sobre a própria vida e de transmutar a experiência numa lição positiva – uma experiência que leve ao crescimento pessoal.
Minha experiência mostra que pessoas superdotadas ou com QI acima da média são mais propensas que aquelas menos dotadas intelectualmente a experienciarem depressão existencial espontânea como consequência de suas habilidades mentais e emocionais e interações com outras pessoas. Pessoas inteligentes são geralmente mais intensas, sensíveis e idealistas, e conseguem ver as inconsistências e absurdidades nos valores e comportamentos dos outros ((Webb, Gore, Amend, & DeVries, 2007). Esse tipo de consciência sensível e idealismo as fazem mais propensas a se questionarem coisas difíceis sobre a natureza e o propósito de suas vidas e das vidas das pessoas à sua volta. Elas se tornam muito conscientes de sua pequenez na enorme vastidão da existência, e se sentem impotentes em consertar os tantos problemas que as afligem. Como resultado, tornam-se deprimidas.
Essa depressão existencial espontânea também é, acredito, tipicamente associada às experiências de desintegração a que Dabrowski se referiu ((Daniels & Piechowski, 2009; Mendaglio, 2008a). Na perspectiva de Dabrowski, pessoas que “desmoronam” precisam encontrar um meio de se “reconstruírem”, quer seja reintegrando seu estado anterior ou demonstrando crescimento ao reintegrar um nível de funciomento novo e melhor. Tristemente, às vezes o desfecho desse processo pode levar ao colapso crônico e desintegração. A conversão da depressão existencial, e sua desintegração resultante, em positiva ou negativa dependerá de muitos fatores.
Focarei minha discussão aqui nas características das pessoas, especialmente as superdotadas, que podem levar à depressão existencial espontânea, relacioná-las à teoria de desintegração positiva de Dabrowski, bem como a outras teorias psicológicas, e então discutir algumas formas específicas de lidar com esse tipo de depressão.
História
Um psiquiatra polonês e psicólogo, Kazimierz Dabrowski, trabalhou e escreveu prolificamente sobre suas ideias nos anos de 1929 até sua morte, em 1980, vivendo parte de sua vida nos Estados Unidos e no Canadá, bem como na Europa. Entretanto, ele permanece largamente desconhecido na América do Norte, apesar de suas tantas publicações e mesmo tendo sido amigo de psicólogos influentes tais como Maslow e Mowrer. Embora sua teoria de desintegração positiva seja altamente relevante para entender a depressão existencial – além de muitas outras questões – eu mesmo não tomei conhecimento do trabalho de Dabrowski até cerca de 10 anos atrás.
Mas muito antes de conhecer a teoria de Dabrowski, eu já conhecia e compreendia a depressão existencial. Na verdade, eu a conhecia num nível pessoal, pois a vivi. Como tantos outros líderes em tantas áreas, particularmente aqueles homens e mulheres que têm uma profunda paixão por uma causa particular – seja conectada à religião, governo, saúde, meio-ambiente, educação – eu a experienciei porque vi como o mundo não era como deveria ou poderia ser. Houve vários períodos em minha vida em que estive tão “para baixo” que era verdadeiramente um esforço enxergar qualquer felicidade à minha volta. O resultado foi que, agora, sempre que penso sobre depressão existencial, isso reaviva minhas memórias, trazendo à consciência pensamentos e sentimentos que, na maior parte do tempo, eu preferiria ignorar ou evitar – pensamentos de impotência e desespero para o nosso mundo.
Eu me dei conta de que uma vez que alguém se torne consciente e envolvido em pensamentos sobre as muitas questões existenciais, esse alguém não consegue voltar à vida que tinha antes desse processo. Como diz o ditado, “Uma vez que você toque o sino, não pode destocá-lo.” Como tantos outros, eu continuo a me esforçar para administrar a impacto que essas questões têm sobre mim, bem como a depressão que geralmente as acompanha. Na verdade, essa depressão crônica e subjacente não é necessariamente uma coisa ruim, afinal de contas, ela reflete minha insatisfação com o modo como as coisas são, com o modo como sou, e com o modo como o mundo é, e me leva a continuar lutando para fazer melhor, de modo a dar sentido à minha vida e a ajudar outros a encontrarem sentido. Mas admito que, às vezes, invejo as pessoas que nunca experimentaram esse tipo de depressão.
As ideias de Dabrowski me deram um embasamento cognitivo útil para entender a depressão existencial, do mesmo modo que certamente ajudou outras pessoas. E embora minha descoberta relativamente recente da teoria de desintegração positiva de Dabrowski seja nova em comparação ao meu entendimento de outras teorias da psicologia, essas outras teorias são também úteis em proporcionarem um embasamento de compreensão da depressão existencial. Afinal, questões existenciais não são novas; o pensamento existencial aparece em escritas de muitos séculos atrás.
A primeira vez que me tornei consciente das questões existenciais foi quando eu era calouro na faculdade e dividi o quarto com um aluno que era mais velho que eu – na casa dos trinta anos. Tendo estado na Marinha, ele era muito mais experiente em relação a muitos tipos diferentes de pessoas e às muitas diferentes maneiras com que as pessoas decidiam viver suas vidas. Ele era um agnóstico reflexivo. Eu, por outro lado, tinha crescido no Extremo Sul, numa cultura insular que tinha visão limitada e crenças rígidas; meus pais amorosos eram tradicionalmente religiosos e tentaram viver vidas de conformismo, retidão e convencionalidade. Meu pai, um dentista, ganhava bem a vida e nós frequentávamos a igreja aos domingos. Até minha experiência na faculdade, eu achava que a vida da minha família era o modo como as coisas deveriam ser; eu achava que todos deveriam compartilhar daqueles mesmos valores, comportamentos e visão de mundo.
Meu colega de quarto, a quem devo muita gratidão, pacientemente me ouvia enquanto eu tentava persuadí-lo da validade e correção das minhas visões limitadas, ao que ele gentilmente fazia perguntas que me faziam pensar de formas que eu nunca havia considerado. Ele sutilmente apontava as arbitrariedades e falta de sentido na maneira com que as pessoas, incluindo eu, viviam suas vidas, bem como as inconsistências e grandiosidade narcísica nas crenças de muitas dessas pessoas. Ele me apresentou à obra Cândido (ou O Otimismo), de Voltaire, e a filósofos como Sartre, Nietzsche e Kierkegaard. Foi tudo um choque para mim, pois até aquele ponto eu achava que tinha o mundo muito bem desvendado.
No meu curso de formação, também fui exposto a alguns dos mais conhecidos teólogos existenciais – Paul Tillich (Protestante), Jacques Maritain (Católico), Martin Buber (Judeu), James Pike (Protestante) e Alan Watts (Zen Budista) – todos os quais estavam tentando dar sentido à vida a partir de um ponto de vista religioso. Enquanto eu estudava e aprendia, comecei a ver por mim mesmo as hipocrisias e absurdidades nas vidas de tantas pessoas ao meu redor, incluindo meus pais e a mim mesmo, e me tornei muito deprimido. Felizmente, um professor de psicologia gentil e acolhedor permitiu que eu o encontrasse por várias sessões seguidas para falar sobre minha angústia e desilusão, ou eu teria implodido. Graças a esse professor, que salvou minha vida de tantas formas, eu lentamente comecei o processo de aprender a administrar meu descontentamento e depressão para que isso pudesse trabalhar a meu favor em vez de contra mim. Mudei meu curso para psicologia e, na faculdade, aprendi que muitos outros antes de mim – certamente aqueles que eram introspectivos e pensadores idealistas – tinham lutado com questões existenciais similares e com a depressão existencial através dos séculos.
