A Síndrome de Asperger em Mulheres

Revisado e atualizado em Fevereiro de 2022

Os transtornos do espectro do autismo (TEA), que é onde a síndrome de Asperger se insere, foram amplamente estudados em crianças, mas pouco foi feito nesse sentido em relação ao público adulto e menos ainda em relação ao público adulto feminino. No TEA, o perfil que costuma ser referido como “autismo clássico” é o mais prevalente e, consequentemente, o mais estudado, sendo a ocorrência do perfil Asperger muito menor, afunilando ainda mais o número de estudos e materiais para esse público específico até mesmo em crianças, sendo quase inexistente em relação aos adultos.

Prova disso foram as últimas modificações nos manuais médicos de referência diagnóstica (DSM e CID), que aboliram a nomenclatura “Asperger” e incorporaram sua sintomatologia sob o guarda-chuva geral do TEA, passando a considerar a síndrome de Asperger e o autismo clássico de nível 1 (sem comprometimento da fala e do intelecto, ou seja, grau “leve”) como uma coisa só.  É verdade que existem, de fato, mais semelhanças do que diferenças, mas há diferenças importantes que, não sendo observadas, pesam negativamente na vida da pessoa com a síndrome de Asperger, desde a infância até a vida adulta, pois as propostas de apoio escolar e terapêuticas muitas vezes não se encaixam no perfil dessas pessoas, que acabam ficando à deriva na sociedade, sem conseguir encontrar profissionais que compreendam o seu quadro e que sejam capazes de oferecer o tipo de assistência que necessitam.

Por exemplo, é muito mais frequente do que não que a síndrome de Asperger curse com um QI acima da média, que confere a essas pessoas problemas psicológicos e emocionais comumente encontrados em pessoas com superdotação intelectual. Isso não costuma ser o caso na população com autismo clássico leve, cujo QI tende a estar dentro da faixa média normal.

Dentre os estudos feitos acerca da síndrome de Asperger em adultos, a maioria ainda converge para a população masculina, possivelmente devido a dois fatores: 1 – por seguir o “legado histórico do autismo”, que foi estudado basicamente em homens desde o seu descobrimento; 2 – pela maior obviedade dos sintomas nos homens.

Em relação à maior obviedade dos sintomas em homens, temos tanto um teor histórico-cultural, ou seja, enquanto homens estavam constantemente em evidência social, as mulheres costumavam ser mais recatadas e escondidas, como também aspectos da própria biologia masculina e feminina que amplificam ou suavizam certos comportamentos no autismo. Por exemplo, os homens tendem a ter menos jogo de cintura social e maior agressividade no comportamento, enquanto mulheres costumam ser o oposto. Assim, mulheres podem conseguir disfarçar mais seus déficits sociais e reagir menos expressivamente quando contrariadas que os homens. O assunto de interesse, por exemplo, pode ser mais facilmente percebido pela mulher como estranho socialmente, e, assim, elas tendem a ajustar tais interesses a algo que gere menos estranhamento social. A pressão cultural sofrida pela mulher desde o nascimento, que é consideravelmente maior que a do menino, em termos de como deve comportar-se socialmente, pode ser mais um fator a forçar a mulher a suprimir seus traços autistas com muito mais esforço que o homem.

Por todos esses motivos, a síndrome de Asperger em mulheres continua passando mais despercebida que em homens e sendo, consequentemente, menos estudada.

