PASSO A PASSO DA ADAPTAÇÃO ESCOLAR PARA CRIANÇAS COM SÍNDROME DE ASPERGER

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Por Audrey Bueno

A autora é psicóloga e pesquisadora da síndrome de Asperger

Nunca julgue um livro pela capa: a síndrome de Asperger é muito mais complexa do que parece, assim como as dicas a seguir são muito mais praticáveis do que o conjunto de detalhes que esse longo texto nos faz supor

Para que possamos compreender o funcionamento de uma criança no TEA (Transtorno do Espectro Autista), precisamos olhar para essa criança sem tentar encaixá-la nas referências usuais que aplicamos às crianças neurotípicas (ou seja, sem TEA), pois o cérebro delas é neurodiverso. Isso significa que a estrutura e a “fiação” do cérebro Asperger têm configurações diferentes da maioria de nós. É o nosso cérebro que molda nossa realidade, como nos sentimos, como percebemos as coisas à nossa volta, como reagimos e nos comportamos. As pessoas são diferentes entre si e isso gera diferentes formatos de ser e sentir, mas ainda há pontos em comum entre elas se o “programa cerebral” tiver como base uma mesma configuração. Um cérebro atípico (neurodiverso), no entanto, tem como base um sistema cuja configuração é distinta daquela que a maioria das pessoas utiliza, gerando modos de ser e sentir ainda mais diferenciados. Por exemplo, enquanto a criança neurotípica pode amar estourar bexigas ou festas de aniversário, a criança neurodiversa pode ter verdadeiro pavor dessas coisas.

A realidade da vida é que nosso planeta é um berço de diversidade. Todo ser vivo tem suas particularidades, incluindo nós, os humanos. A Ana gosta de café, mas o João não. A Mariana gosta de gatos, mas a Júlia se identifica mais com cachorros.

Algumas dessas particularidades são apenas modos diferentes de ser, mas outras podem ser essenciais à sobrevivência. Se você tem um hamster, colocá-lo no aquário do seu peixe será a morte para ele. Do mesmo modo, criar um peixinho na gaiola do seu hamster também não será possível. O Jonas come pimenta todo dia, mas o Márcio tem séria alergia e comer pimenta pode ser fatal para ele. A Laura ama doces, mas não pode comer porque tem diabetes.

As diferenças de uma criança no TEA também podem ser vistas sob essa ótica: ainda que não ameacem a vida orgânica diretamente num primeiro momento, várias dessas diferenças são questão de sobrevivência para elas, mesmo que ocorram num terreno menos óbvio, que é o da mente e das emoções.

O conteúdo desse plano de adaptação pode parecer excessivamente detalhista e até mesmo excessivo ao primeiro olhar, mas é preciso lembrar o quanto um detalhe pode ser essencial: uma simples pimenta que o nosso amigo Márcio, do exemplo anterior, coma, pode ser fatal. O doce que praticamente toda criança come pode causar até hospitalização na Laura. Ainda que não estejamos falando de risco de vida no sentido físico quando recomendamos atenção e conhecimento sobre as particularidades de uma criança no TEA, a descompensação existencial e emocional pode também ser grave: ansiedade, desistência escolar, sentimento de incapacidade, sentir-se excluído, sofrer repetidos traumas e desenvolver problemas alimentares ou depressão podem condenar a vida de alguém, inclusive fisicamente em última instância.

A vida interna de uma criança com Asperger é feita de inúmeros detalhes essenciais do ponto de vista dela que determinam aspectos cruciais do seu comportamento e desenvolvimento escolar.

Cada observação aqui descrita foi cuidadosamente pensada do ponto de vista psicológico e do conhecimento técnico-científico de especialistas sobre a síndrome, não deixando de incluir as preciosas referências obtidas através de experiências reais de crianças com Asperger.

É melhor pecar pelo excesso do que pela falta, pois o excesso pode converter-se em reserva para os momentos de escassez, enquanto a falta pode ser devastadora.

Audrey Bueno

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Preparação antes do início das aulas

 1 : serão usados gêneros masculinos apenas para facilitar a leitura, porém entende-se por “filho” também “filha”, por “aluno” também “aluna”, por “professor” também “professora” e assim por diante.

A preparação para a adaptação de crianças com a síndrome de Asperger começa no ato da matrícula.

É importante ter em mãos um breve resumo das principais dificuldades e necessidades de adaptação da criança para descrever à direção da escola, para checar se a instituição poderá oferecer aquilo que seu filho1 irá precisar no ano letivo.

Informe-os que o que vocês mais precisam é de um ambiente acolhedor e de professores que possam tratar a criança de forma amável e paciente, além de serem solidários e compreensivos (o que é desejável para qualquer criança, aliás, mas absolutamente vital para as mais vulneráveis, como as com TEA), e que estejam dispostos a estabelecer um diálogo contínuo com vocês até que a criança finalmente esteja ajustada à escola e a escola a ela. Explique que alguns dos principais desafios no TEA relacionam-se à socialização, comunicação, comportamentos repetitivos e sensibilidades sensoriais, dando exemplos de cada um desses aspectos que tenham a ver com o caso específico seu filho. Por exemplo:

Socialização: Paulo tem dificuldade em lidar com o agito dos colegas; tem muito medo que esbarrem nele ou o empurrem, de modo que precise sempre da supervisão de um adulto no recreio ou de dispensa em aulas de Educação Física que envolvam esse tipo de risco.

Comunicação: apesar de não ter problemas aparentes de fala, Paulo tem dificuldade para compreender o significado de muitas coisas que as pessoas dizem, bem como para expressar o que pensa ou sente de maneira adequada; por isso, precisa que o professor adote o hábito de explicar tudo da forma mais concreta e objetiva possível, facilitando vocabulário e enunciados, e de checar o que sentiu ou quis dizer antes de julgá-lo ou recriminá-lo por ter se expressado mal.

Comportamentos repetitivos: Paulo tem hiperfoco em trens. Ele sempre quer falar de trens, mesmo quando pretendemos que o assunto seja outro, e precisa carregar seu trem preferido consigo para onde for. Então, o professor precisa ser compreensivo e paciente, e jamais retirar dele seu objeto preferido, pois é a fonte de segurança emocional dele.

Sensibilidades sensoriais: Paulo tem problemas com cheiros fortes e barulho, então o professor precisaria sempre estar atento a essas duas coisas no ambiente, ou para evitá-las, ou para levar Paulo até um outro local na impossibilidade de resolver o problema de imediato.

Por fim, é recomendado que educadores que trabalhem com um aluno TEA nunca apliquem castigos do tipo ‘cantinho do pensamento’ e não forcem a criança a participar de eventos que ela não queira (não são todas, mas é muito comum a criança TEA não gostar de festas, ensaios e apresentações musicais ou de dança em datas comemorativas, gincanas ou Educação Física).

Por fim, informe a direção que flexibilizações quanto ao tipo e volume de atividades pedagógicas e lição de casa geralmente serão necessárias (é comum a criança no TEA ter até mesmo dispensa da lição de casa). Muito resumidamente, esse é o panorama geral de adaptações que uma criança com Asperger irá requerer.

Um receio comum dos pais de crianças atípicas: a escola não aceitar a criança se souber de suas particularidades antes de concluir a matrícula

Infelizmente, é verdade que algumas escolas recuam e, mesmo sendo contra a lei, criam empecilhos e dificuldades, dizem que estão sem vagas no momento e que entrarão em contato se surgir uma – pois muitas escolas não são realmente escolas, e sim empresas sedentas por lucro, querendo sempre obter o máximo enquanto oferecem o mínimo. Empresas não querem arcar com o trabalho ou responsabilidade adicional comuns ao atendimento de alunos com necessidades especiais, por menores que sejam.