Enquanto eu estava na faculdade, o psicólogo humanista Rollo May editou um livro chamado “Existência: Uma Nova Dimensão em Psiquiatria e Psicologia” (1967). Esse livro trouxe à tona uma área inteira da psicologia que tratava de questões existenciais. May se tornou um dos disseminadores mais conhecidos sobre psicologia existencial, e o livro continua sendo um clássico. Foi desenvolvido a partir dos escritos de Martin Heidegger, que enfatizava a fenomenologia – os fenômenos de ‘estar consciente da própria consciência do momento’. Heidegger escreveu sobre Dasein, ou “estar lá, estar aí no momento, consigo mesmo”, e sobre a percepção do mundo. Outros escritores no livro histórico de May focaram nas aplicações da consciência existencial para a psicanálise e psicoterapia, levantando questões fundamentais para terapeutas tais como, “Como sei se estou vendo o paciente como ele realmente é, em sua própria realidade, em vez de meramente a projeção de nossas teorias sobre ele?” ou “Como podemos saber se estamos vendo o paciente em seu próprio mundo… que para ele é único, concreto e diferente das nossas teorias de cultura?” (May, 1967, p. 3-4). Ou, dito de outra forma, “…o que é abstratamente verdade, e o que é existencialmente real para essa dada pessoa?” (p. 13). Como terapeutas, nós nunca participamos diretamente do mundo dos nossos pacientes, e ainda assim precisamos encontrar um meio de existir nele, com eles, se quisermos ter alguma chance de verdadeiramente conhecê-los. Nós experienciamos o mundo do nosso próprio modo, com a nossa própria família e na nossa própria cultura. Nas nossas tentativas de entender os outros, nós generalizamos a partir das nossas próprias experiências e esperamos que os outros pensem, reajam e sejam como nós. Como podemos ver o mundo como nossos clientes o veem?
Embora muitos novos psicólogos e psiquiatras existenciais fossem neo-Freudianos, diferiam notavelmente quanto ao foco em relação a Freud. Em vez de se concentrarem no passado do paciente, pioneiros tais como Otto Rank também focavam no presente. Karen Horney enfatizou “abordagens culturais” e “ansiedade básica por sentir-se isolado e impotente”. E Harry Stack Sullivan destacou a importância das próprias experiências da pessoa nos relacionamentos interpessoais no “aqui e agora”, bem como o que essa pessoa teria aprendido de seu ambiente familiar. Esses neo-Freudianos acreditavam que apenas considerando o presente e a experiência atual do sujeito é que poderíamos entender aquela pessoa. Na verdade, eles estavam edificando algo a partir de conceitos ainda mais anteriores, de filósofos e teólogos que se esforçaram em compreender o sentido da existência, bem como de que forma as percepções do sujeito dariam cor à vida dele – filósofos desde a época de Sócrates – em seus diálogos – e Santo Agostinho – em suas análises do eu.
Superdotação e Questões Existenciais
É bem sabido que muitos artistas e músicos famosos experienciaram depressão existencial (Goertzel & Hanson, 2004; Piirto, 2004). Pessoas eminentes que sofreram desse tipo de depressão incluem Ernest Hemingway, William Faulkner, Charles Dickens, Joseph Conrad, Samuel Clemens, Henry James, Herman Melville, Tennessee Williams, Virginia Woolf, Isak Dinesen, Sylvia Plath, Emily Dickinson, Edna St. Vincent Millay, Eleanor Roosevelt, Abraham Lincoln, e Dag Hammarskjöld. Na verdade, o famoso brilhante matemático, físico e filósofo do século 17, Blaise Pascal (1623-1662), captou integralmente a experiência da depressão existencial ao dizer, “Quando considero o curto tempo da minha vida, tragado pela eternidade antes e por trás dela, o pequeno espaço que ocupo, ou mesmo vejo, engolido na imensidão infinita dos espaços aos quais eu não conheço, e aos quais não me conhecem, tenho medo, e imagino me ver aqui em vez de lá; pois não há motivo para que eu esteja aqui em vez de lá, nem para que seja agora em vez de antes” (Pascal, 1946).
Yalom (1980), que talvez seja o escritor ocidental atualmente mais lido sobre psicoterapia existencial, descreve quatro questões primárias da existência (ou “preocupações cruciais”) – morte, liberdade, isolamento e falta de sentido. A morte é uma ocorrência inevitável. A liberdade, num sentido existencial, refere-se à ausência de estrutura externa – ou seja, os humanos não adentram um mundo que seja herdadamente estruturado. Nós devemos dar ao mundo uma estrutura, que nós mesmos criamos. Portanto, temos hábitos sociais e tradições, educação, religião, governos, leis, etc. O isolamento reconhece que não importa o quão próximos nos tornamos de outra pessoa, nós nunca conheceremos aquela pessoa completamente e ninguém poderá fundamentalmente vir a nos conhecer; uma lacuna sempre existirá, e nós estamos, portanto, ainda sozinhos. A quarta questão primária, a falta de sentido, deriva-se das três primeiras. Se devemos morrer, se na nossa liberdade nós devemos arbitrariamente construir nosso próprio mundo, e se cada um de nós está em última instância sozinho, então que sentido absoluto a vida tem?
As pessoas são geralmente afetadas por questões existenciais como resultado de suas próprias experiências de perplexidade por tentar entender a si mesmos e ao mundo, que então gera sentimentos de solidão e depressão existencial. As pessoas que se preocupam com isso raramente são aquelas nas faixas mais baixas da inteligência ou mesmo as que estejam num nível mediano. Pela minha experiência, a inquietação existencial, ou ruminação e depressão existencial são muito mais comuns (embora não exclusivas a) em pessoas com alto nível de inteligência – aquelas que ponderam, questionam, analisam e refletem. Isso não é surpreendente, uma vez que a pessoa tenha que engajar em um nível de pensamento substancial de reflexões para sequer considerar tais noções. Pessoas que rasamente engajam em aspectos superficiais cotidianos da vida – trabalho, refeições, tarefas domésticas e afazeres – não tendem a empregar o tempo pensando sobre esses tipos de questões. Indivíduos mais inteligentes são geralmente mais impelidos a buscar por regras ou respostas universais, e também a reconhecer injustiças, inconsistências e hipocrisias.
Outras características de crianças e adultos superdotados também os predispõem à angústia existencial. Devido ao fato de que pessoas mais inteligentes são mais capazes de enxergar as possibilidades de como as coisas poderiam ser, elas tendem a ser idealistas. Contudo, estas pessoas também são simultaneamente capazes de ver que o mundo passa longe dos seus ideais. Infelizmente, esses visionários também reconhecem que sua capacidade de fazer mudanças no mundo é muito limitada. Por serem intensos, esses indivíduos superdotados – tanto crianças quanto adultos – sentem fortemente o desapontamento e frustração que ocorre quando seus ideias não são atingidos.