A maioria massiva dos profissionais desconhece tais diferenças e espera encontrar na mulher uma sintomatologia absolutamente idêntica à encontrada no homem com Asperger. Infelizmente, praticamente inexistem estudos nos moldes científicos tradicionais sobre a população feminina com a síndrome de Asperger, e o material disponível ainda é predominantemente anedótico, ou seja, baseado em relatos das próprias mulheres com a síndrome, bem como em relatos de experiência e observação clínica de profissionais da saúde que trabalharam com este público. O único estudo que identifiquei, de caráter mais científico-formal, envolvendo pesquisa com mulheres adultas no espectro do autismo, foi este aqui, intitulado A Behavioral Comparison of Male and Female Adults with High Functioning Autism Spectrum Conditions (Uma Comparação Comportamental de Adultos Homens e Mulheres com Condições Autísticas de Alto Funcionamento), publicado em 13 de junho de 2011, da Universidade de Queensland, Austrália, sem versão em português. Note que o estudo não é específico sobre mulheres com a síndrome de Asperger, e sim com Autismo de Alto Funcionamento (o mesmo que autismo clássico de nível 1 – leve), que é o perfil mais comum de se encontrar estudos relacionados e o que mais se aproxima do perfil Asperger.

Dada a frequente capacidade intelectual privilegiada de muitas dessas mulheres com a síndrome de Asperger, é comum que acabem se envolvendo na propagação ativa de informação sobre sua própria condição, fazendo elas próprias coleta de dados entre seus pares, promovendo palestras, concluindo cursos de formação profissional que as habilite a atuarem como terapeutas e escrevendo livros.

Uma dessas pessoas é Rudy Simone. Ela é uma mulher com síndrome de Asperger que escreveu um livro chamado “Aspergirls” (“Aspergarotas”). O livro ficou bastante conhecido, inclusive no meio médico, e é indicado pelos próprios profissionais da saúde como material de apoio para mulheres com a síndrome. Muitas mulheres reconheceram em si mesmas a síndrome após a leitura do livro e buscaram confirmação profissional, aumentando a busca por esse tipo de material, na ausência de estudos científicos tradicionais.

O livro Aspergirls, de Rudy Simone, ainda não tem tradução para o português. Assim, traduzi alguns trechos principais, bem como uma lista geral de traços encontrados em mulheres com a Síndrome de Asperger, para que mais mulheres tenham acesso ao menos à base principal de informações, que podem funcionar como um instrumento de auto avaliação pré-diagnóstica e ferramenta para o autoconhecimento, possibilitando a discussão de tais questões com médicos, terapeutas e familiares.

Caso a leitora se identifique com os traços mencionados e queira confirmar a existência da síndrome, a recomendação é procurar um profissional da saúde, preferencialmente um médico psiquiatra (psicólogos não têm permissão legal para emitir laudos diagnósticos de autismo, apenas profissionais formados em medicina têm essa permissão), para condução de processo diagnóstico oficial. Uma dica: é importante pesquisar antes se o profissional tem conhecimento de síndrome de Asperger em adultos (pois muitos psiquiatras ainda não têm) e procurar indicações de profissionais. Nas redes sociais, existem grupos de pessoas com autismo ou síndrome de Asperger e esta pode ser uma via de acesso para obter indicações desses profissionais.

Aqui no blog, há outras duas publicações sobre síndrome de Asperger em mulheres que podem interessar e complementar informação, cujos links deixo a seguir:

Lista de Traços em Mulheres com a Síndrome de Asperger, por Samantha Craft
Mulheres com Asperger e a Maternidade

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Tradução (livre) de trechos do livro Aspergirls, de Rudy Simone

Por Audrey Bueno

Bibliografia: Simone, Rudy. Aspergirls – Empowering Females with Asperger Syndrome. Jessica Kingsley Publishers. London and Philadelphia. 2010


p. (página) 13

Mulheres no espectro são uma subcultura dentro de uma subcultura. Nós temos muitas das mesmas peculiaridades, desafios, hábitos, traços e aparência como ocorre com os homens no espectro, mas do nosso jeito. […]

Quando eu leio as palavras de outras mulheres com Asperger tais como Liane Holliday Willey, Donna Williams ou Mary Newport, eu fico muito entusiasmada, porque agora finalmente posso me reconhecer em outras mulheres. Isso foi algo que eu nunca consegui fazer antes. Eu nunca me identifiquei com minhas colegas de escola, pares e certamente jamais com as representações da mídia de como uma mulher era ou deveria ser. Eu também nunca me identifiquei com as imagens da mídia de crianças que são muito mais comprometidas do que eu jamais fui. Essa é a questão de Asperger – nossos desafios são muito reais, mas nem sempre óbvios para os outros. Portanto, nosso comportamento não é compreendido.