Se por um lado esse pai ou essa mãe ficam com receio de perder a vaga a partir do momento em que relatam as necessidades especiais do filho, por outro isso serve como um filtro que a família deve utilizar para testar a real disposição da escola em acolher a criança, sendo muitas vezes melhor perder a vaga em uma escola que já se mostra pouco interessada no valor humano da relação e que busca um aluno que ‘não dê trabalho’ e garanta, assim, o máximo de lucro com o mínimo de ônus, do que descobrir apenas mais tarde, em meio a situações de crise em que a criança é a principal vítima, que a escola não tem feito e nem fará o necessário para acolher devidamente o aluno.

Instituições assim são melhores longe de qualquer criança, quer tenham uma necessidade especial ou não. Assim, não revelar as dificuldades da criança num primeiro contato, pode custar muito caro depois. A escola dirá que não sabia de tais necessidades quando da matrícula, e que se soubesse teria explicado melhor aos pais o que estava ao alcance da instituição oferecer. Ou seja, é preciso que haja um acordo ético entre as partes, em que tanto pais quanto escola sejam transparentes o bastante para decidirem juntos se serão bons parceiros ou não.

E, embora recusar a matrícula a um aluno com necessidades especiais seja contra a lei, não será a lei que garantirá que a criança seja tratada com o apreço e o respeito que ela merece e precisa. Forçar a barra, obrigando a escola a efetuar a matrícula sob ameaça de denunciá-los, pode ser uma ação justificada do ponto de vista dos direitos legais que todos temos e do desejo amoroso de fazer valer os direitos de um filho, além de provavelmente conseguir que a matrícula se realize, mas o amor e o compromisso humano que esse tipo de trabalho necessita não serão conseguidos juntamente com essa matrícula. A escola pode começar a boicotar o apoio dado ao aluno o suficiente para que, após muita dor de cabeça e lágrimas dos pais e da criança (nunca da escola), a própria família acabe optando por tirar o filho de lá, com o sentimento amargo de que nunca deveriam tê-lo matriculado na referida instituição. Mesmo que a família acabe decidindo processar a escola, o prejuízo psicológico, afetivo e escolar causado à criança não será reparado pela justiça. Por isso, o melhor caminho – ainda que seja preciso engolir a injustiça – é buscar uma escola pelas pessoas que ali estejam, realmente dispostas a acolher o seu filho com amor e humanitarismo, e não apenas porque manda a lei.

Diretor escolar e família - boa relação

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Após a matrícula, mas antes do início das aulas

Concluída a etapa da matrícula, os pais devem solicitar uma reunião com a futura professora para explicar as dificuldades do filho e como ela poderá ajudar. É fundamental que os pais conversem com a professora e expliquem o caso do filho antes do início das aulas. Nessa reunião, é importante entregar à professora algum material explicativo sobre a síndrome (que possa ser lido e relido conforme a necessidade), pois muitos professores nunca terão ouvido falar sobre Asperger e, se conhecerem algo sobre autismo, podem associá-lo às características de um único aluno que tenham tido no passado, imaginando que todos sejam do mesmo modo, ou há o risco de que tenham apenas uma visão estereotipada do transtorno. Podem desconhecer o fato de que há diversas formas de apresentação do autismo, assim como variados níveis de gravidade. A reunião é importante também para mostrar que, independentemente do diagnóstico, cada indivíduo tem sua particularidade, ou seja, ninguém é igual a ninguém, sejam pessoas com autismo ou sem.

Na ocasião dos pais ficarem em dúvida entre duas escolas, um dos pontos que poderia ajudar a definir a escolha seria a figura do professor. Portanto, poderia ser uma boa ideia pedir para conhecer o professor antes da efetivação da matrícula (isso, na verdade, seria uma boa ideia em qualquer circunstância).  Tal cuidado pode ser especialmente importante se for o primeiro ano da criança na escola, uma vez que a instituição não mudará o professor da turma se apenas o seu filho – ou uma minoria – não se adaptar. E, para um primeiro contato com a escola, o professor será a representação do que seja a vida escolar para o aluno. No caso específico de crianças com Asperger, que já terão tantas dificuldades extras com as quais lidar (muitas crianças, barulho, agito, etc.), o professor precisará ser o elemento de segurança do ambiente. Se essa relação inicial não for bem sucedida, a criança com Asperger, em sua rigidez mental, poderá ter muita dificuldade em acreditar que o ambiente escolar possa ser de algum modo agradável e menos assustador um dia.

Pode parecer exagero e excesso de zelo para quem não está familiarizado com o transtorno, mas “é muito comum que a criança com Asperger goste – ou não – instantânea e permanentemente de alguém, especialmente em se tratando de profissionais”, como diz Tony Attwood, psicólogo britânico com mais de 30 anos de experiência atendendo pacientes com a síndrome de Asperger. Por isso, vale muito a pena cuidar para que a primeira impressão do novo professor seja a mais benéfica e agradável possível. Sobre isso, aliás, uma DICA: o professor poderia ter consigo algum item relacionado ao interesse especial da criança (que terá sido previamente informado e/ou ofertado pelos pais) e presentear a criança no primeiro dia de contato. Se a criança é muito interessada em insetos, por exemplo, o professor poderia dar-lhe algumas figuras de insetos.

Efetuada a matrícula, pode-se combinar com a escola o agendamento de 2 visitas da criança ao novo ambiente escolar antes do início das aulas, para que ela vá se familiarizando com o recinto antecipadamente, lembrando que previsibilidade é um ponto importante para abrandar a ansiedade de crianças com TEA.

É muito necessário que o futuro professor esteja presente e disponível para passar o tempo da visita com a criança. É importante que tais visitas ocorram com a seguinte antecedência ao início das aulas: a primeira 20 dias antes e a segunda 1 semana. Não sendo possível agendar 2 visitas, pelo menos 1 visita cerca de 10 dias antes do início das aulas precisa ocorrer.

Essas visitas não precisam ser longas, entre 30 minutos e 1 hora já será o suficiente. Durante a visita, é importante que a escola esteja calma e silenciosa, ou seja, sem alunos ou atividades, pois a ideia inicial é que a criança se habitue à professora e ao espaço físico primeiro. Quando já houver maior familiaridade com esses dois fatores, então passa-se para a fase de adaptação que inclui os colegas no espaço, que é o primeiro dia de aula, sendo esta a fase de maior desafio para a criança com Asperger, não só pela demanda social intensa, como pelo barulho e agitação do ambiente.  Essa familiaridade anterior com professor e escola é essencial e servirá para diminuir a enxurrada de novidades e apreensões no primeiro dia de aula, além de funcionar como ponto de apoio e segurança para quando o grande desafio do convívio com os colegas surgir. O professor será vital como “pessoa de segurança” no ambiente escolar. Muitas vezes, a criança com Asperger só aceita ficar na escola quando tem essa pessoa exclusiva de segurança com quem contar.

Durante essas visitas, que devem preferencialmente ficar concentradas aos espaços a que a criança terá mais acesso na escola (em vez de visitar a escola inteira, o que poderia assustá-la), é fundamental que o encontro com o professor se dê dentro da sala de aula em que a criança irá ficar, fazendo o possível para permanecer ali o máximo de tempo durante cada visita (sem JAMAIS forçá-la, para que não se sinta presa ali), mostrando a ela o local em que irá se sentar e informando que aquela será sempre a mesa e o cantinho dela.

Para conseguir que a criança fique mais tempo na sala nesse primeiro momento, o professor deverá ter preparado algumas atividades de interesse da criança. É importante perguntar aos pais quais são esses interesses, e se a criança tem alguma aversão, pois imagine o problema se a criança tem aversão à massinha de modelar e o professor coloca justamente a massinha na mesa da criança como a primeira atividade da nova escola… É bem provável que a criança já queira sair correndo, achando que “escola significa massa de modelar” e que será “sempre” isso o que ela irá fazer ali, afinal, crianças com Asperger criam muito essas regrinhas mentais rígidas e concretas em relação às coisas e situações.