Eles notam duplicidade, pretensão, arbitrariedade, insinceridades e absurdidades na sociedade e no comportamento dos que os cercam. Eles podem questionar ou desafiar a tradição, particularmente aquelas que pareçam sem sentido ou injustas. Eles podem perguntar, por exemplo, “Por que há restrições tão inflexíveis quanto ao sexo ou idade das pessoas?” Há aguma razão justificável do porquê homens e mulheres “deveriam” agir de certa forma? Por que as pessoas engajam em comportamentos hipócritas em que dizem uma coisa mas fazem outra?” As pessoas dizem que se preocupam com o meio ambiente, mas seus comportamentos mostram o contrário. Por que as pessoas dizem coisas que não sentem de verdade? Elas te cumprimentam com um ‘Tudo bem?’, quando, na verdade, não querem realmente saber como você está. Por que há tantas pessoas tão desconsideradas e brutas no trato com os outros? E com o nosso planeta? Os outros estão realmente preocupados em melhorar o mundo, ou trata-se apenas de egoísmo? Por que as pessoas se conformam com a mediocridade? As pessoas parecem fundamentalmente egoístas e tribais. Quanta diferença alguém pode fazer? Tudo parece perdido, irremediável. O mundo já era. As coisas só pioram a cada dia. Eu sozinho jamais serei capaz de fazer a diferença.” Esses pensamentos são comuns em crianças e adultos superdotados.
Tão cedo quanto a primeria série, algumas crianças superdotadas, particularmente as de inteligência substancialmente mais elevada, sofrem com esses tipos de questões existenciais e começam a se sentir distantes, alienadas de seus pares. Quando tentam compartilhar seus pensamentos e preocupações existenciais com os outros, são geralmente recebidos com reações que vão de perplexidade a hostilidade. O próprio fato de crianças levantarem tais questões é um desafio à tradição e impele os outros a se esquivarem ou rejeitarem essas crianças. Elas logo percebem que a maioria das pessoas não compartilha de suas preocupações e, em vez disso, estão mais focadas em assuntos concretos e em adequar-se às expectativas sociais. O resultado para esses jovens superdotados é o conflito, tanto consigo mesmos quanto com aqueles à sua volta. Mas, como George Bernard Shaw uma vez disse, “O homem sensato se adapta ao mundo; os insensatos persistem em tentar adaptar o mundo a eles. Portanto, todo progresso depende do homem insensato.”
Conforme ficam mais velhas, estas crianças podem achar que até mesmo sua família não esteja preparada para considerar tais preocupações de peso. Elas “podem ter que procurar longe e por muito tempo até encontrarem outros que compartilhem seus interesses esotéricos ou mesmo encontrar alguém que ria de suas piadas não-convencionais. Esses desafios acompanham jovens adultos superdotados no local de trabalho, onde as posições que ocupam podem resultar em perderem-se na multidão, incapazes de encontrar outros com quem possam sentir um senso genuíno de conexão” (Fiedler, 2008, p. 170).
Embora queiram se relacionar com as outras pessoas, indivíduos superdotados geralmente encontram o que Arthur Jensen (2004) descreveu como uma “zona de tolerância” intelectual – ou seja, para que possam ter um relacionamento duradouro e significativo com outra pessoa, tal indivíduo precisaria estar num raio de cerca de 20 pontos no QI para mais ou para menos em relação a eles. Fora dessa zona, haverá diferenças na velocidade de pensamento e na profundidade ou leque de interesses, que provavelmente levarão à impaciência, insatisfação, frustração e tensão para ambos os parceiros.
Crianças e adultos superdotados ficam geralmente surpresos em perceber que são diferentes. É doloroso quando os outros os criticam por serem excessivamente idealistas, sérios, sensíveis, intensos, impacientes ou por seu senso de humor estranho. Crianças superdotadas, particularmente, ao entrarem na adolescência, podem se sentir muito solitárias num mundo absurdo, arbitrário e sem sentido, ao que se sentem impotentes para mudar. Podem sentir que os adultos no controle não merecem a autoridade que usufruem. Como uma criança descreveu, eles se sentem “como aliens abandonados esperando que a nave-mãe venha resgatá-los e levá-los pra casa” (Webb, Amend, Webb, Goerss, Beljan, & Olenchak, 2005, p. 136). Essa alienação cria questões sociais e emocionais para eles em relação a seus pares, bem como em relação a seus professores, o que só aumenta a possibilidade de depressão.
Quando sua intensidade é combinada com multi-potencialidades – superdotação em várias áreas – esses jovens podem também se sentir frustrados com suas limitações existenciais de espaço e tempo. Embora tentem embutir 27 horas que valham a pena ser vividas num dia de 24 horas, simplesmente não há tempo o suficiente para desenvolver todos os talentos e interesses que possam ter. Eles têm que fazer escolhas, mas as escolhas dentre tantas possibilidades parecem injustas porque parecem relativas; não há a “escolha certa”. Escolher uma faculdade ou vocação é difícil quando se está tentando decidir entre paixão e talento em áreas tão diversas quanto violino, genética, matemática teórica ou relações internacionais. Como alguém pode ser tudo o que pode ser? Na verdade, ninguém pode ser o que “poderia” ser em todas as áreas. Dar-se conta disso pode ser muito frustrante.
A reação de jovens superdotados (novamente com intensidade) a essas frustrações é geralmente a de justa indignação – eles sentem, “Não está certo!” ou “Não é justo!” Mas eles logo descobrem que sua fúria é tola; eles percebem que é inefetiva quando direcionada ao “destino” ou a outras circunstâncias que não possam controlar. A raiva que é impotente evolui rapidamente para a depressão. É um tipo de “impotência aprendida”, uma frase cunhada pelo psicólogo Martin Seligman (1991). “Sou impotente; não posso resolver isso.”
Em tal depressão, as pessoas tipicamente – e geralmente desesperadamente – tentam descobrir algum senso de significado, alguma âncora a que se apegarem que as permita puxarem-se para fora do lamaçal de injustiça. Frequentemente, no entanto, quanto mais tentam lutar para fora – ou para dentro – da depressão, mais conscientes se tornam de que suas vidas são breves e finitas, que estão sozinhos e são apenas um pequeno organismo num mundo vasto, e que há uma liberdade e responsabilidade ameaçadoras acerca de como se decide viver a própria vida. Elas se sentem desiludidas, e se perguntam o sentido da vida, geralmente com questões do tipo “Isso é tudo o que há na vida? Não há alguma grande verdade universal? A vida só tem sentido se eu der sentido a ela? Sou um organismo pequeno e insignificante sozinho num mundo absurdo, arbitrário e caprichoso onde minha vida tem pouco impacto, e então eu simplesmente morro. Não há nada mais além disso?” Perguntas assim promovem um senso de desintegração pessoal.
Tais preocupações não são surpresa em adultos reflexivos que estejam passando por algum tipo de crise de meia-idade. Contudo, é alarmante quando tais questões existenciais ocupam a mente de alguém com 10, 12 ou 15 anos. Tais questões existenciais em crianças requerem atenção cuidadosa, pois podem ser precursoras para o suicídio.
Questões Existenciais e a Teoria de Dabrowski¹
¹Dabrowski foi um psicólogo e psiquiatra polonês (1902 – 1980)

Kazimierz Dąbrowski
Dabrowski inferiu que indivíduos superdotados são mais prováveis de experienciarem depressão existencial; vários conceitos em sua teoria de desintegração positiva explicam por que crianças e adultos superdotados podem estar predispostos a esse tipo de depressão (Mendaglio, 2008b).