p. 14

[…] Os homens com Asperger compartilham muitos dos nossos traços, mas acho que a forma deles os experimentarem e manifestarem é diferente. Por exemplo, todos sabemos que homens com Asperger gostam de se vestir confortavelmente e podem até comprar suas roupas em lojas de segunda mão para conseguir que as roupas já estejam mais ‘surradas’. Mas, no caso das mulheres, o mesmo traço geralmente se manifesta em vestir-se como adolescente, ou de maneira esportiva, ou com pouca maquiagem e um estilo simples de cabelo. Enquanto pessoas com Asperger podem compartilhar uma certa androginia, isso aparece em homens com Asperger como gentileza, docilidade; já as mulheres com Asperger têm tendência a serem independentes e apresentarem um estilo mais desafiador.

p.15

Este livro torna-se necessário por conta das diferenças sutis entre os gêneros no espectro, mas também para elucidar as diferenças entre uma mulher com Asperger e uma mulher que não esteja no espectro, geralmente referidas como NT ou neurotípicas. Nós podemos ter objetivos similares, mas as mulheres sem autismo, por capacidade, devotam mais de si mesmas a um círculo social maior. A mulher com Asperger, por necessidade e exclusão, senão por escolha, se devota mais à vida interior e objetivos pessoais. Mas nós não somos mais propensas a atingirmos nossos objetivos por isso, pois não temos as habilidades sociais que são geralmente um requisito para nos impulsionar ladeira acima na obtenção de sucesso em nosso campo de escolha.

Para a mulher com Asperger, tudo parece ser sobre objetivo e razão, o que nós muitas vezes não encontramos nas armadilhas desse mundo barulhento, caótico e confuso. Então, nós criamos nosso próprio mundo, onde possamos nos envolver com nossas próprias coisas, e vivemos vidas isoladas, nunca nos engajando realmente com os outros […].

p. 15-16

No momento em que escrevo esse livro (2010), aproximadamente 1 em 100 crianças estão no espectro do autismo. Quantos adultos nós nunca saberemos, mas certamente são em maior número do que inicialmente se supunha, porque a Síndrome de Asperger simplesmente não tem sido entendida o suficiente para ser reconhecida. Acredita-se que homens no espectro estejam em maior número, na proporção de 4 para 1, embora experts como Tony Attwood tenham questionado essa estimativa oficial. Eu acredito que mulheres no espectro sejam tão prevalentes quanto homens, sendo apenas menos óbvias de reconhecer.

Nem todo mundo que é autista é diagnosticado quando criança. Muitas mulheres jamais seriam diagnosticadas se não tivessem tido um filho no espectro. Nesses casos, o médico, então, olha para os pais para buscar a fonte genética do quadro da criança.

p. 19

É sabido que pessoas com Asperger adoram informação, mas por quê? Informação dá a nossos pensamentos uma âncora, nos dá identidade e é algo que podemos controlar.

…boas habilidades de linguagem

…autodidatas

…leitoras vorazes

p. 24

Atividades obsessivas são uma ilustração do incrível foco que possuímos […]. Quando estamos na “zona de imersão”, nós realmente temos muita dificuldade em fazer uma pausa, ir ao banheiro, comer, beber, se arrumar, tomar ar fresco, se exercitar. Tal força obsessiva pode também se sobrepor à necessidade de conseguir um emprego, de ir para o trabalho, e outras atividades cruciais.