É essencial que o lugar onde a criança vá se sentar jamais seja alterado e que a professora se assegure de que nenhuma criança esteja sentada nesse local quando a criança com Asperger entrar na sala no primeiro dia de aula. Por isso, é importante o planejamento anterior e atenção do professor nesse primeiro dia de aula, para que ele possa gentilmente realocar alguma criança que tenha se sentado nesse lugar antes da criança com Asperger chegar, afinal, precisamos lembrar que trata-se de uma criança com necessidades especiais, de modo que a mudança de carteira não tenderá a ser um problema para uma outra criança que não esteja no espectro autista como será para a criança com Asperger, que vincula muito de sua segurança ao espaço físico e local determinado (que sua mente rígida tem dificuldade em flexibilizar).

Algo que pode ser feito é pular o primeiro e segundo dia de aula, e deixar que a criança com TEA inicie apenas no terceiro dia, pois dois motivos:

a) Dar tempo da ansiedade natural da turma baixar, afinal, as crianças em geral são mais agitadas em inícios de período letivo, principalmente no começo do ano, após terem ficado mais de 2 meses em férias; dando esse tempo, a criança TEA já encontrará uma classe mais calma quando chegar.

b) Dar tempo ao professor de se habituar minimamente à nova turma e já identificar os alunos mais comportamentalmente desafiadores, podendo, assim, planejar melhor qual coleguinha será um “vizinho mais calmo” para a criança TEA. Desse modo, o professor garante que o local específico do aluno autista esteja reservado para ele e que colegas mais agitados, que falem alto ou que sejam mais bagunceiros sejam posicionados em carteiras mais distantes da carteira que a criança TEA irá ocupar, pois seria como isqueiro e pólvora que ambos ficassem muito próximos fisicamente.

O autismo é a oportunidade que a vida te dá para que você alcance seu melhor potencial

Ninguém entra na nossa vida por acaso.

Se você tem uma pessoa autista como filho ou aluno, é porque grandes aprendizados se abrem para você. As escolas que mais nos deixam resultados duradouros e significativos são as que mais exigem de nós. Tem uma frase de autor desconhecido que diz: “Se é importante, é difícil.”

Portanto, em vez de focarmos no trajeto desafiador à frente, podemos pensar no aprendizado que iremos adquirir e no quão melhor seremos como pessoas em múltiplos sentidos, tanto em termos de novas habilidades adquiridas, quanto no sentido do amor, empatia, caridade, paciência e auxílio que fazemos multiplicar na melhor parte de nós.

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Reflexão – “O bolo de frango”: este bolo imitando frango cru é uma boa forma de exercitarmos a noção de perspectiva. Não é porque você olha esse bolo e sente aversão, que todas as pessoas sentirão. Mesmo que muitos compartilhem uma mesma opinião sobre algo (por exemplo, imaginamos que a maioria das pessoas no Brasil não achará esse bolo apetitoso), mas sempre tem alguém que pode achar, ou que, pelo menos, não vá se importar nem sentir aversão. Ou seja, a perspectiva é diferente para cada um de nós, mesmo que uma maioria compartilhe um padrão comum de reação. A mesma diferença de perspectiva pode ser aplicada à realidade do autismo, ou seja, mesmo que a maioria julgue algo como divertido ou tranquilo, esta pode não ser a percepção da criança autista. Por fim, o bolo também nos ajuda a perceber como é comum que formemos nossas certezas e julgamentos “só de olhar”: transtornos que atuam na mente não são óbvios apenas olhando para a pessoa, portanto, não julgue seu aluno autista apenas porque ele não “parece” autista. A capa pode dizer uma coisa, mas o interior pode ser bem diferente. – Fonte da imagem: aqui.

Pais: contribuição que vale ouro

A inclusão escolar de alunos com TEA implica num ponto crucial: escola e professores devem compreender a importância de ouvir os pais. Se isso já é importante para crianças em geral, é fundamental para as com o transtorno. Os professores precisam compreender que a criança com autismo terá particularidades na sua forma de pensar e sentir que diferem das comumente observadas nas crianças sem o transtorno e, possivelmente, serão bastante distintas de tudo o que ele já tenha visto em seus anos de experiência pedagógica. É como receber um pequeno “alienígena” no grupo de terráqueos e não conhecer a língua desse ser, muitas vezes tão frágil, para saber o que pode ou não fazer. É aí que entram os pais: os melhores tradutores que os professores poderiam ter!

Os interesses e forma de pensar da criança TEA podem ser bastante incomuns, de modo que generalizações do tipo “Que criança não iria querer isso?” ou “Toda criança gosta daquilo!” não só serão ineficazes, como, muitas vezes, podem ser até mesmo prejudiciais. Muitas crianças com Asperger não gostam de brinquedos e preferem objetos “estranhos” (pilhas, etiquetas, barbantes, pedras ou cadeados, por exemplo), não gostam de festas, de cantar músicas em grupo, de brincadeiras como pega-pega ou esconde-esconde ou dos personagens que as outras crianças geralmente apreciam, tais como Homem-Aranha, Capitão América, etc. Em vez disso, crianças com Asperger podem se interessar por planetas, luminárias, relógios, clips de papel, sinais de trânsito e tampas de garrafas. Isso precisa ficar claro para o professor, pois boa parte dos problemas de adaptação escolar ocorrem justamente porque o professor não consegue reconhecer as particularidades da criança com Asperger em relação ao modelo infantil típico já tão bem definido em sua mente experiente de professor, que foi moldada com base nos 99% de alunos não autistas com que trabalhou, ou, mesmo que tenha tido contato com alunos autistas, é possível que não tenha visto muitos – ou um aluno sequer – com o perfil de síndrome de Asperger.

Para acolher uma criança com Asperger, é preciso rever padrões.

Os pais – ou a mãe, que costuma ser quem acompanha a criança – podem dar dicas antecipadas dos assuntos que a criança gosta, oferecendo ao professor uma lista de tópicos motivadores e interessantes que possam ser utilizados conforme a necessidade de entreter, estimular ou premiar a criança por algum esforço ou tarefa cumprida (recurso muito usual com crianças autistas para motivá-las a fazerem as atividades pedagógicas). Há um texto sobre estratégias para motivar e facilitar o desempenho de crianças com autismo aqui.

Portanto, num primeiro contato/reunião com o professor, a sugestão é que os pais entreguem a ele três coisas:

  • Resumo informativo: “O que é a síndrome de Asperger?” – aqui
  • Texto: “Lista de dicas de convívio e manejo de crianças com síndrome de Asperger – para a escola, professores, pais e familiares – aqui
  • Anotações feitas pelos próprios pais com dicas dos principais assuntos de interesse e aversões da criança.

DICA EXTRA:

Fotos

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Ter uma foto da sala de aula e outra da professora e fixá-las em algum lugar da casa que esteja à altura dos olhos da criança pode ser uma ótima ideia; isso fará com que a criança vá se habituando, ainda que inconscientemente, ao novo ambiente e às pessoas nele. Fotos de lugares novos são uma boa medida para reduzir a ansiedade antes da criança ir àquele local pela primeira vez (essa é uma boa dica também para viagens, consultórios médicos, etc.).

Se puder ter essas fotos antes mesmo da criança fazer a primeira visita programada à escola, melhor ainda. Aproveite para tirá-las quando fizer a primeira reunião com a professora. Atenção: certifique-se de que a foto seja agradável, por exemplo, com boa iluminação (acender as luzes da sala antes de tirar a foto!), num bom ângulo (pegando mais o ‘cantinho aconchegante’ da carteira onde a criança vai ficar e uma parte da lousa, mesa da professora e a porta aberta (para que a criança não fantasie que ficará presa ali), e não aquela foto à distância tirada no fundo da sala, ou da porta, que mostra a sala inteira imensa e assustadora). Faça fotos separadas, uma da sala (ou de partes da sala) e outra da professora, e não da professora na sala, pois crianças com Asperger costumam “categorizar” informações, ou seja, categoria “objetos, lugares”, categoria “pessoas”. As fotos podem ser distribuídas como num painel, juntamente com fotos de outras coisas que a criança goste (luminárias, trens, dinossauros, etc.), montando uma espécie de “painel do cantinho feliz”. Um exemplo seria o painel da ilustração acima (lembre-se de não usar tachinhas e cortiça se a criança for pequena). Essa estratégia psicológica indiretamente sugere à criança que relacione coisas boas com as fotos/ambiente da escola.