Fundamentalmente, Dabrowski notou que pessoas com um maior “potencial desenvolvimental” – uma dotação inata, constitucional, que inclui um alto nível de reatividade do sistema nervoso central chamado hiperexcitabilidade – têm maior consciência da extensão da vida e das diferentes formas com que as pessoas podem vivê-la, mas esse potencial desenvolvimental maior também as predispõem a crises emocionais e interpessoais. Pessoas com hiperexcitabilidades aumentadas em uma ou mais das cinco áreas listadas por Dabrowski – intelectual, emocional, imaginativa, psicomotora e sensual – percebem a realidade de forma diferente, mais intensa, multifacetada. Elas são provavelmente mais sensíveis que as outras pessoas às questões internas e em relação ao mundo à sua volta e reagem mais intensamente a essas questões. À medida em que tiverem hiperexcitabiidade intelectual, mais provavelmente ponderarão e questionarão. A hiperexcitabilidade emocional as faria mais sensíveis a questões de moralidade e justiça. Sua hiperexcitabilidade imaginativa as tornaria mais visionárias sobre como as coisas poderiam ser. Sobretudo, suas hiperexcitabilidades as ajudam a viver vidas multifacetadas e cheias de nuances, mas estas mesmas hiperexcitabilidades também as tornam mais sensíveis às questões existenciais.
Dabrowski também enfatizou o papel da socialização, ao que chamou de “segundo fator”, como uma força chave influenciando o desenvolvimento pessoal, embora a quantidade de influência de uma cultura varie de acordo com o potencial inato de cada um. Entretanto, o ambiente social geralmente esmaga a autonomia, e um “ajustamento a uma sociedade que é “primitiva e confusa” em si mesma é adesenvolvimental [ou seja, prejudica o desenvolvimento] e refreia o sujeito em descobrir sua essência individual e exercitar a escolha ao moldar e desenvolver o seu eu…” (Tillier, 2008, p. 108). Mesmo assim, quando o sujeito se torna mais consciente do escopo e complexidade da vida e de sua cultura, este sujeito passa a experienciar dúvida sobre si mesmo, ansiedade e depressão; Dabrowski enfatizou que todas essas coisas – por mais desconfortáveis que sejam – são passos necessários para o caminho do desenvolvimento elevado. Assim, à medida em que a pessoa se torna mais consciente do que “deveria ser” em vez de apenas do que “é”, ele ou ela experimentará crescente desconforto e desilusão, geralmente levando a uma desintegração pessoal que, segundo Dabrowski, é um passo necessário até que se possa reintegrar-se num nível mais alto de aceitação e entendimento – um novo nível representando crescimento.
Porém, reintegração em um nível mais alto não é uma certeza. Se alguém é ou não capaz de se reintegrar vai depender do que Dabrowski chamou de o “terceiro fator” – uma força interna, inata, que impele as pessoas a se tornarem mais auto-determinadas e a controlarem seus comportamentos através de sua matriz de crenças/valores internos, em vez de através de convenções sociais ou mesmo de suas necessidades biológicas. Esse terceiro fator permite às pessoas viverem suas vidas de forma consciente e deliberada, agindo em conformidade com seus próprios valores. A dinâmica do terceiro fator direciona as pessoas à introspecção, auto-educação e auto-desenvolvimento, e as permite reintegrarem-se num nível maior para que assim possam transcender o seu entorno sob uma luz de elevada moral e altruísmo. Alguns indivíduos, contudo, podem se desintegrar e falhar em reintegrar-se a um nível mais alto, ou podem permanecer no mesmo nível de antes.
As descrições que Dabrowski sobre integração e desintegração são importantes, mas também complexas. Então, decorrerei apenas acerca daquelas mais relevantes à questão da depressão existencial. Na visão de Dabrowski, há dois tipos de integração – primária e secundária – e quatro tipos de desintegração – positiva, negativa, parcial e global.
A integração primária caracteriza indivíduos que estejam largamente sob influência do primeiro fator (biologia) e do segundo fator (ambiente). Esses indivíduos experienciam o ciclo de vida humana e podem se tornar bem-sucedidos em termos sociais, mas não são totalmente desenvolvidos como seres humanos. As pessoas caracterizadas pela integração secundária são influenciadas primariamente pelo terceiro fator; são voltadas para o seu interior e guiadas por seus valores internos. Totalmente desenvolvidos como seres humanos, eles vivem de forma autônoma, autêntica e altruísta. Motivações biológicas são sublimadas em formas mais elevadas de expressão. Conformidade e não-conformidade a normas sociais são consistentes. O movimento da integração primária para a secundária surge da desintegração positiva. (Mendaglio, 2008b, p. 36)
A desintegração positiva compreende um processo em duas etapas. Primeiro, a integração primária mais baixa – que envolve pouca, se alguma, reflexão – deve ser dissolvida; subsequentemente, a pessoa deve reintegrar-se para criar um nível mais elevado de funcionamento (Dabrowski, 1970). Durante a primeira etapa de dissolução, os indivíduos experienciam “…conflitos internos e externos intensos que geram poderosas emoções negativas. Tal experiência pode ser inicialmente acionada por marcos de desenvolvimento, tais como puberdade, ou crises, como um divórcio doloroso, um evento difícil na carreira ou a morte de alguém querido. Como resultado, o indivíduo se torna cada vez mais consciente de si mesmo e do mundo. E se torna cada vez mais angustiado à medida em que percebe a discrepância entre a maneira com que o mundo deveria ser e como de fato é…” (Mendaglio, 2008b, p. 27). O modo com que essas pessoas veem o mundo é arremessado na ambiguidade e turbulência, juntamente com a linha de orientação interna que elas impensadamente adotaram da sociedade para guiar seus comportamentos diários. A estrutura externa em que estão mergulhadas se torna contraditória ou sem sentido quando confrontada com experiências individuais articuladas e conscientes.
Como as pessoas só podem suportar o conflito e a ambiguidade por um período relativamente curto de tempo, elas irão criar uma nova organização mental ao tentarem reduzir a ansiedade e o desconforto. Contudo, esse novo esquema mental pode ser apenas parcialmente bem-sucedido; esses indivíduos podem se perceber conscientes das inconsistências e pretensões de suas novas formas de pensar, embora tentem desesperadamente convencer a si mesmos do contrário. Eles experimentam, então, apenas a parte da dissolução no processo – sem reintegrarem-se em um nível superior – deixando-os com a desintegração negativa e os conflitos e emoções negativas que a acompanham. Pior, eles são incapazes de retornar ao seu estado anterior de irreflexão (“o sino foi tocado”). Alguns indivíduos, geralmente aqueles com integração inicial substancial e potencial limitado de desenvolvimento, irão regredir e se reintegrar ao seu estado anterior; outros se encontrarão presos na desintegração – uma situação séria que Dabrowski diz poder levar à psicose e suicídio.
De acordo com Dabrowski, algumas pessoas são, de fato, incapazes de cumprir ambas as partes do processo – tanto a desintegração quanto a subsequente integração positiva. Elas desenvolvem uma aceitação de sua auto-consciência e auto-direção de maneiras que lhes permitam selecionar valores que transcendam a cultura imediata e que serão, dali em diante, focados em princípios mais altruístas, humanistas e universais. Elas podem descobrir uma nova vocação onde possam usar sua visão altruísta ou mesmo um novo parceiro com quem possam compartilhar seus novos valores. Essa organização mental de nível superior permite um maior senso de contentamento pessoal com um esforço para continuar a progredir, embora essas pessoas provavelmente ainda passem por episódios de desintegração, desconforto e reintegração conforme sua consciência continua a crescer.