Uma das diferenças entre homens e mulheres com Asperger parece ser que nossos interesses incomuns não são tão incomuns assim e podem parecer mais ‘práticos’ para um observador. Se uma garota lê vorazmente, isso não parecerá tão dissonante ou estranho para os pais ou o médico como uma fascinação por diferentes tipos de motores de aviões construídos entre 1940 e 1945. Mas o que pode não estar sendo percebido é que, atrás na porta do nosso quarto, nós podemos estar lendo o mesmo livro pela 124ª vez, porque estamos obcecadas com isso.

p. 28

(Na escola) Eu não tinha ninguém pra sentar comigo no recreio, então eu o passava me escondendo em algum lugar.

p.54

Nós internalizamos muita culpa ao longo do caminho.

Se não há um diagnóstico, há um vácuo – um buraco a ser preenchido com especulação e rótulos.

p. 55

[…] além de ter Asperger, temos ainda um complexo de culpa vitalício.

Eu vejo isso o tempo todo com adultos que têm Asperger em seus empregos. Eles tentam não causar problemas, mas ainda assim acabam sendo acusados de coisas que não entendem o motivo.

[…]

Há um sentimento constante de que deveríamos estar fazendo melhor, que deveríamos ser capazes de administrar um emprego/relacionamento/vida/o que quer que seja melhor do que estamos fazendo.

p. 56

Sempre haverá alguma internalização de culpa. A maioria de nós, admitindo ou não, tem que se haver com um tanto considerável de vergonha – por não ser capaz de lidar com as muitas experiências cotidianas que as outras mulheres parecem lidar sem problemas. Se isso significa manter um emprego ou uma conversação; ter amizades ou uma conta poupança, enquanto grupo posso dizer que temos muitos problemas com essas coisas.

Também sentimos culpa por que a condição de Asperger não é óbvia e grave ao ponto de ameaçar a vida como o câncer ou alguma outra situação ou doença terrível, e sabemos disso. Nós parecemos “normais”; nós somos geralmente inteligentes. Algumas de nós nem terão qualquer déficit de aprendizado, outras terão, mas nada óbvio, como dislexia, por exemplo. Quando os outros nos dizem para “dar um jeito no problema”, nós desejamos que pudéssemos, e parte de nós acha que deveria. Mas dizer a alguém com Asperger para simplesmente “dar um jeito nisso” é como dizer a alguém numa cadeira de rodas para pegar as escadas se quiser chegar ao segundo andar.

Os homens têm suas próprias pressões, mas as mulheres, que são cobradas pela sociedade para que sejam capazes, multitarefas, usuárias de salto alto, representantes de boas maneiras, etiqueta e da arte de bem se adequar ao padrão, sentirão essa pressão à sua própria maneira.

p. 62

Papéis de gêneros têm me irritado desde a puberdade, […] tendemos à androginia – nos maneirismos, comportamento e, sobretudo, na essência. Nosso anima e animus parecem ter igual poder. Para algumas, isso se manifesta de forma óbvia – sendo elas o ganha-pão da casa, ou permitindo que os filhos morem com o pai enquanto elas se dedicam à carreira. Para outras, isso se manifesta sexualmente; embora a maioria das mulheres com Asperger seja heterossexual, um número substancial de mulheres que entrevistei disse que o gênero do parceiro não importava. Na maioria das vezes, isso se manifesta como frustração e desinteresse nas expectativas sociais quanto ao que ser mulher significa.

p. 63

As mulheres são geralmente avaliadas pelo quão bem conseguem ser multitarefas, regular seus impulsos, agir ponderadamente diante de conflitos e apaziguar as emoções dos outros. As pessoas dizem que as mulheres são iguais ao homens, mas ainda assim esperam que a mulher carregue muito mais o fardo para manutenção da felicidade dos outros do que têm consciência ou querem admitir – isso se torna gritante para mulheres no espectro.

Não é somente com a identidade de gênero que lutamos – é com identidade em geral. Parece muito comum que mulheres com Asperger tenham uma espécie de personalidade mutável, ora baseada no nosso papel atual, ora em nossos interesses.

