Por Audrey Bueno
A autora é psicóloga e pesquisadora da síndrome de Asperger
Nunca julgue um livro pela capa: a síndrome de Asperger é muito mais complexa do que parece, assim como as dicas a seguir são muito mais praticáveis do que o conjunto de detalhes desse longo texto nos faz supor
O conteúdo desse plano de adaptação pode parecer excessivamente detalhista e cuidadoso num primeiro momento, mas é preciso lembrar que a vida interna de uma criança com Asperger é feita de inúmeros detalhes essenciais do ponto de vista dela e que determinam aspectos cruciais do seu comportamento, e que os muitos detalhes abordados aqui correspondem, ainda assim, apenas a uma parte do total de coisas que passarão pela cabeça dessa criança num dos momentos e lugares mais desafiadores de sua infância: a escola.
Além disso, cada observação aqui descrita foi cuidadosamente pensada do ponto de vista psicológico e do embasamento técnico-científico sobre a síndrome, além de agregar informações sobre experiências reais de crianças com Asperger, de modo que olhar para estas crianças pensando em crianças típicas não fará o mesmo sentido que fará quando pensarmos na neurodiversidade da síndrome de Asperger.
Não entendemos as leis da física completamente, mas estamos fortemente sujeitos a elas: podemos não saber calcular a gravidade, mas sentimos o seu peso todos os dias. É preciso humildade e boa vontade para lidarmos com as coisas que não conhecemos bem.
“É melhor pecar pelo excesso do que pela falta, pois o excesso pode converter-se em reserva para os momentos de escassez, enquanto a falta pode ser devastadora.”
Audrey Bueno
Preparação antes do início das aulas
A adaptação de crianças com a síndrome de Asperger começa no ato da matrícula.
É importante ter em mãos um breve resumo das principais dificuldades e necessidades de adaptação da criança para descrever à direção da escola, para checar se eles podem oferecer aquilo que seu filho irá precisar no ano letivo.
Informe-os que o que vocês mais precisam é de um ambiente e professor acolhedor, disposto a estabelecer um diálogo contínuo com vocês até que a criança finalmente esteja ajustada à escola e a escola a ela. Diga que as questões sensoriais e de socialização são as coisas mais importantes de serem observadas, além de alguma adaptação e flexibilização que se faça necessária, como, por exemplo, não aplicar castigos do tipo ‘cantinho do pensamento’, flexibilizar a lição de casa e dispensar a criança de atividades em grupo que gerem stress, tais como apresentações em datas comemorativas, educação física ou gincanas. Muito resumidamente, esse é o panorama geral de adaptações que uma criança com Asperger irá requerer.
A dispensa das atividades deve sempre ser conversada com a criança antes e, se for o caso, deve-se mostrar a ela como é a atividade, informando-a que pode escolher se deseja participar ou não. A escolha da criança deve ser acatada sem insistências para que mude de ideia.
Infelizmente, é verdade que algumas escolas recuam e, mesmo sendo contra a lei, criam empecilhos e dificuldades, ou dizem que estão sem vagas no momento, mas que entrarão em contato se surgir uma – pois não querem arcar com o trabalho ou responsabilidade adicional comuns no atendimento de alunos com necessidades especiais, quaisquer que sejam elas.
Se por um lado esse pai ou essa mãe ficam com receio de perder a vaga a partir do momento em que relatam as necessidades especiais do filho, por outro isso serve como um filtro que a família deve utilizar para testar a real disposição da escola em acolher a criança, sendo muitas vezes melhor perder a vaga em uma escola que já se mostra pouco interessada no valor humano da relação e que busca um aluno que ‘não dê trabalho’ e garanta, assim, o máximo de lucro, com o mínimo de ônus, do que descobrir apenas mais tarde, em meio a situações de crise em que a criança é a principal vítima, que a escola não tem feito e nem fará o necessário para acolher devidamente o aluno.
Instituições assim são melhores longe dos nossos filhos, quer tenham uma necessidade especial ou não. Assim, não revelar as dificuldades da criança num primeiro contato, pode custar muito caro depois. A escola dirá que não sabia de tais necessidades quando da matrícula, e que se soubesse teria explicado melhor aos pais o que estava ao alcance da instituição oferecer. Ou seja, é preciso que haja um acordo ético entre as partes, em que tanto pais quanto escola sejam transparentes o bastante para decidirem juntos se serão bons parceiros ou não.