Outros Teóricos Psicológicos
Há diversos outros teóricos psicológicos cujos trabalhos oferecem conceitos que embasam ou ampliam os de Dabrowski, particularmente à medida em que se identificam com questões existenciais e depressão. O psicólogo George Kelley (1955) observou que os humanos não entram num mundo que seja herdadamente estruturado; nós devemos dar ao mundo uma estrutura que nós mesmos criamos. Assim, criamos construtos¹ psicológicos, muitos através da linguagem, para dar sentido às nossas experiências no mundo. [¹ Construto = ideia, conceito; termo usado em psicologia para se referir à criação de um modelo mental subjetivo para conceituar algo; o amor e a personalidade seriam exemplos de construtos; nota do tradutor.]
O homem olha para o seu mundo através de moldes transparentes que ele cria e, então, os tenta encaixar nas realidades das quais o mundo é composto. (p. 8-9)
Construtos são usados para previsões das coisas que virão, e o mundo segue e vai revelando essas previsões como corretas ou equivocadas. Isso provê a base para a revisão de construtos e, eventualmente, de sistemas de construtos completos. (p. 14)
Os teóricos da Gestalt, tais como Fritz Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman enfatizaram duas ideias centrais: (1) todos nós existimos num tempo presente experimental, que está integrado a uma teia de relacionamentos; (2) portanto, só podemos nos conhecer em sobreposição a um fundo de como nos relacionamos com as outras coisas – por exemplo, uma relação de figura e fundo² (Perls, Hefferline, & Goodman, 1972). Eles também pontuaram que os humanos têm uma tendência inata a buscar encerramento/conclusão e, por isso, têm pouca tolerância à ambiguidade. Do mesmo modo, o pouco-conhecido teórico Prescott Lecky (1969) hipotetizou que que os humanos nascem com um desejo instintivo de buscar consistência como forma de dar sentido ao mundo à sua volta, uma noção que é similar à observação de Leon Festinger (1957) de que humanos se esforçarão arduamente para reduzir a tensão psicológica desconfortável criada por “dissonância cognitiva” que surge se temos uma inconsistência entre nossas crenças e comportamentos.
² Figura e fundo: termo da Gestalt que trata da percepção humana, geralmente representado com uma forma branca em frente a um fundo preto ou vice-versa, que forma uma ou outra figura dependendo de qual das perspectivas o observador adota: no desenho abaixo, ao focar na parte branca vê-se um vaso, mas ao focar na parte preta, vê-se dois rostos de perfil; outro exemplo seria a figura a seguir, onde pode-se tanto ver uma grande cabeça que lembra a de um índio ou um esquimó entrando numa passagem escura ou caverna; notas do tradutor.
O neo-Freudiano Alfred Adler postulou que as pessoas, em suas tentativas de adquirir domínio sobre o seu mundo, criam “finalismos ficcionais” – conceitos inventados que não podem ser provados, mas mesmo assim as pessoas organizam suas vidas em torno desses conceitos como se fossem verdade (Hoffaman, 1994). Como a verdade absoluta está além da capacidade humana, nós criamos verdades parciais sobre coisas que não podemos ver, provar ou desprovar. Exemplos vão de assuntos inocentes (como o Papai Noel) a ideias filosóficas arrebatadoras (como “Podemos controlar nosso próprio destino” ou “Há um céu para os bons e um inferno para os pecadores”). Esses finalismos ficcionais amenizam nossa ansiedade e nos ajudam a sentirmo-nos mais no controle do nosso mundo. Preferimos o conforto da certeza dogmática ao caos do questionamento ou da insegurança e incerteza do desconhecido. Como Freud observou, “Todas as fantasias para satisfazer ilusões derivam de ansiedades” (1989, p. 16); estas são tentativas de nos sentirmos no controle de nós mesmos e do mundo à nossa volta.”
O teólogo existencialista Paul Tillich (1957) fez uma observação similar sobre os humanos, que o fez redefinir Deus e religião. Segundo Tillich, Deus seria o que quer que a pessoa tivesse como preocupação maior, e religião seria composta de quaisquer comportamentos em que a pessoa engajasse para atingir aquela preocupação maior. Em outras palavras, o Deus de uma pessoa poderia ser dinheiro, ou religião, ou poder, ou controle, ou fama – o que quer que a pessoa criasse para tentar organizar a própria vida.
Todos esses teóricos confortavelmente concordariam que as pessoas buscam grupos e parceiros que dividam os mesmos interesses, que geralmente leva a uma falsa, mas reafirmada certeza. Esses grupos podem abraçar causas religiosas ou políticas, por exemplo – todas das quais podem ser altruístas e benevolentes, mas que irão requerer uma certa dose de conformidade e enquadramento às custas do nosso individualismo. A conformidade pode ser reconfortante; ser um indivíduo, particularmente se essse individuo desafia tradições, é desconfortável. Dabrowski claramente acreditava que uma pessoa não pode evoluir para uma pessoa totalmente desenvolvida e autêntica sem que desenvolva uma base consciente, única e individualista de crenças e valores. Ele também entendia que essa estrada é árdua e repleta de desconforto e dor. O indivíduo precisa primeiro se desintegrar antes de poder se reintegrar num nível superior, e o processo de desintegrações e reintegrações subsequentes provavelmente continuará ao longo da vida.
Uma Jornada Através da Depressão Existencial
A maioria de nós cresceu em famílias com comportamentos e tradições previsíveis. Membros da família são como planetas num sistema solar que alcançaram um equilíbrio quanto a como interagem entre si. As regras de interação são razoavelmente claras, e o ambiente familiar é previsível. Nessas famílias é que adquirimos expectativas sobre nós mesmos e sobre o mundo à nossa volta, e é onde desenvolvemos nossos valores e crenças sobre como as coisas “deveriam ser”.
Contudo, nossas famílias não são sempre um lugar de perfeita aceitação e felicidade; crianças fazem coisas que desagradam os pais, e os pais não satisfazem todos os desejos dos filhos (nem deveriam, necessariamente). Quando os filhos se sentem magoados, eles começam a se recolher para dentro de si mesmos e a criar barreiras de proteção. Eles já não são mais tão abertos quanto foram uma vez; eles se tornam mais avaliativos e cautelosos – tudo parte do processo de tornar-se um indivíduo, separado dos pais e da família.
À medida que os filhos crescem, eles vão sendo expostos a pessoas de fora da família, e descobrem que os outros não compartilham as mesmas expectativas, valores e comportamentos. Perguntas surgem. “Por quê? Quais sistemas de valores e comportamentos são melhores? Qual é o certo? Como escolher?” Eles veem que alguns comportamentos dos outros são completamente opostos à forma com que foram criados.
Quanto mais inteligente a pessoa, mais provável será que tome consciência do quanto a sua própria crença/sistema de valores é inconsistente em relação a dos outros. Ela pode também observar inconsistências em sua própria crença/sistema de valores – seus valores estão fora de sincronia com seus sentimentos! Tensão e desconforto surgem. A pessoa pode experimentar um conflito de aproximação-evitação sobre tal conscientização. Por um lado, essa pessoa deseja tornar-se mais consciente de tais inconsistências e absurdidades para ser justa e coerente e para aprender formas melhores de existir, mas, por outro lado, ela vai querer evitar tal consciência por que isso a deixa desconfortável e a desafia a examinar a si mesma – o que nem sempre é uma coisa agradável de se fazer – à medida em que tenta viver uma vida mais reflexiva, sólida e repleta de significado. Estes indivíduos adotam uma ou uma combinação de estratégias de enfrentamento primeiro descritas pela neo-Freudiana Karen Horney (1945):
(1) seguir adiante – aceitando as tradições sociais; conformismo; se engajando no sistema para se tornar bem-sucedido.