Ter um estilo rústico, masculino ou intelectual é comum no nosso mundo.

p. 137

Ter filhos nunca é algo em que se entre suavemente, independentemente de ser ter Asperger ou não. Porém, quando se tem, todas as questões inerentes à experiência tornam-se aumentadas. Ter filhos significa dizer adeus à paz, silêncio e solidão, nossas coisas favoritas. Há funções sociais que teremos que atender, desde apresentações escolares e receber os colegas dos filhos em casa para brincarem, a reuniões de pais. Esperarão de nós que sejamos cuidadoras; que sejamos adultas maduras que tomam decisões maduras, que não sejamos egoístas; todas coisas com as quais teremos dificuldade. Nós não nos pareceremos com as outras mães, não agiremos como as outras mães e não nos sentiremos particularmente maternais. O próprio nome “mãe” é algo que veremos com relutância, por ser uma palavra que denota um modelo único de papel feminino que não nos serve.

p. 138

Eu sempre digo que a imagem de infância de ursinho de pelúcia e balãozinho que encontramos em tudo, de papéis de parede a anúncios, deveria ser substituída por urina, excremento, vômito e sangue, pois é disso que se trata dar à luz a um outro ser humano. Não foi bonito, não foi divertido, e ter um bebê mexeu com cada questão sensorial, social e de controle que eu já tive. […] Numa certa ocasião, eu e minha filha estávamos num trem da Califórnia para Nova York, quando ela tinha apenas 2 anos. Ela estava brincando com um menino e a avó do garoto olhou para os nossos dois querubins e perguntou retoricamente, “Você não ama ser mãe?” Eu honesta e bruscamente respondi, “Não.” Por um momento, a mulher expressou uma expressão de horror no rosto, ao mesmo tempo em que foi deslizando para longe de mim, num assento mais perto da janela, de onde lançava seu olhar pesado em minha direção. Claramente, aquela senhora havia me colocado na categoria de serial killer. Eu ri comigo mesma, enquanto pensava na habilidade que algumas pessoas têm de mentir para si mesmas.

Ela não me perguntou se eu amava minha filha. Se tivesse feito essa pergunta, eu teria dito sim. Era ser mãe que eu não gostava, por achar esse papel absurdamente exigente. Do momento em que minha filha saiu, gritando, apertando minha carne, quebrando a calma do meu apartamento em São Francisco, enchendo-o de cheiros terríveis, meu bebê era o pior pesadelo de uma mulher com Asperger.

p. 141

Uma das entrevistadas disse: “Eu nunca tinha estado numa casa em que a família toda pertencesse ao espectro, mas eu deveria saber que seria um lugar muito bacana, cheio de evidência de interesses esotéricos, modelos da nossa galáxia, livros até o teto e animais correndo pela casa.”

p. 181-182

Homens e mulheres no espectro estão sujeitos a explosões emocionais. Embora a violência seja menos aceita atualmente que no passado, ainda há parte da nossa mente coletiva que vê alguém ‘esquentado’ como parte de ser homem. Uma mulher que expresse fúria é vista meramente como instável, louca… demente. Se acontecer em público, as pessoas certamente pensarão que ela tem um problema psicológico. A menos que ela fosse não-verbal e obviamente deficiente, ninguém jamais consideraria o autismo como uma possível causa subjacente.

Uma explosão emocional no espectro pode significar o choro em público e o ultraje; gritar, xingar e reagir com ferocidade. Nós podemos dizer coisas que não significam aquilo de fato, mas que na hora soam como verdade. Podemos parecer assustadoras quando toda aquela raiva e frustração encontra um escape. É destrutivo e caótico. Nós somos emocionalmente brutas como o são as crianças.

A injustiça é um gatilho poderoso. Ter uma crise por sermos acusadas de algo injustamente nos faz parecer perigosas e fora de si, o que só reforça a opinião negativa dos outros sobre nós.