Após a matrícula, mas antes do início das aulas
Concluída a etapa da matrícula, os pais devem solicitar uma reunião com a futura professora para explicar as dificuldades do filho e como ela poderá ajudar. É fundamental que os pais conversem com a professora e expliquem o caso do filho antes do início das aulas. Nessa reunião, é importante entregar à professora algum material explicativo sobre a síndrome (que possa ser lido e relido conforme a necessidade), pois muitos professores nunca terão ouvido falar sobre Asperger e, se conhecerem algo sobre autismo, podem associá-lo às características de um único aluno que tenham tido no passado, imaginando que todos sejam do mesmo modo, ou há o risco de que tenham apenas uma visão estereotipada do transtorno. Podem desconhecer o fato de que há diversas formas de apresentação do autismo, assim como variados níveis de severidade. A reunião é importante também para mostrar que, independentemente do diagnóstico, cada indivíduo tem sua particularidade, ou seja, ninguém é igual a ninguém, sejam pessoas com autismo ou sem.
Na ocasião dos pais ficarem em dúvida entre duas escolas, um dos pontos que poderia ajudar a definir a escolha seria a figura do professor. Portanto, poderia ser uma boa ideia pedir para conhecer o professor antes da efetivação da matrícula (isso, na verdade, seria uma boa ideia em qualquer circunstância). Tal cuidado pode ser especialmente importante se for o primeiro ano da criança na escola, uma vez que a instituição não mudará o professor da turma se apenas o seu filho – ou uma minoria – não se adaptar. E, para um primeiro contato com a escola, o professor será a representação do que seja a vida escolar para o aluno. No caso específico de crianças com Asperger, que já terão tantas dificuldades extras próprias de qualquer contexto escolar (muitas crianças, barulho, agito, etc.), o professor precisará ser o elemento de segurança do ambiente. Se essa relação inicial não for bem sucedida, a criança com Asperger, em sua rigidez mental, poderá ter muita dificuldade em acreditar que o ambiente escolar possa ser de algum modo agradável e menos assustador um dia.
Pode parecer exagero e excesso de zelo para quem não está familiarizado com o transtorno, mas “é muito comum que a criança com Asperger goste – ou não – instantaneamente e permanentemente de alguém, especialmente em se tratando de profissionais”, como diz Tony Attwood, psicólogo britânico com mais de 30 anos de experiência atendendo pacientes com a síndrome de Asperger. Por isso, vale muito a pena cuidar para que a primeira impressão do novo professor seja a mais benéfica e agradável possível. Sobre isso, aliás, uma dica: o professor poderia ter consigo algum item relacionado ao interesse especial da criança (que terá sido previamente informado pelos pais) e presentear a criança no primeiro dia de contato. Se a criança é muito interessada em insetos, por exemplo, o professor poderia dar-lhe algumas figuras de insetos.
Efetuada a matrícula, pode-se combinar com a escola o agendamento de 1 a 3 visitas da criança ao novo ambiente escolar, de modo que o futuro professor esteja presente e disponível para passar o tempo da visita com a criança. É importante que tais visitas ocorram com a seguinte antecedência ao início das aulas: 1 mês, 15 dias e 1 semana. Não sendo possível agendar 3 visitas, ao menos 1 visita cerca de 20 dias antes do início das aulas já ajudará bastante, mas tente conseguir pelo menos duas visitas (com 1 mês e 15 dias de antecedência).
Essas visitas não precisam ser muito longas, de 30 minutos a 1 hora são suficientes. Durante a visita, é importante que a escola esteja calma e silenciosa, ou seja, sem alunos ou atividades, pois a ideia inicial é que a criança se habitue à professora e ao espaço físico primeiro. Quando já houver maior familiaridade com esses dois fatores, então passa-se para a fase de adaptação que inclui os colegas no espaço, sendo esta a fase de maior desafio para a criança com Asperger, não só pela interação social, como pelo barulho e agitação do ambiente. Essa familiaridade anterior com professor e escola é essencial e servirá para diminuir a enxurrada de novidades e apreensões no primeiro dia de aula, além de funcionar como ponto extra de apoio e segurança para quando o grande desafio do convívio com os colegas surgir.
Durante essas visitas, que devem preferencialmente ficar concentradas aos espaços a que a criança terá mais acesso na escola (em vez de visitar a escola inteira, o que poderia assustá-la), é fundamental que o encontro com o professor se dê dentro da sala de aula em que a criança irá ficar, fazendo o possível para permanecer ali o máximo de tempo durante cada visita (sem forçá-la, para que não se sinta presa ali), mostrando a ela o local em que irá se sentar e informando que aquela será sempre a mesa e o cantinho dela.