Quadro de Rotina

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Como o modelo acima mostra, o quadro de rotina é uma descrição personalizada das atividades semanais da criança, com o apoio de imagens, que são mais necessárias quanto menor a criança for. Se a criança não souber ler ainda, serão as imagens que passarão a mensagem.

Mesmo para crianças mais velhas, que já estão alfabetizadas, ao menos algumas imagens continuarão sendo importantes, tendo em vista o fato de que o cérebro autista as processa e retém com muito mais eficácia. Mesmo crianças não autistas se beneficiam de imagens, mas para as que estão no espectro do autismo, estas são vitais.

Para fazer este quadro, é interessante saber qual será a rotina escolar da criança (uma lista das matérias ou atividades especiais em cada dia da semana na escola pode ser fornecida pela coordenação antes do início das aulas), para diferenciar um dia de aula do outro. Quando a criança é muito nova (antes dos 6 anos de idade), o ideal é que sejam feitos dois quadros: o modelo da foto acima deverá ficar em casa. Um outro, contendo apenas a parte da rotina escolar (qual aula/atividade vem depois do quê e em quais dias e horários da semana), encerrando com uma figura de ‘casa’, que indica a hora de ir embora, pode ser fixado na sala de aula, com a observação de NÃO incluir o nome da criança no topo, de modo que servirá de guia para todas as crianças da turma, que costumam gostar bastante da ideia e ficar consultando o quadro também, evitando expor ou diferenciar a criança com Asperger.

Se a criança tiver mais de 6 anos, um único quadro que fique em casa pode ser suficiente, pois a criança já sairá de casa com uma ideia em mente do que verá na escola naquele dia. Porém, se houver a possibilidade, ou seja, se a criança quiser e se a escola for receptiva, um quadro da rotina escolar que a criança possa observar também em sala de aula será sempre bem-vindo (atentando sempre para não incluir o nome da criança, para que seja neutro e de “utilidade pública”). Se a criança tiver hiperatividade, desatenção ou ansiedade excessiva, o quadro em sala de aula se torna fundamental, independentemente da idade.

O quadro deve ser fixado sempre na altura dos olhos da criança.

Uma variação muito boa desse tipo de quadro é colá-lo num quadro magnético e usar um imã para ir andando sobre os dias da semana, indicando o dia em que a criança está. Em casa, o quadro pode ser afixado na porta da geladeira, para que a criança possa igualmente ir movendo o imã.

Não esqueça de EXPLICAR o quadro à criança. Inserir figuras de interesse (personagens, objetos que goste) pode aumentar o prazer e o interesse em observar o quadro.

Primeiro dia de aula

A escola precisa estar ciente das necessidades da criança com Asperger e a pessoa que for receber os alunos na portaria precisa ser informada sobre quais crianças requerem atenção específica e como isso se dará. Por exemplo, se a criança com Asperger apresenta relutância em entrar ou ficar na escola, é recomendado – e, na verdade, imprescindível – que a mãe fique dentro do ambiente escolar com a criança nos primeiros dias de aula, retirando-se gradualmente com o passar dos dias, e isso implica num primeiro ponto, que é não ser barrada pela tia da escola que controla a entrada de alunos no portão. Isso por si só já causaria pânico inicial a uma criança que está, naquele momento de total apreensão, à flor da pele de ansiedade. A “adaptação” comum (entre aspas, pois deixar qualquer criança chorando e sozinha de supetão no primeiro dia de aula não pode ser considerada uma adaptação) de deixar a criança na porta da escola no primeiro dia de aula e ir buscá-la no final do período, que já não funciona para crianças típicas mais sensíveis, funcionará ainda menos para a criança com Asperger, que pode desenvolver pânico e aversão do ambiente escolar logo de cara. Todo cuidado em reduzir o pânico é fundamental, pois após sucessivas situações desesperadoras envolvendo o ambiente escolar, a criança pode nem mesmo conseguir frequentar escola alguma no futuro. Portanto, não se deve subestimar a facilidade com que crianças com Asperger criam fobias. Não é superproteção dos pais, é a realidade da síndrome, lembrando que o maior desafio dessas crianças é sempre em relação aos ambientes sociais, tão agradáveis para muitos, mas que podem ser desesperadores para elas.

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Cena comum no primeiro dia de aula – só de olhar, não dá para saber qual criança superará o medo sem maiores consequências e qual não o fará;  também não dá para saber o tamanho desse medo. Independentemente de haver ou não um diagnóstico, se as escolas planejassem um programa de adaptação mais humano, que envolvesse mais as famílias, o processo seria muito menos assustador – para todos. 

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A forte tendência de crianças com Asperger desenvolverem fobia social e escolar já foi observada na literatura internacional sobre a síndrome, mas muitas escolas, pela desinformação e motivadas pela ‘certeza’ em saber como as crianças típicas funcionam, entendem a preocupação da mãe como excesso de zelo e dificultam o acesso dessa mãe à escola justamente quando seria ela a maior aliada em relação a dicas essenciais no convívio com aquela criança, e num período crítico da adaptação. Tal postura é compreensível, pois o que veem todos os dias são crianças que choram muito no início, mas ‘todo mundo passa a frequentar a escola sem problemas depois’. Bem, quase todo mundo.

Conhecer as particularidades da criança é fundamental para uma inclusão bem-sucedida: além dos livros e especialistas, são os pais os melhores informantes

Num mundo ideal, bem informado e livre de achismos baseados em psicologias rasas do senso comum, a cartilha de inclusão do autismo teria o seguinte parágrafo:

“É expressamente proibido impedir o acesso do cuidador principal da criança com TEA no recinto escolar ou mesmo sala de aula enquanto a criança precisar desse apoio, que costuma ocorrer num processo de dias ou semanas até que a adaptação esteja completa e os profissionais da Educação estejam suficientemente familiarizados com as necessidades inclusivas do novo aluno.”

A pessoa autista tem padrões de alimentação, higiene, sensibilidades e comportamentos que, se não forem conhecidos e respeitados por quem convive com elas, poderão tornar impossível a permanência dessa criança no ambiente escolar. Imagine um início de ano, uma sala cheia de alunos, um professor que não conhece a síndrome de Asperger e nem as particularidades da criança: quantos atropelos a criança suportará até decidir que a escola não é um lugar agradável para se estar?

Por exemplo, se a criança tem sensibilidade acentuada a abraços e cheiros e a professora organiza uma brincadeira de um abraçar o outro para estimular a socialização, e depois outra atividade para explorarem os cheiros das coisas, ou mesmo escolhe utilizar um material em sala que possui um certo cheiro, essa criança com Asperger se sentirá no pior lugar do mundo, completamente ameaçada em suas fragilidades. Muitas não conseguem dizer na hora o que as incomodou, e permanecem paralisadas pelo pânico da situação, ao que a professora vai interpretar como “Está tudo bem” ou “Ele é tímido”, sem saber que, muitas vezes, crianças com Asperger não simplesmente choram ou riem quando se espera que o façam e que podem manifestar suas emoções de modo bastante fora do padrão. Outras poderão entrar em crise, que é uma explosão emocional muito similar à birra, mas com efeitos muito mais nocivos do que a famosa birra típica infantil, que costuma ser momentânea e sem efeitos a longo prazo.