Quanto mais ultrajante a acusação, maior a fúria na hora da crise. Infelizmente a raiva só aumenta nossos problemas, nos fazendo parecer culpadas para a pessoa que não entende a síndrome de Asperger.

p. 191

Eu fecho todas as portas, corto qualquer possibilidade de reatar relações. […] Quando as coisas não davam certo no trabalho, com um amigo, com até mesmo com uma cidade, eu ia embora. Deixar tudo pra trás e começar do zero é definitivamente uma característica em minha vida […] e na vida das outras mulheres com Asperger que entrevistei.

Agir desse modo é geralmente o resultado de crises depressivas. As nuvens não irão embora, então procuramos novos horizontes, um novo palco onde possamos nos apresentar.

É geralmente o resultado final das crises. Ficamos muito bravas com um lugar, pessoa ou coisa e resolvemos nunca mais lidar com eles.

Riscar coisas e pessoas da lista definitivamente também pode afetar nossa vida familiar – nós podemos deixar maridos ou pais; irmãos; amigos que nos magoaram […].

Eu geralmente vejo pessoas com Asperger que estão de saco cheio de suas vidas colocarem a culpa somente nos outros, como se o mundo é que fosse o problema. Curiosamente, as situações tendem a se repetir, em novos lugares, com novas pessoas, caímos em situações similares às que deixamos para trás.

LISTA DE TRAÇOS DA SÍNDROME DE ASPERGER EM MULHERES
Aparência/Hábitos Pessoais Intelectual/ Superdotação/

Educação/Vocação

Emocional/Físico Social/Relacionamentos
Se veste confortavelmente devido a questões sensoriais e praticidade. Pode ter sido diagnosticada com autismo ou Asperger na infância, ou pode ter sido considerada superdotada, tímida, sensível. Pode também ter tido transtornos de aprendizagem. Emocionalmente imatura e sensível. Palavras e ações são geralmente mal interpretadas pelos outros
Não despenderá muito tempo se arrumando ou cuidando do cabelo. Os estilos de cabelo geralmente são “lavar e sair”. Geralmente artística, musical. Ansiedade e medo são emoções predominantes. Percebida como sendo de natureza fria e autocentrada; não amigável.
Personalidade excêntrica; pode se refletir na aparência. Pode ter uma habilidade excepcional em algo ou grandes talentos. Mais abertas a falar sobre sentimentos e questões emocionais que homens com Asperger. Pode ser expansiva às vezes, pode se empolgar quando falando sobre paixões/interesse obsessivo.
É jovem para a idade, em aparência, vestimenta, comportamento e gostos.

*Estudos de imagem mostraram que partes do cérebro de pessoas com Asperger parecem pertencer a pessoas mais jovens do que se esperaria para a idade cronológica da pessoa analisada; nota do tradutor.

Pode ter um grande interesse em computadores, jogos, ciência, design gráfico, invenções, coisas de natureza visual ou tecnológica. Pensadoras mais verbais, podem gravitar entre escrita, línguas, estudos culturais, psicologia. Questões sensoriais fortes – sons, coisas que vê, cheiros, toque, e sujeita a hiperestimulação. (Menos sujeita a questões referentes à textura e sabor dos alimentos que os homens.) Pode ser muito tímida ou muda/calada..
Geralmente mais expressiva no rosto e gestos do que seus pares masculinos. Pode ter aprendido a ler sozinha e ter sido hiperléxica quando criança, e terá ampla variedade de outras habilidades autodidatas. Temperamental e com tendência a ataques de depressão. Pode já ter sido diagnosticada com Transtorno Bipolar (comorbidade comum em autismo/Asperger) Como nos homens, tenderá a fechar-se em situações sociais quando sobrecarregada, mas é geralmente melhor em se socializar em pequenas doses. Pode até parecer bem sociável, mas é uma ‘performance’.
Pode ter muitos traços andróginos, apesar da aparência feminina exterior. Pensa sobre si mesma como sendo metade homem-metade mulher (anima/animus bem balanceados). Pode ter excelente nível educacional, mas terá tido dificuldades com os aspectos sociais da escola/faculdade. Será bastante sensível a medicações e sofrerá mais reações adversas.