Para conseguir que a criança fique mais tempo na sala nesse primeiro momento, o professor deverá ter preparado algumas atividades de interesse da criança. É importante perguntar aos pais quais são esses interesses, e se a criança tem alguma aversão, pois imagine o problema se a criança tem aversão à massinha de modelar e o professor coloca justamente a massinha na mesa da criança como a primeira atividade. É bem provável que a criança já queira sair correndo, achando que “escola significa massa de modelar” e que será “sempre” isso o que ela irá fazer ali, afinal, crianças com Asperger criam muito essas regrinhas mentais rígidas e concretas em relação às coisas e situações.
É essencial que o lugar onde a criança vá se sentar jamais seja alterado e que a professora se assegure de que nenhuma criança esteja sentada nesse local quando a criança com Asperger entrar na sala no primeiro dia de aula. Por isso, é importante o planejamento anterior e atenção do professor nesse primeiro dia de aula, para que ele possa gentilmente realocar alguma criança que tenha se sentado nesse lugar antes da criança com Asperger chegar, afinal, precisamos lembrar que trata-se de uma criança com necessidades especiais, de modo que a mudança de carteira não tenderá a ser um problema para uma outra criança que não esteja no espectro autista como será para a criança com Asperger, que vincula muito de sua segurança ao espaço físico e local determinado (que sua mente rígida tem dificuldade em flexibilizar).
Descrição da imagem: bolo imitando frango cru: não é porque você olha esse bolo e sente aversão, que todas as pessoas sentirão. Mesmo que muitos compartilhem uma mesma opinião sobre algo (por exemplo, imaginamos que a maioria das pessoas no Brasil não ache esse bolo apetitoso), geralmente influenciados pela cultura em que estamos inseridos, a realidade é que a perspectiva é diferente para cada um de nós. Sempre haverá aquela pessoa com água na boca ao ver esse bolo. A mesma diferença de perspectiva pode ser aplicada à realidade do autismo, ou seja, mesmo que a maioria julgue algo como legal ou tranquilo, esta pode não ser a percepção da criança autista. – Fonte da imagem: aqui.
Portanto, os professores devem compreender a importância de ouvir os pais, mais ainda quando se trata de autismo. Se isso já é importante para crianças em geral, é fundamental para as com o transtorno. Os professores precisam compreender que a criança com autismo terá particularidades na sua forma de pensar e sentir que diferem das comumente observadas nas crianças sem o transtorno. Seus interesses e forma de pensar podem ser bastante incomuns, de modo que generalizações do tipo “Que criança não iria querer isso?” ou “Toda criança gosta daquilo!” não só serão ineficazes, como, muitas vezes, podem ser até mesmo prejudiciais. Muitas crianças com Asperger não gostam de brinquedos e preferem objetos “estranhos” (pilhas, etiquetas, canos ou cadeados, por exemplo), não gostam de festas, de cantar músicas em grupo, de brincadeiras como pega-pega ou esconde-esconde ou dos personagens que as outras crianças geralmente apreciam, tais como Homem-Aranha, Capitão América, etc. Em vez disso, crianças com Asperger podem se interessar por planetas, luminárias, relógios, clips de papel, sinais de trânsito e tampas de garrafas. Isso precisa ficar claro para o professor, pois boa parte dos problemas de adaptação escolar ocorrem justamente porque o professor não consegue reconhecer as particularidades da criança com Asperger em relação ao modelo infantil típico já enraizado em sua mente experiente de professor, que foi moldada com base nos 99% de alunos não autistas com que trabalhou, ou, mesmo que tenha tido contato com alunos autistas, é possível que não tenha visto muitos – ou um aluno sequer – com a síndrome de Asperger.
Para acolher uma criança com Asperger, é preciso rever padrões.
Os pais – ou a mãe, que costuma ser quem acompanha a criança – podem dar dicas antecipadas dos assuntos que a criança gosta, oferecendo ao professor uma lista de tópicos motivadores e interessantes que possam ser utilizados conforme a necessidade de entreter, cativar ou premiar a criança por algum esforço ou tarefa cumprida (recurso muito usual com crianças autistas para motivá-las a fazerem as atividades pedagógicas). Há um texto sobre estratégias para motivar e facilitar o desempenho de crianças com autismo aqui.