Quando triste ou incomodada, em vez de chorar, a criança com Asperger pode, por exemplo, apenas engajar num comportamento repetitivo, que para quem olha de fora pode parecer apenas que ela esteja bastante focada numa brincadeira ou objeto, não parecendo nada demais. Porém, quem a conhece sabe que na sequência virão explosões emocionais e desregulação interna, que muitas vezes acabam sendo expressas apenas quando a criança chega no ambiente seguro do lar; essas desregulações costumam criar efeitos mais duradouros que o que normalmente se vê numa criança sem TEA, e atingem o sono, a alimentação e as funções orgânicas (digestivas, intestinais, urinárias, etc.), além de serem o início de um processo fóbico que se tende a se manifestar sempre que a criança for exposta à situações similares que inicialmente causaram stress.

O caminho para evitar o surgimento de fobia social e escolar é conhecer as particularidades e fragilidades da criança e respeitá-las.

Como a mãe não costuma estar presente no recinto escolar, o que geralmente acontece, aproveitando nosso exemplo acima, é que a professora volta a dar aquela atividade incômoda às sensibilidades sensoriais da criança com Asperger (do abraço e dos cheiros), além de outras atividades igualmente invasivas. A criança com Asperger chega em casa, não consegue verbalizar de forma clara o que houve, algo muito comum na síndrome, e a mãe fica sem entender o que está havendo e por que a recusa em ir para a escola aumenta a cada dia. Ao conversar com a professora, esta lhe diz com sinceridade que não imagina o que possa estar havendo, pois o aluno parece sempre quieto em aula, ao que ela interpreta como sinal de que tudo esteja “tranquilo”, ou se chorou foi por algo que ‘acontece’, não configurando um grande problema aos olhos do professor.

Sem a mãe no ambiente observando os primeiros dias de aula da criança que ela conhece bem (se você for uma mãe lendo este texto, que não poderia estar presente na escola com seu filho, não entre em pânico, leia mais adiante o que fazer) ou sem ao menos ter trocas frequentes de informação com o professor sobre como foi o dia, nem a mãe conseguirá identificar qual foi o problema fundamental, nem a professora desconfiará, afinal, nem passará pela cabeça dela que aquela brincadeira da qual as outras crianças na sala tanto gostaram foi um problema para a criança com Asperger, ou até mesmo que aquele lápis em especial fosse um objeto ligado à obsessão da criança e que, por isso, desencadeou crises ao ser retirado (obsessões na síndrome de Asperger são coisas potentes, que o professor precisa compreender). Essa ineficácia de informação só cresce, culminando na instalação de fobia escolar, lembrando que essa mesma fobia iniciada numa escola pode perdurar por toda a vida escolar da criança ou até mesmo acarretar em desistência, causando grande prejuízo acadêmico e social.

O índice de crianças com Asperger que acabam abandonando a escola é alto e a causa é quase sempre o despreparo das escolas e dificuldade em acatar e ouvir o que os pais têm a dizer.

Por isso, o ideal seria que, a partir do momento em que as escolas estivessem melhor informadas sobre o autismo, adotassem essa prática da presença da mãe junto ao aluno nos primeiros dias ou semanas como recurso essencial para o sucesso da adaptação escolar. Essa ideia do senso comum de que a criança fica mais manhosa na presença da mãe não se aplica ao autismo, não apenas pela natureza neurodiversa da criança TEA, como também pela seriedade nas necessidades especiais da criança que devem estar acima de qualquer preocupação com “manhas”.

À medida em que a professora for passando a compreender seu aluno, através das dicas e direcionamentos da mãe, esta vai se tornando cada vez menos necessária e poderá, gradualmente, ir se afastando. É como se alguém precisasse aprender a usar um sistema novo: se a pessoa que já o conhece te explicar como funciona, a chance de travar o sistema e causar uma pane será bastante reduzida.

A analogia só não é melhor porque crianças não são sistemas. São pessoas de carne e osso, com sentimentos e pensamentos próprios, e que deverão, portanto, ser tratadas com uma atenção exclusiva. Não se pode simplesmente ir apertando qualquer botão para ver o que acontece e é isso que as escolas precisam compreender. Diferentemente do sistema, não é possível reiniciar pessoas.

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Você sabia?

Na França, Dinamarca e Alemanha, a participação ativa dos pais no ambiente escolar é bem-vinda, além de ser prática comum para a escola como um todo, e não apenas para crianças com alguma necessidade especial. Havendo necessidades específicas, então, esse apoio e presença dos pais deveria ser indiscutível. Na Dinamarca, o envolvimento dos pais na escola nos filhos é visto como um direito democrático.

Como seria o primeiro dia escolar ideal?

No primeiro dia de aula, a criança com Asperger deve ser acompanhada pela mãe até a sala de aula (ver dicas para crianças maiores abaixo), e não ser deixada no portão externo da escola. Lá, a professora deve receber a criança com discrição, dando apenas um “olá”, em tom de voz baixo, porém cordial, e sem muitas “demonstrações de socialização e afeto”, como beijo, abraço ou ficar perguntando coisas à criança. A única pergunta que ela deve fazer é: “Você gostaria que sua mãe ficasse com você aqui hoje?”. Certamente, a criança dirá que sim, ao que a professora poderá dizer: “Tudo bem. Então mostre à sua mãe o lugar em que você vai sentar. Você se lembra onde é?” A criança já terá conhecido o lugar em que irá se sentar nas visitas ocorridas antes do início das aulas. Se não lembrar, mostre o lugar.

Isso dará à criança uma sensação inicial de acolhimento, de pertencimento (eu tenho um lugar reservado para mim), de autonomia e participação (ela é quem leva a mãe ao local certo), de confiança na professora (que não foi invasiva e acatou uma vontade e necessidade da criança), além de uma baixa inicial do medo e ansiedade que estavam elevados naquele momento de transição e novidade (duas coisas muito difíceis para pessoas com autismo), inclusive apoiando o próximo momento tenso que é adentrar uma sala cheia de pessoas falando ao mesmo tempo (algo certamente assustador para pessoas no espectro do autismo).

A mãe deverá, então, permanecer sentada numa cadeira dentro da sala de aula, no campo de visão da criança. Ela não precisará ser apresentada aos colegas como “a mãe do fulano”, devendo sentar-se da forma mais discreta possível, sem fazer interrupções na aula.

A estadia recomendada da criança na escola no primeiro dia é de no máximo 1 hora e 30 minutos.

Dica importante para crianças maiores:

A presença óbvia da mãe em sala de aula não é recomendada para crianças após os 8 anos de idade, pois isso daria margem a bullying e diferenciação evidente da criança; nesse caso, o ideal seria que a mãe mantivesse contato facilitado com a professora nos primeiros dias (por telefone ou WhatsApp, por exemplo) para fazer um apanhado rápido do dia e ir dando possíveis dicas, além de colher informações sobre as atividades e ocorrências para que tenha melhores condições de orientar o filho em casa.

Caso a criança requisitasse insistentemente a presença da mãe, esta poderia combinar de ficar em alguma sala ou espaço um pouco afastado da sala de aula, de modo que os outros alunos não soubessem que a criança com Asperger foi procurar a mãe caso precise. A professora combinaria com a criança de apenas dizer “Preciso sair”. Se os colegas questionarem algo, uma sugestão seria a professora dizer que ele tem algumas questões de saúde e precisa sair de vez em quando para fazer algumas coisas, dando o assunto por encerrado.

Continuando as dicas para crianças menores…

No segundo dia, a mãe avisa o filho – antes de entrar na sala – que continuará dentro da sala com ele, mas precisará sentar numa cadeira diferente. Observe que o aviso é antecipado à mudança de cadeira em si, ou seja, nunca faça nada de repente, avise tudo antes. A escolha de mudança do local onde a mãe se senta tem o intuito de sair do campo de visão imediato da criança, para que ela vá aos poucos se acostumando a não vê-la, posteriormente passando a esquecer-se de que a mãe está ali.