Poderá ter problemas gastrointestinais de leve a severos – úlceras, refluxo, síndrome do intestino irritável

Não sai muito. Preferirá sair com o parceiro apenas, ou filhos, se os tiver.
Pode não ter um senso forte de identidade e pode ser muito ‘camaleão’. Pode ser muito passional quanto a perseguir um assunto ou emprego e então mudar de direção ou desinteressar-se completamente da coisa em questão muito rapidamente. Pode apresentar movimentos repetitivos quando triste ou agitada, tais como balançar-se, esfregar o rosto, ficar fazendo sons específicos, balançar a perna ou ficar mexendo com os dedos, citando alguns. Não terá muitas amigas e não gostará de fazer ‘coisas femininas’, como sair para fazer compras ou para ‘curtir uma noite só de mulheres’.
Gosta de leitura e filmes como escape da realidade, geralmente sci-fi, fantasia, animações infantis. Geralmente terá dificuldade em manter-se num emprego e poderá achar o fato de estar empregada algo dantesco/aterrador. Similarmente física quanto feliz: pode agitar as mãos como se estivesse batendo asas, bater palmas, cantar, pular, correr de um lado para o outro, dançar. Sujeitas a explosões emocionais, mesmo em público, às vezes por coisas aparentemente pequenas devido à hiperestimulação sensorial ou sobrecarga emocional. Terá um amigo próximo na fase de escola, mas não uma vez de atinja a vida adulta.
Usa o controle como técnica de manejo do stress: regras, disciplina, rigidez em certos hábitos, que irão contradizer sua aparente não-convencionalidade. Altamente inteligente, no entanto por vezes pode ser lenta na compreensão devido a questões sensoriais e de processamento cognitivo. Odeia injustiça e odeia ser mal compreendida; isso pode incitar raiva e fúria. Pode ou não querer ter um relacionamento. Se estiver em um, o levará muito a sério, mas existem fortes chances a favor da escolha de permanecer só ou em celibato.
Geralmente mais feliz em casa ou em outro ambiente controlado. Terá obsessões, mas não serão tão incomuns quanto a de seus pares masculinos

[Em vez de obsessões por motores de tanques de guerra fabricados entre 1937 e 1940, por exemplo, poderá ter obsessão por ler, por batons, por bonecas, por uma música…; nota do tradutor, com base em exemplos sobre o tópico ao longo do livro.)

Tende ao mutismo quando estressada ou chateada, especialmente depois de uma explosão emocional. Menos probabilidade de gaguejar, como nos pares masculinos. Devido a questões sensoriais, tende aos extremos, ou ama ou odeia sexo.
Geralmente prefere a companhia de animais, a menos que questões sensoriais incomodem.

Resultado de imagem para rudy simoneRudy Simone é uma mulher com Asperger, que mora em San Francisco, California – USA, e trabalha como consultora e autora de livros sobre o assunto, dentre os quais “22 Things a Woman Must Know If She Loves a Man With Asperger’s Syndrome” (“22 Coisas Que Uma Mulher Precisa Saber Se Ela Ama Um Homem Com a Síndrome de Asperger”). Ela tem uma filha, que não tem a síndrome.

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10 comentários sobre “A Síndrome de Asperger em Mulheres

  1. Estou descrita nessas frases, mãe de 3 filhos, muito mais jovem que o comum a ponto de todos acharem que sou muito nova para minha idade, minha vida está escrita nesse livro…

  2. Oi, tenho uma filha autista leve! Não sei se é Asperger, vc descreveu um pouco ela, adora roupas confortáveis, calças de moleton, tem esteriotipas, odeia bagunça, sair da sua rotina,ela tem 3 anos e meio e é mto esperta! Tem mta ecolalia, o contato visual dela tem melhorado um pouco com as terapias, tbm tem mto ataques de birra, às vezes quero entende-la e não consigo. Ela não se socializa mto com outras crianças, nem com os irmãozinhos, fica no quartinho
    dela, o único momento em que ela vai para a rodinha com os coleguinhas na escola é durante as aulas de música! Ela adora música.