Portanto, num primeiro contato/reunião com o professor, a sugestão é que os pais entreguem a ele três coisas:
- Resumo informativo: “O que é a síndrome de Asperger?” – aqui
- Texto: “Lista de dicas de convívio e manejo de crianças com síndrome de Asperger – para a escola, professores, pais e familiares – aqui
- Anotações feitas pelos próprios pais com dicas dos principais assuntos de interesse e aversões da criança.
DICA EXTRA:
Fotos
Ter uma foto da sala de aula e outra da professora e fixá-las em algum lugar da casa que esteja à altura dos olhos da criança pode ser uma ótima ideia; isso fará com que a criança vá se habituando, ainda que inconscientemente, ao novo ambiente e às pessoas nele. Fotos de lugares novos são uma boa medida para reduzir a ansiedade antes da criança ir àquele local pela primeira vez (essa é uma boa dica também para viagens, consultórios médicos, etc.).
Se puder ter essas fotos antes mesmo da criança fazer a primeira visita programada à escola, melhor ainda. Aproveite para tirá-las quando fizer a primeira reunião com a professora. Atenção: certifique-se de que a foto seja agradável, por exemplo, com boa iluminação (acender as luzes da sala antes de tirar a foto!), num bom ângulo (pegando mais o ‘cantinho aconchegante’ da carteira onde a criança vai ficar e uma parte da lousa, mesa da professora e a porta aberta (para que a criança não fantasie que ficará presa ali), e não aquela foto à distância tirada no fundo da sala, ou da porta, que mostra a sala inteira imensa e assustadora). Faça fotos separadas, uma da sala (ou de partes da sala) e outra da professora, e não da professora na sala, pois crianças com Asperger costumam “categorizar” informações, ou seja, categoria “objetos, lugares”, categoria “pessoas”. As fotos podem ser distribuídas como num painel, juntamente com fotos de outras coisas que a criança goste (luminárias, dinossauros, etc.), montando uma espécie de “painel do cantinho feliz”. Um exemplo seria o painel da ilustração acima (não usar tachinhas e cortiça se a criança for pequena). Essa estratégia psicológica indiretamente sugere à criança que relacione coisas boas com as fotos/ambiente da escola.
Quadro de Rotina
Como o modelo acima mostra, o quadro de rotina é uma descrição personalizada das atividades semanais da criança, com o apoio de imagens, que são mais necessárias quanto menor a criança for. Se a criança não souber ler ainda, serão as imagens que passarão a mensagem.
Mesmo para crianças mais velhas, que já estão alfabetizadas, ao menos algumas imagens continuarão sendo importantes, tendo em vista o fato de que o cérebro autista as processa e retém com muito mais eficácia. Mesmo crianças não autistas se beneficiam de imagens, mas para as que estão no espectro do autismo, estas são vitais.
Para fazer este quadro, é interessante saber qual será a rotina escolar da criança (uma lista das matérias ou atividades especiais em cada dia da semana na escola pode ser fornecida pela coordenação antes do início das aulas), para diferenciar um dia de aula do outro. Quando a criança é muito nova (antes dos 6 anos de idade), o ideal é que sejam feitos dois quadros. O modelo da foto acima deverá ficar em casa. Um outro, contendo apenas a parte da rotina na escola e encerrando com uma figura de ‘casa’, que indica a hora de ir embora, pode ser fixado na sala de aula, com a observação de não incluir o nome da criança no topo, de modo que servirá de guia para todas as crianças da turma, que costumam gostar bastante da ideia, além de não causar uma diferenciação ou exposição apenas da criança com Asperger.
Se a criança tiver mais de 6 anos, um único quadro que fique em casa pode ser suficiente, pois a criança já sairá de casa com uma ideia em mente do que verá na escola naquele dia. Porém, se houver a possibilidade, ou seja, se a criança quiser e se a escola for receptiva, um quadro da rotina escolar que a criança possa observar também em sala de aula será sempre bem-vindo (atentando sempre para não incluir o nome da criança, para que seja neutro e de “utilidade pública”). Se a criança tiver hiperatividade, desatenção ou ansiedade excessiva, o quadro em sala de aula se torna fundamental, independentemente da idade.
O quadro deve ser fixado sempre na altura dos olhos da criança.
Uma variação muito boa desse tipo de quadro é colá-lo num quadro magnético e usar um imã para ir andando sobre os dias da semana, indicando o dia em que a criança está. Em casa, o quadro pode ser afixado na porta da geladeira, para que a criança possa igualmente ir movendo o imã.