Estar preparada para protestos e medo da criança é importante, pois muito provavelmente eles irão acontecer. Oferecer um prêmio concreto pode ser necessário e talvez a única coisa que funcione efetivamente para motivar crianças com autismo. Pode-se dizer que se ela ficar no lugar dela algum tempo, ganhará um prêmio (algo que a interesse, como figuras de algum objeto relacionado aos seus fascínios especiais). Esse tempo para posterior premiação vai gradualmente sendo aumentado. A própria professora pode combinar que será ela a entregar o prêmio, o que ajuda a reforçar o vínculo.

Se a criança insistir em ficar com a mãe no fundo da sala, uma opção seria a mãe dizer algo assim: “Se você não ficar na sua cadeira, perto da professora, eu não poderei mais ficar na sala com você, pois mamães sentam ali (aponte) e o seu lugar de sentar é aqui (aponte). É só olhar pra trás que você vai me ver, ok?… e só ganha o prêmio se ficar no seu lugar.”

A professora deve permitir que a criança vá falar com a mãe sempre que precisar.

A mãe pode chamar a professora e dar a dica: “Filho, a professora quer combinar um prêmio com você.” E deixe a professora falar.

A ideia é que a mãe seja observadora e funcione como um guia do comportamento da criança para a professora, como uma intérprete, mas que permaneça sempre numa postura passiva na escola, de modo a nunca interferir ou resolver algo pela professora, para que a criança desenvolva confiança na professora cada vez mais e note a presença da mãe cada vez menos.

A criança deve perceber que a professora é quem resolve as coisas na escola, de modo que a presença da mãe se torne dispensável com o passar dos dias e que a criança perceba que, na escola, a autoridade vem do professor. Se não for assim, a criança nunca ficará na escola sem a mãe. A mãe pode, inclusive, caso tenha a ideia de fazer algo, mostrar que se deve pedir autorização à professora, para que a criança aprenda a direcionar suas necessidades à professora e não à mãe. Por exemplo, a criança está agitada e a mãe vê um livro com um assunto que a criança gosta na prateleira. Em vez dela própria ir lá pegar o livro e dar a criança, ela diz à criança: “Por que você não pede para a professora para ver aquele livro?À medida em que a professora vai atendendo as necessidades da criança, esta passará a confiar nela.

A professora precisa estar atenta e se antecipar sempre que possível. Por exemplo, no caso do livro, ela pode facilitar as coisas para a criança (que pode ter dificuldade em pedir) e perguntar: “Você quer ver um livro?

Frases de conforto ditas pela professora tais como: “Na escola, eu ajudo a sua mãe a cuidar de você. Me peça o que precisar, ok?” são importantes.

É igualmente vital que o professor cumpra o que disse, ou seja, protegendo a criança dos colegas mais agitados e nunca se ausentando sem aviso ou por um longo tempo. Seria  bom que alguma tia da escola também se familiarizasse com a situação, para que a criança se habituasse a ela também, nos momentos em que a professora precisasse sair um pouco da sala. É importante instruir essa tia a se posicionar sempre perto da criança quando estiver olhando a turma na ausência da professora e orientá-la a não deixar que o barulho na sala aumente, que ela própria não grite, e que vá dando avisos de que a professora já vai voltar.

Nunca se deve deixar a criança com Asperger sozinha na sala com os colegas sem a presença de um adulto.

O tempo sugerido de permanência da criança no segundo dia é de cerca de meia hora a mais que no dia anterior, que vão sendo aumentados gradualmente, até que a criança consiga ficar todo o período. Dificilmente a criança autista conseguirá ficar mais de 3 ou 4 horas na escola. A direção precisa ser sensível a isso e adaptar o sistema priorizando o bem-estar da criança, conforme determina a lei (alguns diretores esquecem disso).


Na segunda semana, se tudo tiver corrido relativamente bem, ou seja, se a criança estiver concordando em ficar em sala, a mãe pode, então, passar a sentar-se do lado de fora da sala, mas na parede lateral da porta, de modo que continue não ficando no campo de visão da criança, que irá querer sair algumas vezes da sala para se certificar da presença da mãe ali. E tudo sempre avisado previamente.

E ali a mãe deverá permanecer (a menos, é claro, que a criança dê sinais de estar mais tranquila e adaptada do que se supunha, o que vai depender muito da habilidade do professor em conquistar a confiança da criança).

É importante que pais e escola tenham clareza de que o tempo necessário para que a mãe permaneça na escola não será determinado pelos pais ou escola, e sim pelo comportamento da própria criança, que a mãe ajudará a interpretar. A mãe nunca deve sair do local combinado em que disse que estaria sem avisar a criança, pois se esta for procurar a mãe e esta tiver ‘sumido’, a confiança na mãe e no ambiente da escola ficarão ameaçados e a criança se sentirá traída. De certo, é tentador ‘sair de fininho’ se a mãe vê que a criança está tranquila dentro da sala, mas isso nunca deve ser feito, pois a criança sentiria isso como abandono e traição e não confiaria na mãe depois. Mesmo quando chegar o momento de avisar que vai sair dali e estar em outro local da escola, ou quando chegar a hora de dizer que “já já volta e a esperará no portão da escola” (que a criança já deve saber bem qual é), isso deve ser informado e combinado com a criança. Em caso de protesto, tenha prêmios ‘na manga’, que a criança ganhará se ficar com a professora na sala. A ideia é que estes prêmios sejam espaçados cada vez mais ao longo do processo, por exemplo, se a criança ficar dois dias, três dias, uma semana, etc., ganhará um prêmio. Pode-se fazer um quadro de incentivo, marcando um “X” em cada dia que a criança ficou em sala.

Vale lembrar que tudo isso só terá sucesso se o professor conseguir cativar e acolher a criança, dando-lhe a sensação de proteção e apoio. Quanto mais se conhecer o autismo, mais fácil isso será, pois ao sentir-se protegida em suas fragilidades, a criança passará a confiar. Por isso o professor precisa ter interesse em se informar. 

Para a mãe, enquanto espera na sala ou já fora dela, uma dica particular é que esteja sempre ocupada e dê pouca atenção à criança quando esta for procurá-la, falando brevemente do que importa e dizendo que enquanto estão na escola, “na escola a mamãe trabalha e você fica na sala com a professora” (não diga “com os colegas”, observe sempre a escolha das palavras). Assim, a criança vai perceber que nada de “legal” acontece quando ela procura a mãe enquanto estão na escola. Ela não ganha um afago, atenção, nada. A mãe deverá levar um livro para ler, um laptop ou qualquer outra coisa que faça parecer que esteja ocupada fazendo algo importante naquele momento, pois isso também vai mostrando à criança que a escola é um local de trabalho (onde, obviamente, ela entenderá que o estudo é o trabalho da criança).

Sugestão de carga horária para o período de adaptação

1º. Dia: a criança permanece de 60 a 90 minutos na escola;

2º. Dia: a criança permanece 2 horas na escola;

3º. Dia: a criança permanece 2 horas e meia na escola;

E assim sucessivamente, aumentando-se meia hora a cada dia, até que a criança consiga ficar o período todo.

É claro que é preciso sensibilidade a cada caso e, mais uma vez, a mãe pode ajudar a determinar o grau de stress em que a criança se encontra, de modo que o período de estadia acima seja apenas uma ideia geral, que deverá ser adaptada para cada criança e situação.

Por exemplo, se a criança, no primeiro dia, ficou meia hora na escola e já está aflita para ir embora, deve-se levá-la embora, sempre informando que voltarão no dia seguinte. Forçar a estadia é a pior coisa a ser feita, pois isso automaticamente gerará na criança a sensação de perigo em relação àquele ambiente, pois a mensagem passada será a de ela está presa ali, acuada como um bichinho silvestre numa jaula. Aliás, essa metáfora do bicho silvestre é muito adequada às crianças com Asperger: elas são como passarinhos na floresta. Se chegarmos muito de repente, falando alto e fazendo mil coisas, nós as espantaremos e elas voarão para longe. Porém, se formos deixando as migalhinhas de pão pelo caminho, e esperarmos que o passarinho venha, ele chegará bem mais perto de nós. Se tentarmos segurá-lo, ele voará.