(2) distanciar-se – rejeitar a sociedade tradicional via alienação; ser não-tradicional e excêntrico.
(3) opor-se – rejeitar a sociedade com rebeldia; ser bravo e abertamente não conformista.
À medida em que estas pessoas adquirem mais experiência de vida, suas perspectivas se alteram. Elas reconhecem que Sócrates estava certo quando disse, “A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida.” Porém, examinar a vida pode ser incômodo. Para muitos, certos marcos existências são experiências de despertar – por exemplo, aniversários (fazer 21, 30, 40, etc.) e datas comemorativas; reuniões de ex-amigos de escola ou faculdade; casamentos e funerais; planejamentos imobiliários ou fazer um testamento. As pessoas descobrem que desejam mudar a forma com que vivem suas vidas para que não estejam simplesmente vivenciando os papéis que os outros esperam delas, mas é difícil abandonar velhas tradições e hábitos, bem como a conectividade/sentimento de pertencimento que esses hábitos e práticas oferecem.
As pesssoas descobrem que sempre que desafiam ou violam uma tradição, isso torna os outros desconfortáveis. Nós queremos que as pessoas sejam previsíveis, mesmo que isso signifique que estejam se comportando de maneiras ilógicas e sem sentido. Muitas pessoas vacilam em seus pensamentos e comportamentos; elas podem ver como poderiam ser e como são de fato, mas dar um passo adiante e mudar é difícil. Elas podem também sentir raiva por se perceberem impotentes para fazerem as mudanças que veem como necessárias.
Ao envelhecerem, os desafios desenvolvimentais que as pessoas encontram as fazem progressivamente mais conscientes das questões existenciais e aumentam a probabilidade de depressão existencial. Erikson (1959), Levinson (1986), e Sheehy (1995, 2006) descreveram uma série de estágios da vida adulta, cada qual com tarefas desenvolvimentais associadas a eles. Um resumo dos estágios adultos relevantes propostos por esses pesquisadores pode ser observado a seguir:
- 18-24 anos: “Romper raízes” – sair de casa
- 25-35 anos: “Esforços dos 20 anos” – estabelecer-se como adulto, fazer escolhas profissionais, resolver-se quanto a casamento, filhos, sociedade
- 35-45 anos: “Década do prazo final” – crise de autenticidade, dar-se conta de estar na metade do tempo de vida, reavaliação de si mesmo e dos relacionamentos em que está envolvido, fazer escolhas quanto a tentar com mais garra-desistir-mudar de vida
- 45-55 anos: “Renovação ou resignação” – nova defnição de prioridades, mudar ou renovar relacionamentos, os papéis mudam, as crianças saem de casa, os pais envelhecem ou morrem, mudanças físicas, dar-se conta da própria mortalidade
- A partir dos 55 anos: “Regeneração” – aceitação ou rebelião com a realidade da aposentadoria, amigos/mentores morrem, avaliação de uma vida de trabalho, novo relacionamento com a família, mudanças físicas, aceitação ou rejeição de si mesmo
Embora a maioria das pessoas passe por esses estágios nas idades mencionadas, minha experiência mostrou que adultos superdotados passam pelos sentimentos relacionados a essas fases mais cedo e com mais intensidade. À medida em que passam por isso, estão mais sujeitos a passarem por problemas em relação à harmonia do casamento e comunicação, expectativas e relacionamentos com os filhos, insatisfação com os colegas de trabalho e descontentamento consigo mesmos. Nos termos de Dabrowski, eles experienciam a desintegração, com a depressão existencial como componente principal.
É evidente, portanto, que ser inteligente não necessariamente significa que o indivíduo será feliz e bem-sucedido – e certamente não durante períodos de desintegração. Há mais de 30 anos, a psicóloga May Seagoe (1974) desenvolveu uma tabela onde listou pontos fortes característicos de crianças superdotadas de um lado, e do outro os possíveis desafios ou problemas que são prováveis de surgimento a partir desses pontos fortes. A Tabela 1 é uma tabela similar para adultos superdotados.
Tabela 1. Pontos Fortes Característicos e Dificuldades e Desafios Associados em Adultos Superdotados
Pontos Fortes Característicos |
Desafios e Dificuldades Associadas |
Capaz de ver potencial, tem altas expectativas de si mesmo e dos outros; pensa criticamente. | Necessidade de sucesso e reconhecimento; intolerante; pode buscar padrões excessivamente altos; à frente do seu tempo. |
Adquire e retém informação rapidamente. | Impaciente com a lentidão alheia; podem percebê-lo como “sabe tudo”. |
Grande capacidade de retenção de informação em áreas avançadas; interesses e habilidades diversas; multi-talentoso. | Problemas de decisão de carreira; frustrado com a fata de tempo; sentir-se diferente dos outros; solidão existencial; pode ser percebido pelos outros como controlador. |
Intensa e intrinsecamente motivado; alto nível de energia; persistente; orientado a metas. | Personalidade “Tipo A”; dificuldade em relaxar; resiste a interrupções; pode negligenciar os outros durante períodos de foco em seus interesses; teimosia.
¹Estudos relacionam a personalidade Tipo A com características tais como: idealismo, perseverança, perfeccionismo, nível elevado de stress e ansiedade, impaciência, hostilidade; nota do tradutor. |
Independente e confia em si mesmo; criativo e inventivo; gosta de novos jeitos de fazer as coisas. | Dificuldade em delegar e confiar no julgamento alheio; rejeita o que já é conhecido; abala hábitos ou planos dos outros. |
Busca significado e consistência em sistemas de valores e comportamentos em si e nos outros. | Altamente crítico de si mesmo, talvez depressivo ou cínico quanto aos outros; às vezes mandão e dominador. |
Sensível aos outros; deseja relacionamentos emocionais intensos. | Hipersensível a críticas de seus pares; relacionamentos intensos com mentores resultam em forte desapontamento. |
Foca na causa e efeito; insiste em buscar evidências e provas. | Dificuldade com aspectos humanos não-lógicos, tais como sentimentos, tradições, ou assuntos que sejam guiados pela “fé”. |
Forte senso de humor; capaz de rir de si mesmo. | Humor pode não ser compreendido pelos outros; pode focar em absurdidades das situações; humor pode ser usado para atacar os outros ou mantê-los à distância. |
Esses pontos fortes e dificuldades associadas levam a maioria dos adultos superdotados a enfrentarem ao menos alguns conflitos existenciais, com os quais lutam ao longo da vida (Jacobsen, 2000; Streznewski, 1999). Quatro desses conflitos ocorrem com particular frequência e servem de base para a desintegração pessoal, criando ansiedade significativa e depressão. Eles são:
- Aceitação dos outros X desapontamento e cinismo
- Aceitação de si mesmo X autocrítica excessiva e depressão
- Necessidade de sentimentos X a eficiência da abordagem lógica e racional
- Encontrar sentido pessoal X realizações tangíveis
Para atingir reintegração positiva, a pessoa precisa atingir alguma resolução, ou ao menos um nível de conforto em relação a formas de administrar (não satisfazer) as questões listadas acima.