Não esqueça de explicar o quadro à criança. Inserir figuras de interesse (personagens, objetos que goste) pode aumentar o prazer e o interesse em observar o quadro.
Primeiro dia de aula
A escola precisa estar ciente das necessidades da criança com Asperger e a pessoa que for receber os alunos na portaria precisa ser informada sobre quais crianças requerem atenção específica e como isso se dará. Por exemplo, se a criança com Asperger apresenta relutância em entrar ou ficar na escola, é recomendado – e, na verdade, imprescindível – que a mãe fique dentro do ambiente escolar com a criança nos primeiros dias de aula, retirando-se gradualmente com o passar dos dias, e isso implica num primeiro ponto, que é não ser barrada pela tia da escola que controla a entrada de alunos no portão. Isso por si só já causaria pânico inicial a uma criança que está, naquele momento de total apreensão, à flor da pele de ansiedade. A “adaptação” comum (entre aspas, pois deixar qualquer criança chorando e sozinha de supetão no primeiro dia de aula não pode ser considerada uma adaptação) de deixar a criança na porta da escola no primeiro dia de aula e ir buscá-la no final do período, que já não funciona para crianças típicas mais sensíveis, funcionará ainda menos para a criança com Asperger, que pode desenvolver pânico e aversão do ambiente escolar logo de cara. Todo cuidado em reduzir o pânico é fundamental, pois após sucessivas situações desesperadoras envolvendo o ambiente escolar, a criança pode nem mesmo conseguir frequentar escola alguma no futuro. Portanto, não se deve subestimar a facilidade com que crianças com Asperger criam fobias. Não é superproteção dos pais, é a realidade da síndrome, lembrando que o maior desafio dessas crianças é sempre em relação aos ambientes sociais, tão agradáveis para muitos, mas que podem ser desesperadores para elas.
- Cena comum no primeiro dia de aula – só de olhar, não dá para saber qual criança superará o medo sem maiores consequências e qual não o fará; também não dá para saber o tamanho desse medo. Independentemente de haver ou não um diagnóstico, se as escolas planejassem um programa de adaptação mais humano, que envolvesse mais as famílias, o processo seria muito menos assustador – para todos. – Fonte da Imagem
A forte tendência de crianças com Asperger desenvolverem fobia social e escolar já foi observada na literatura internacional sobre a síndrome, mas muitas escolas, pela desinformação e motivadas pela ‘certeza’ em saber como as crianças típicas funcionam, entendem a preocupação da mãe como excesso de zelo e dificultam o acesso dessa mãe à escola justamente quando seria ela a maior aliada em relação a dicas essenciais no convívio com aquela criança, e num período crítico da adaptação. Tal postura é compreensível, pois o que veem todos os dias são crianças que choram muito no início, mas ‘todo mundo passa a frequentar a escola sem problemas depois’.
Conhecer as particularidades da criança é fundamental para uma inclusão bem-sucedida
Essa necessidade de apoio do cuidador principal é especialmente verdade em relação ao autismo, pois é sabido que essas crianças têm sensibilidades diversas que geralmente apenas as pessoas de maior proximidade na vida privada delas conhecem bem, e como essas crianças têm imensa dificuldade em enfrentar uma quebra em certos padrões, se estes não forem conhecidos e respeitados por quem convive com elas, estas crianças poderão não conseguir permanecer no ambiente escolar.
Por exemplo, se a criança tem sensibilidade acentuada a abraços e cheiros e a professora organiza uma brincadeira de um abraçar o outro para estimular a socialização, e depois outra atividade para explorarem os cheiros das coisas, ou mesmo escolhe utilizar um material em sala que possui um certo cheiro, essa criança com Asperger se sentirá no pior lugar do mundo, completamente ameaçada em suas fragilidades. Muitas não conseguem dizer na hora o que as incomodou, e permanecem paralisadas pelo pânico da situação, ao que a professora vai interpretar como “Está tudo bem” ou “Ele é tímido”, sem saber que, muitas vezes, crianças com Asperger não simplesmente choram ou riem quando se espera que o façam e que podem manifestar suas emoções de modo bastante fora do padrão. Outras poderão entrar em crise, que é uma explosão emocional muito similar à birra, mas com efeitos muito mais nocivos do que a famosa birra típica infantil.