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Essas migalhas de pão seriam as atividades de interesse da criança, um local quieto num cantinho, objetos de que goste, nossa presença não invasiva, dentre outras coisas que iremos observar dentro das particularidades daquela criança. A propósito, existe um livro sobre uma menina com Asperger, da autora Kathryn Erskine, cujo título é “Passarinha”. Não foi por acaso que a autora pensou nesse título.

A criança deve perceber que as pessoas ali respeitam suas necessidades e dificuldades, acatando o que ela diz em vez de julgarem as requisições da criança como ‘manha’ e as tratando como tal. Nada é mais nocivo para uma criança assustada e hipersensível como a criança com Asperger. O professor precisa treinar a capacidade de se colocar no lugar da criança do ponto de vista da criança, e não do adulto sem a síndrome. Esse é o erro mais comum das pessoas que lidam com as crianças com Asperger e não as compreendem.

Se, após 1 ou 2 semanas, a criança ainda não estiver querendo ficar na escola, novas estratégias precisarão ser criadas. Para isso, no entanto, será necessário identificar o que tem causado desconforto na criança, e, mais uma vez, a mãe pode ajudar nesse ‘trabalho de detetive’. Pode ser um cheiro, a proximidade física com crianças mais agitadas, o barulho do ambiente, o tipo de atividade proposta ou a forma com que a professora propõe a atividade ou fala com ela, pode ser o tema da estória que a professora contou, o tipo de brincadeiras, o tom de voz alto da professora, enfim, quase sempre só quem conhece a criança mais a fundo é que vai perceber.

Não tenho como estar presente com o meu filho na escola, e agora?

Se a mãe não tem disponibilidade de tempo para poder acompanhar a criança no ambiente escolar durante este processo (ou mesmo se a escola for muito reticente quanto à presença da mãe, o que, nas escolas brasileiras, infelizmente é comum), sua ausência deve ser compensada com trocas de mensagem diárias (o ideal seria ter o contato de WhatsApp da professora) ou conversas rápidas na porta da escola com a professora, para ir ajustando as dicas e orientações.

Não se pode negar que o ideal seria que a mãe estivesse presente, pois o processo se daria de forma muito mais rápida e tranquila, afinal, a mãe vai depender muito mais da percepção da professora, que pode estar bastante aquém do necessário por todos os motivos explicados até aqui, mas se a escola demonstra resistência, ou a mãe precisa trabalhar ou tem outros filhos para cuidar, é importante que não se sinta culpada ou excessivamente aflita, afinal, estará fazendo o que lhe for humanamente possível dentro da realidade circundante, e toda pequena ajuda, de uma forma ou de outra, será sempre importante e fará diferença no dia da criança. Em vez de culpa ou pesar, inclusive porque a apreensão da mãe poderá ser sentida pela criança como sinal de alerta negativo em relação à situação escolar, a mãe deverá focar sua atenção em procurar meios alternativos de compensar sua ausência, desde conversas frequentes com o professor até quadros de incentivo e recompensas para cada pequena conquista da criança que pode existir em casa e também na escola, discretamente, num caderninho combinado com o professor.

Por fim, caprichar nos outros aspectos sugeridos nesse guia de inclusão, tais como a preparação antes do início das aulas, o que inclui a criança conhecer o professor e a sala de aula previamente, numa visita com a mãe ao novo ambiente, as fotos e a entrega de material explicativo ao professor, já serão de grande ajuda.

Sugestão de leitura para pais e professores: PAIS: UMA CONTRIBUIÇÃO FUNDAMENTAL NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM AUTISMO – clique aqui

Outras considerações

Escolhendo uma escola

Ao escolher uma escola, a preferência deve ser por escolas pequenas (quanto menos alunos, melhor!), menos tradicionais ou conteudistas. O foco dos pais de uma criança com Asperger (e deveria ser assim para qualquer criança aliás, mas para as com Asperger isso é vital) e da equipe escolar deve ser o bem-estar da criança, e não a quantidade de ensinamentos que ela acumula. Desenvolver o gosto por aprender vale muito mais e nos leva muito mais longe. E essa será uma habilidade de vida importantíssima para crianças com Asperger.

Pessoas com Asperger são vigorosamente seletivas e irão se rebelar contra qualquer imposição de valores ou interesses contrários aos seus. Por isso, o ideal é que a escola siga uma metodologia mais livre, mais espontânea, mais flexível, que valorize o ser humano em primeiro lugar e o conteúdo apenas depois disso. A tendência é que a criança com Asperger acabe se especializando num assunto de interesse e ignorando, por vezes completamente, outros assuntos. Aceitar isso não significa considerar essa postura adequada, afinal, todo extremismo pode ser negativo, mas significa que compreendemos que o funcionamento dela é esse e que dificilmente mudará.

E para pais mais tradicionais e preocupados, que querem escolas conteudistas que garantam os primeiros lugares na FUVEST, é importante lembrar que a tendência da escola do futuro, seguindo modelos de países de primeiro mundo como a Finlândia, é reformar o sistema de ensino e reestruturar tudo o que se entende por ‘escola’, mostrando que sacrificar-se em aprender todas as matérias atualmente presentes nas escolas não só não tem sido produtivo, como não é, de fato, necessário. Na Finlândia, tem havido um movimento de reforma educacional, onde a intenção é abolir as matérias-base das escolas, dando espaço a um sistema de aprendizado mais aberto, holístico e interdisciplinar (Fonte de dados: Collective Evolution, um site internacional de noticias sobre a área da educação e inovações pelo mundo). E instituições educacionais que começam a trilhar esse caminho já existem no Brasil, como é o caso da escola Montessoriana. Não foi à toa que o filho da monarquia britânica foi matriculado numa escola desse tipo. O importante é que ele, como futuro governante, aprenda a pensar, e não a seguir ordens e a submeter-se cegamente, como acontece no atual sistema tradicional de ensino.

Por isso, uma metodologia mais livre dará à criança com Asperger a oportunidade e a liberdade de investir em seu campo de interesse e aptidão natural, sem se estressar além da conta sobre as matérias das quais um conhecimento raso já seria suficiente. Assim, muitas dessas crianças podem vir a tornar-se verdadeiras especialistas em seus campos de interesse, muitas vezes transformando-os em profissão, diferentemente de metodologias tradicionais que determinam o que, como e o quanto a criança deve aprender, oprimindo as manifestações naturais de potencial que elas apresentem.

A criança com Asperger precisa dessa abertura para descobrir e explorar o seu potencial, caso contrário poderá acabar perdida, sem rumo pessoal e profissional, por nunca ter tido a chance de desenvolver aquilo que nasceu sendo boa em fazer. Escolas como a Montessoriana e a Waldorf costumam ter mais esse perfil.

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Sala de Aula de Uma Escola Montessoriana

A adaptação também é necessária com a mudança de ano letivo

As sugestões descritas aqui podem, com as devidas adaptações, ser aplicadas a crianças com Asperger que iniciam um novo ano escolar, e não apenas às que iniciam numa nova escola. Com a mudança de ano letivo, o professor muda, a sala muda, o lugar de sentar-se muda e até alguns colegas mudam. De tudo isso, a mudança de professor costuma ser o maior problema e um grande desafio, e o mesmo trabalho de pré-adaptação e contato antecipado com esse professor (e sala de aula) antes do início das aulas, de conscientização e informação, que foi desenvolvido com o professor do ano anterior, deve ser feito com o novo professor. As escolas Waldorf e algumas escolas de países de primeiro mundo não mudam seus professores durante os primeiros anos de ensino e alcançam excelentes vantagens e aumento de produtividade com essa prática. Como esta não é a realidade na maioria das nossas escolas, precisamos compensar isso com maior investimento no processo de adaptação a cada novo professor.