Aprendendo a Administrar Questões Existenciais e Depressão
Como alguém aprende a administrar questões existenciais? Primeiro, as pessoas precisam conhecer a si mesmas. Adultos superdotados geralmente têm a experiência de estarem “fora de sincronia” em relação aos outros, mas de não entenderem como ou por que são diferentes. Jacobsen (2000) descreve como as pessoas chegaram até ela em sua prática clínica com uma vaga sensação de que eram diferentes; outras pessoas lhes haviam dito repetidamente que eram “muito-muito” – ou seja, muito sérias, muito intensas, muito complexas, muito emocionais, etc. Contudo, à medida em que esses adultos superdotados passaram a compreender que tais comportamentos eram normais para pessoas como eles, sua ansiedade sobre tais características diminuiu.
Além de conhecer a si mesmo, também é importante entender-se com as verdades pontuadas há muito tempo pelo filósofo Arthur Schopenhauer. Ele enfatizou a importância de nos conhecermos e nos desenvolvermos, dizendo que:
- O que temos como bens materiais é temporário, transitório e não capaz de nos prover conforto duradouro;
- O que nós representamos nos olhos dos outros é tão efêmero quanto as posses materiais, uma vez que as opiniões alheias podem mudar a qualquer momento; além disso, nós jamais poderemos saber o que os outros realmente pensam de nós;
- O que somos é a única coisa que realmente importa.
Polônio, em Hamlet, de Shakespeare, diz: “Isso acima de tudo: a vós mesmos sejais verdadeiros,/E disto se seguirá, como a noite segue o dia,/que não poderás então ser falso com ninguém.”
Certamente, conhecer a nós mesmos, incluindo nossas próprias falhas, é importante. Conhecer nossos padrões de pensamento também é fundamental. Como Yalom (2008) observou, “A serenidade interna vem de saber que não são as coisas que nos aborrecem, mas nossas interpretações das coisas” (p. 113). “Qual é a nossa conversa interna à medida em que olhamos para o mundo e para as situações nele?”
Em seguida devemos entender como nos relacionamos com os outros. Há muitos anos, Luft e Ingham (1955), reconhecendo que todos nós temos “pontos cegos” no tocante a como vemos a nós mesmos, desenvolveram uma matriz simples que chamaram de Janela de Johari, como uma ferramenta para ajudar as pessoas a entenderem a si mesmas, seus pontos cegos, e suas relações com os outros. Para usar a Janela de Johari, a pessoa recebe uma lista com 55 adjetivos e é instruída a escolher 5 ou 6 deles que melhor descrevam sua personalidade. Pessoas que convivem com aquela pessoa também recebem a mesma lista, e podem escolher 5 ou 6 adjetivos que descrevam a pessoa sendo analisada. Esses adjetivos são então colocados na janela “apropriada” abaixo. A pessoa descobre quais dos adjetivos batem com que outras pessoas escolheram, bem como quais adjetivos elas escolheram diferentemente dos outros. Os resultados podem ser bastante úteis para a auto-compreensão, incluindo como a pessoa é vista pelos outros.
Tabela 2. Janela de Johari (Luft & Ingham, 1955)
Conhecido por si mesmo |
Desconhecido por si mesmo |
|
Conhecido pelos Outros | A
[aberto] |
B
[cego] Decresce nossos pontos cegos através de feedback dos outros |
Desconhecido pelos Outros | C
[escondido] Decresce os itens nessa lista através de mostrar-se |
D
[desconhecido] Decresce essa janela através da introspecção |
Não é o suficiente, porém, simplesmente conhecer a si mesmo. Devemos também nos aceitar e encontrar meios de nos nutrirmos. Abaixo estão alguns princípios que servem como guia, que achei úteis e que tenho compartilhado com outras pessoas:
- O foco mais efetivo na vida é aquele em princípios e valores, em vez de em pessoas.
- Desenvolver a si mesmo irá requerer auto-foco e provavelmente algum narcisismo, mas saiba que existe uma diferença entre narcisismo saudável e patológico.
- Seu desenvolvimento provavelmente incluirá períodos de desintegração e reintegração à medida em que você se encaminha cada vez mais à desintegração positiva.
- Sua jornada certamente fará você e aqueles à sua volta desconfortáveis.
Quando as pessoas que estão passando por uma desintegração sabem o que esperar, como na lista acima, a experiência em si não é mais tão intimidadora e assustadora. Há esperança de que o indivíduo vá se reintegrar de forma positiva, embora a experiência seja desconfortável por um período. Em acréscimo a esse entendimento, há várias estratégias de enfrentamento que podem ser úteis, ao mesmo tempo em que há outros estilos comportamentais que podem parecer úteis mas na verdade não são.
Estratégias e Estilos de Enfrentamento
Lidar com a conscientização crescente das questões existenciais e a depressão que a acompanha pode ser doloroso, e poucas pessoas podem diretamente confrontar a depressão existencial por muito tempo. Como Yalom (2008) escreveu, citando François de La Rochefoucauld de 1600, “Você não pode olhar diretamente para o sol, ou para a morte.”
Como as pessoas tentam lidar com essas questões complexas e tão dolorosas? Alguns estilos adaptivos são claramente menos adaptativos que outros, especialmente quando envolvem estreitamento de pensamento e altos níveis de atividade. Alguns estilos frequentes, embora não tão efetivos, são:
- Tornar-se narcisista. Alguns indivíduos lidam com questões dolorosas em suas vidas através do narcisismo. Seus padrões de pensamento são algo mais ou menos assim: “Eu posso me proteger (temporariamente) de ter que confrontar minha própria mortalidade ao convencer a mim mesmo da minha importância e de que o que eu estou fazendo é extremamente necessário para o mundo.”
- Saber a “verdade”. Do mesmo modo, alguns indivíduos se convencem de que estejam “certos” e de que conhecem a “verdade”. Religiões geralmente facilitam tal atitude. Seu padrão de pensamento é algo do tipo: “Se posso me convencer de que conheço a ‘verdade’ sobre a vida e o significado universal da existência, então posso obter conforto.” Geralmente, essa ilusão acompanha uma intolerância quanto aos questionamentos dos outros, crenças ou estilos de vida.
- Tentar controlar a vida, ou ao menos rotulá-la. Outra estratégia é o controle. “Talvez se eu organizar a mim mesmo e meu pensamento em compartimentos lógicos, controlados, então posso controlar a vida.” Rótulos ajudam, por que dão a ilusão de controle. Se eu tenho poder sobre as coisas ao redor, então tenho poder sobre a minha vida e meu destino.
- Aprender a não pensar. Um outro padrão é ser “não-pensante”. “Às vezes, é simplesmente menos doloroso se eu escolher não pensar sobre coisas que importam, e certamente evitar usar habilidades de pensamento crítico. Ignorarei seletivamente áreas da minha vida. “Isso permite que pontos cegos se desenvolvam ou existam.
- Aprender a não se importar. Conheci crianças e adultos que convenceram a si mesmos a não se importarem; é menos doloroso desse modo. Infelizmente, muitas vezes esse “adormecimento da mente” é conseguido através do álcool, drogas ou outros vícios.
- Manter-se ocupado. Algumas pessoas evitam enfrentar questões pessoas difíceis através de manterem-se ocupadas. Suas vozes internas lhes dizem, “Se eu me mantiver freneticamente ocupado em estado hipomaníaco, então não terei tempo para pensar sobre as coisas, ou sobre o significado dos meus comportamentos.” Às vezes, essas pessoas são “perseguidoras triviais” no sentido de focar em possuir, desenvolver ou criar ninharias ou passatempos prazerosos com pouca preocupação se seus esforços são triviais ou prejudiciais. Outros parecem ter uma compulsão em falar ou agir para superar seu “horror ao vazio” – seus medos de momentos de inatividade, onde seriam forçados a encarar suas próprias questões.