    • Crianças com Asperger costumam ter um assunto obsessivo de interesse e passam boa parte do tempo em torno desse mesmo assunto, com brincadeiras e falas bastante repetitivas. Outra característica é que não têm comprometimento da fala, embora possa haver ecolalia, algo que costuma melhorar com a idade. De qualquer forma, as diferenças entre o autismo leve e a síndrome de Asperger são minimas, e tendem a desaparecer com o passar da idade. As birras, agressividade e comportamento repetitivo podem ser melhorados com medicação, o que garante uma vida mais feliz tanto para a própria criança – já que tais comportamentos são sinal de angústia intensa – quanto para a família, aumentando, inclusive, as chances de melhorar a socialização. Abraço!

  3. Obrigada! Tbm fico angustiada em tentar entender ela melhor.. Ela se chama pela terceira pessoa, fica repetindo o q ocorre na escola, e quando damos bronca nela, ela fala: ” oti tala, num pode, vu” , ouxe,Sarah, não pode , viu?, O que dizemos a ela.As vezes ela já tem as nossas falas decoradas e antecede a nossa ação e fala pra si mesma quando chamamos a atenção dela . É mto esperta. Adora cantar,quando não sabe a letra eu canto junto com ela e nesse momento ela interage completando a canção. O que me entristece é sua socialização com outras crianças, onde na maioria das vezes ela nem liga.

    • Embora crianças com autismo possam melhorar muito a socialização com o passar dos anos, é preciso aceitar que esse não é e nunca será o objetivo de vida deles, e que não sentirão a mesma falta disso que uma pessoa sem o transtorno sentirá. A tendência é que sejam sempre pessoas mais isoladas mesmo, e muitas vezes não se sentirão tristes por isso como a maioria das pessoas costuma achar. Compreender essa criança não é tarefa fácil e sempre haverá um tanto que não será possível compreender mesmo, mas uma coisa a se ter em mente é que são como mini-gravadores, por isso copiam e repetem tudo, e isso tem um lado positivo para elas, que é ir processando a informação do ambiente, como se esse fosse um recurso mental compensatório pelas dificuldades da síndrome e essa repetição e cópia costumam ajudar a aprender o que não se daria de outra forma, desenvolvendo o cérebro delas.

  4. Lendo me identifico completamente, é como se depois de quatro décadas de completa ignorância de quem era fosse finalmente libertada. Todas as características eu tenho. Não fui mãe, afinal sempre vi a maternidade como algo triste, preferi ser cuidada do que cuidar de alguém. Desde pequena lembro que queria roupa que me deixasse confortável e não bonita apenas. Relacionamento amoroso, declarações de amor ao meu ver sempre foram sem sentido, afinal se estava com alguém é porquê o amava, sem precisar mostrar aos outros. Na escola me escondia para não interagir, e claro que sofria acusações, culpa, pteconceitos aos montões. Não consigo permanecer em empregos por longos perìodos, aniquila meu ser, fico sem chão, depressão, monotonia, assim sempre tento mudar de cidade, de trabalho procurando na verdade a caixa protetora que me deixe confortável, como os gatos. Mulher autista é síndrome do gato, queremos do nosso jeito, não sabemos nos adequar ao jeito dos outros.
    Uma luz apareceu e hoje eu sei quem sou, finalmente!

  5. Esse livro tem para venda no Brasil? Me identifico demais, mas acho difícil conseguir um diagnostico tardio. Pelo que leio a maior parte dos psiquiatras não entende asperger em mulheres,

    • Olá, Viviane. Esse livro ainda não foi traduzido em português. Para obtê-lo, só na versão importada em inglês. Foi por isso que traduzi alguns trechos, ao menos, uma vez que a editora ainda não optou por traduzir a obra para a nossa língua.

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