Uma dica interessante é que o coordenador da escola acompanhe as reuniões informativas para que possa auxiliar o professor atual e também os professores vindouros com a informação necessária. Reforço a importância da família encontrar um psicólogo que possa acompanhar o trajeto escolar do aluno com Asperger, inclusive para que vá providenciando relatórios, fazendo visitas de observação e representando os pais nas reuniões iniciais de esclarecimento do quadro ao novo professor ou em outras reuniões que se façam necessárias, especialmente se a escola, infelizmente, não tiver a abertura necessária para a participação dos pais, o que é uma realidade massiva no nosso país.

O professor bem-informado

É fundamental que o professor tenha informação sobre a síndrome de Asperger; além de entregar em mãos uma cópia impressa do texto “Lista de dicas de convívio e manejo de crianças com síndrome de Asperger – para a escola, professores, pais e familiares” , outra ideia é deixar o endereço de locais na Internet em que a mãe já saiba de antemão que o professor poderá encontrar informação confiável. Este blog, por exemplo, oferece um apanhado geral de todos os principais tópicos envolvendo a síndrome de Asperger, numa linguagem bastante acessível e com embasamento teórico de especialistas no assunto. Escrever o endereço do blog (sindromedeasperger.blog) no topo da cópia do texto entregue ao professor e à direção/coordenação, pode incentivar e facilitar o acesso à informação. Infelizmente, não existem muitos blogs em português com informação realmente fidedigna sobre a síndrome de Asperger, sendo este outro motivo pelo qual recomendo este.

Existe também um outro blog muito bom, embora mais focado no autismo clássico de nível moderado a severo, que é o Lagarta Vira Pupa, da jornalista Andrea Werner. Em caso de indicação desse endereço também,  não deixar de informar o tipo de autismo que cada um aborda.

Falta do professor

Em caso de falta do professor, o recomendado é que o aluno com Asperger também não vá nesse dia; pedir para que o professor avise a mãe pessoalmente, se for uma falta que não havia sido prevista, garantindo que o professor tenha os dados de contato pessoal dos pais (telefone, WhatsApp, e-mail), pois quando a falta é de última hora, a escola pode não ter tempo de avisar os pais.

Se a mãe trabalha e não tem como ficar com a criança nesse dia, infelizmente, há grandes chances de problemas, uma vez que a criança vá ficar com tias ou professores substitutos que não estejam acostumados ou inteirados das particularidades da criança. É melhor que um parente fique com a criança nesse dia em vez de mandar a criança para a escola, pois na casa de um familiar a criança ao menos estará num ambiente mais tranquilo e menos tumultuado (teoricamente). Além disso, ir para a escola num dia caótico pode aumentar a ansiedade em relação à escola, pois pode surgir o medo de ir depois por nunca saber se aquele será o dia em que a professora vai ou não estar.

Se não houver meio da mãe ou familiar se ausentar no trabalho ou não houver um parente que possa ficar com a criança nesse dia, e ela tiver que ser mandada para a escola, uma alternativa para tentar ao menos suavizar as coisas seria conversar com a coordenação e pedir que oferecessem um ambiente tranquilo para a criança ficar, na companhia de algum adulto que pudesse oferecer atividades do interesse da criança, pois crianças com Asperger costumam se sentir melhor com adultos do que com outras crianças, ainda mais se forem crianças alvoroçadas pela falta do professor e caos na rotina de sala de aula.

O que a mãe pode fazer dentro da sala de aula

Enquanto a mãe estiver em sala de aula, a sugestão é de que vá sempre anotando numa folha de papel o conteúdo de observações e dicas ao professor naquele dia (pode ser útil ter um caderninho). O professor irá juntando e lendo esses bilhetes diariamente e, com isso, evita-se que a mãe fique falando sobre a criança na frente da própria criança (algo que deve sempre ser evitado), e as dicas dadas no mesmo dia de alguma situação ocorrida serão muito mais eficazes para ensinarem o professor sobre algum ponto importante acerca daquele aluno do que se dias se passarem e a situação acabar caindo no esquecimento e não mais servir como exemplo.

Após alguns dias, o professor já terá angariado uma ampla gama de informações úteis e essenciais no trato com aquela criança. Por exemplo, o professor pede que o aluno faça um desenho e pinte. A mãe sabe que o aluno tem muita resistência pintar, mas o professor não sabe. O aluno faz o desenho e não pinta. O professor insiste. O aluno se irrita, corre para a mãe, quer ir ao banheiro várias vezes, começa a querer ir embora, fica agitado. Se a mãe escrever ao professor “Ele não gosta de pintar e é melhor nunca insistir com crianças com Asperger”, a postura do professor será diferente no dia seguinte. Às vezes, é possível cochichar isso para o professor logo que o problema surge, mas se não for possível, um bilhete ajuda muito.

Depois, se o professor for interessado e pesquisar, ele vai descobrir que a mãe não está simplesmente “incentivando os caprichos da criança”, pensamento usual de educadores em relação às mães, ainda mais quando se trata de uma mãe que, inicialmente, faz tantas recomendações ao professor, quando este ainda não está familiarizado com a criança e com a síndrome de Asperger e acha que tudo aquilo parece exagero.

Este professor interessado irá, por exemplo, descobrir que é realmente embasado teoricamente que crianças com Asperger têm mesmo uma dificuldade neurológica que afeta a coordenação motora fina, de modo que lhes seja fisicamente muito mais doloroso pintar ou escrever muito, segurando e coordenando o lápis em movimento de pinça por muito tempo. Alguns professores dirão que muitas crianças sentem incômodo ao escrever também, e que escrever dói mesmo. O que precisam compreender, no entanto, é que o limiar de dor e de tolerância da criança com Asperger é diferente. Para elas, muito mais que um incômodo, pinturas a lápis e aulas de caligrafia podem ser demasiadamente exaustivas e penosas. Isso somado à dificuldade de regulação emocional que possuem, pode causar muito mais problemas do que causaria para uma criança sem esta mesma configuração neurológica.

Muitas escolas internacionais autorizam, inclusive, que o portador da síndrome de Asperger tenha consigo um laptop ou outro recurso de informática para digitar as anotações de aula ou mesmo tirar uma foto do quadro negro em vez de copiá-lo. Esse sofrimento e dificuldade na escrita é, aliás, é um dos vários motivos pelos quais a criança se recusa a fazer a lição de casa. E não somente por isso, mas ainda por outros motivos, autores renomados e especialistas em Síndrome de Asperger, como é o caso de Tony Attwood, recomendam que a criança com Asperger não tenha lição de casa.  Um desses motivos é a sobrecarga de stress psíquico e emocional que crianças com autismo têm em comparação às crianças sem o transtorno. Elas precisam de mais tempo para recarregarem suas energias, de modo que estender a escola para dentro do espaço do lar pode ser intolerável. Existem outros motivos ainda, mas falaremos disso numa outra oportunidade.

E assim o professor vai aprendendo a confiar nas dicas da mãe, mesmo que na hora nem ele nem ela saibam o embasamento teórico disso, afinal não são especialistas, embora os pais geralmente se tornem verdadeiros pesquisadores da síndrome, de modo que seu conhecimento deve sempre ser aproveitado e nunca ignorado.  Além disso, viver a síndrome dentro da própria casa dá um conhecimento de causa considerável para os pais. Sobretudo, se a mãe dá uma determinada dica, é porque isso facilita o convívio e bem-estar da criança, e isso por si só já deve bastar. 

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A Finlândia (acima) tem um dos melhores sistemas de ensino do mundo. Há diferenças interessantes entre o sistema deles e o nosso: as crianças entram na escola apenas aos 7 anos, têm férias mais longas e não têm lição de casa. Foi isso mesmo o que você leu: as escolas finlandesas não dão lição de casa aos seus alunos. O Brasil precisa rever seus conceitos na área da educação e os professores devem ser os primeiros a fazer isso. Enquanto isso não acontece, é dever da escola adaptar o sistema atual de forma a respeitar os limites da criança, especialmente das com necessidades especiais.  Fonte da informação: CNN – October, 14 – 2014

  

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