- Busca por adrenalina e novidade. O psicólogo Frank Farley (1991) descreveu um tipo “T” de personalidade, em que o “T” significa ‘thrill’ (emoção da adrelina ao correr riscos, buscar estimulação e excitação). Algumas dessas pessoas podem desenvolver vícios – abuso de substâncias, jogos, compulsão sexual, e outros. Em alguns pontos, comportamentos do tipo “T” são benéficos porque, ao forçar os limites da tradição, essas pessoas podem promover comportamentos criativos. Por outro lado, comportamentos desse tipo podem facilmente se tornar substitutos para relacionamentos íntimos autênticos ou para o auto-exame que agrega significado.
Outros estilos de enfrentamento são mais adaptativos. Eles ajudam a manter o equilíbrio pessoal que aumenta as chances de manejar desintegrações e questões existenciais de forma mais bem-sucedida. São eles:
- Conhecer a si mesmo. Um indivíduo deve “separar o joio do trigo” quando se trata de seus valores e percepções do mundo. Suas características e personalidade únicas devem ser reconhecidas, valorizadas e aceitas. Códigos externos, percepções e entendimento de mundo baseados no exterior – o joio – devem ser peneirados do próprio senso – ainda que deficiente e subdesenvolvido – de mundo do indivíduo.
- Envolver-se em causas. Pessoas que se envolvem em causas são quase sempre idealistas. “Quando estou numa causa com outros, quer seja uma causa acadêmica, política, social ou mesmo num culto, me sinto menos sozinho.” Algumas vezes, no entanto, questões existenciais levam o indivíduo a se enterrar tão intensamente em causas que negligenciam olhar para si mesmos.
- Manter o senso de humor. […] As tragédias diárias que vivenciamos podem ser duras, mas através do humor, podemos acabar conseguindo um senso de alívio e perspectiva. Enquanto as absurdidades da vida podem ser frustrantes e dolorosas, encontrar humor em algum ponto delas pode incitar uma visão das coisas mais pragmática e realista. Ser capaz de rir de certas situações é um recurso muito útil; ser capaz de rir de si mesmo é ainda mais importante. Assim, o senso de humor pode aplacar nossos sentimentos de desespero sobre as questões existenciais. [Se estiver difícil rir sozinho, talvez possa ser uma boa ideia adquirir um livro de piadas, visitar sites de humor ou procurar ‘frases engraçadas’ no Google, pois rir gera substâncias químicas no cérebro que aliviam a dor emocional e a pressão da vida; nota do tradutor.]
- Compartimentalização. Há muitos momentos em que não é tanto o evento que nos estressa, mas nossas interpretações desses eventos – nossa “conversa interna”. Um diálogo interno negativamente intenso sobre uma situação ou sobre a própria vida pode facilmente se tornar um pensamento de “tudo ou nada” ou “sempre” ou “nunca”, que resulta em stress atingindo todas as áreas da vida da pessoa – por exemplo, “Eu nunca vou ser feliz de novo!” ou “Eu sempre me sinto sozinho. Eu nunca vou encontrar alguém com quem eu me identifique, e isso é catastrófico!” A extensão com que um indivíduo se sente miserável depende muito do seu diálogo interno e de conseguirem ou não compartimentalizar ou isolar o stress em seções específicas e, ao menos temporariamente, deixar o local em quarentena. […]
- Relaxar, desapegar-se. Pessoas intensas geralmente tentam impor sua vontade sobre o mundo em praticamente todas as áreas e ainda assim se sentem insatisfeitos ou infelizes com os resultados. Alguns anos atrás, assisti a um filme popular chamado ‘Meu Jantar com André” (1981, título original “My Dinner with Andre”), cujo enredo eram dois amigos conversando sobre suas experiências de vida durante um jantar num restaurante. No filme, Gregory, um diretor de teatro de Nova Iorque e o mais falante dos dois, relata a Shawn suas histórias sobre ter abandonado a escola, viajado pelo mundo e experimentado uma variedade de formas em que as pessoas vivem suas vidas, incluindo um monge que podia equilibrar todo o peso do próprio corpo nas pontas dos dedos. Shawn, que vivia sua vida atolado em cumprimento de prazos e resultados, ouve avidamente, mas questiona o valor do aparente abandono de Gregory quanto aos aspectos realistas da vida. Não há resolução, mas o filme levanta a questão do quanto alguém precisa tentar controlar tanto a própria vida versus ser melhor apenas relaxar e seguir com o fluxo da vida.
- Viver o momento presente. Viver o presente (Dasein) é estar consciente do que está acontecendo com você agora, o que você está fazendo, e o que está sentindo e pensando. É olhar para as situações como elas são, sem colori-las com experiências anteriores. É não se influenciar pelo medo, raiva, desejos ou vínculos. Viver dessa forma torna mais fácil lidar com o que quer que seja no presente. Pessoas em estados desintegrativos geralmente focam pesadamente no passado ou no futuro, que parece tão obscuro, em vez de focarem no presente.
- Focar na continuidade das gerações. Para alguns, focar na continuidade da existência – filhos e netos – é reconfortante; para outros, é perturbador por que veem o mundo como sendo tão repleto de dificuldades que se desesperam em pensar no que seus filhos terão que enfrentar. No entanto, a idade traz perspectivas tais como não mais “suar por coisas pequenas”. E a maioria das pessoas, conforme envelhecem, descobrem que têm sabedoria que possa ser compartilhada com os mais jovens, o que os ajuda a conectar-se ao menos com parte da humanidade. Alguns até escrevem um “testamento de ética” para passar seus valores, ideais e filosofia de vida para seus filhos, netos e outras pessoas mais (Webb, Gore, DeVries, & McDaniel, 2004). A maioria das pessoas, ao chegar ao fim da vida, encontra formas de resolver suas crises existenciais, incluindo a realidade da morte, atingindo algum senso e paz e contentamento.
- Estar ciente da “reverberação”. Recentemente, estive com um amigo que era paciente terminal com um câncer no pulmão, e falamos sobre reverberação – como a influência da vida dele havia reverberado e afetado as vidas de outras pessoas, muitas das quais ele nem conhecia. Me lembrei de uma frase de Yalom (2008) que dizia: “De todas as ideias que surgiram ao longo de todos os meus anos de prática terapêutica para contrapor a ansiedade da morte de alguém e a angústia pela transitoriedade da vida, achei a ideia da reverberação particularmente poderosa” (p. 83). “Cada um de nós cria – geralmente sem conhecimento ou intenção consciente – círculos concêntricos de influência que podem afetar outras pessoas por anos, ou mesmo por gerações” (p.83).
Sobre o Autor

James T. Webb
James T. Webb, Ph.D., autor de diversos livros na área de superdotação, sendo reconhecido como um dos 25 psicólogos mais influentes nacionalmente (nos Estados Unidos) sobre educação para superdotados, e é consultor em escolas, programas e trabalhos individuais sobre as necessidades emocionais e sociais de crianças superdotadas. Em 1981, Dr. Webb fundou a SENG (Apoio às Necessidades Emocionais dos Superdotados), uma organização sem fins lucrativos que oferece informação, treinamento, conferências e workshops, e continua sendo o Presidente da instituição.
Atualização: O Sr. James T. Webb nos deixou em 27 de julho de 2018, aos 78 anos. Sua inestimável contribuição será sempre lembrada com o nosso mais profundo agradecimento.