Quando triste ou incomodada, em vez de chorar, a criança com Asperger pode, por exemplo, apenas engajar num comportamento repetitivo, que para quem olha de fora não parece nada demais, mas quem a conhece sabe que na sequência virão explosões emocionais e desregulação interna, que muitas vezes acabam sendo expressas apenas quando a criança chega no ambiente seguro do lar; essas desregulações costumam criar efeitos mais duradouros que o que normalmente se vê numa criança sem Asperger, e atingem o sono, alimentação e funções orgânicas, além de serem o início de um processo fóbico que se tende a se manifestar sempre que a criança for exposta à situações similares que inicialmente causaram stress.
O caminho para evitar o surgimento de fobia social e escolar é conhecer as particularidades e fragilidades da criança e respeitá-las.
A escola precisará estar disposta a pensar criativamente em soluções para aquelas atividades que não possam ser feitas na presença da criança. Pode parecer complicado no início, mas as coisas sempre se ajeitam quando existe boa vontade e parceria de ambos os lados, pais e escola. Por exemplo, o professor pode combinar com os pais de virem buscar a criança mais cedo em determinados dias da semana, 1 hora mais cedo às terças e quintas, por exemplo, deixando as atividades que são problemáticas para a criança com Asperger para serem feitas com os demais alunos após a saída da criança com Asperger nesses dias específicos, atendendo às necessidades de todos: respeitam-se as necessidades especiais da criança com a síndrome ao mesmo tempo em que os colegas não serão privados de certas brincadeiras ou atividades das quais gostem. Ou a escola pode mobilizar alguém para que permaneça com a criança num local mais tranquilo enquanto tais atividades são realizadas.
Outros exemplos de soluções substitutivas seriam: trocar a massa de modelar com mais cheiro pela de pouco cheiro, flexibilizar a demanda das tarefas (por exemplo, não exigindo que a criança pinte o desenho), informar o pessoal da limpeza para não usar produtos de cheiro forte, como cândida, no ambiente, manter as persianas um pouco mais fechadas em vez de totalmente abertas para controlar o excesso de luminosidade, certificar-se de ter consertado o ventilador que fazia barulho, etc. Enfim, são ações que não custam tanto assim e fazem uma enorme diferença na vida dessa criança.
Como a mãe não costuma estar presente no recinto escolar, o que geralmente acontece, aproveitando nosso exemplo acima, é que a professora volta a dar aquela atividade incômoda às sensibilidades sensoriais da criança com Asperger (do abraço e dos cheiros), além de outras atividades igualmente invasivas. A criança com Asperger chega em casa, não consegue verbalizar de forma clara o que houve, algo muito comum na síndrome, e a mãe fica sem entender o que está havendo e por que a recusa em ir para a escola aumenta a cada dia. Ao conversar com a professora, esta lhe diz com sinceridade que não imagina o que possa estar havendo, pois o aluno parece sempre quieto em aula, ao que ela interpreta como sinal de que tudo esteja “tranquilo”, ou se chorou foi por algo que ‘acontece’, não configurando um grande problema aos olhos do professor.
Sem a mãe no ambiente observando os primeiros dias de aula da criança que ela conhece bem (caso não possa estar presente, não entre em pânico, leia mais abaixo, no próximo subitem, o que fazer) ou sem ao menos ter trocas frequentes de informação com o professor sobre como foi o dia, nem a mãe conseguirá identificar qual foi o problema fundamental, nem a professora desconfiará, afinal, nem passará pela cabeça dela que aquela brincadeira da qual as outras crianças na sala tanto gostaram foi um problema para a criança com Asperger, ou até mesmo que aquele lápis em especial fosse um objeto ligado à obsessão da criança e que, por isso, desencadeou crises ao ser retirado, e obsessões na síndrome de Asperger são coisas potentes, que o professor precisa compreender. Essa ineficácia de informação só cresce, culminando na instalação de fobia escolar, lembrando que essa mesma fobia iniciada numa escola pode perdurar por toda a vida escolar da criança ou até mesmo acarretar em desistência, causando grande prejuízo acadêmico e social.
O índice de crianças com Asperger que acabam abandonando a escola é alto e a causa é quase sempre o despreparo das escolas e dificuldade em acatar e ouvir o que os pais têm a dizer.
Por isso, o ideal seria que, a partir do momento em que as escolas passarem a conhecer melhor o autismo, adotem essa prática da presença da mãe na escola nos primeiros dias ou semanas (vai variar conforme a criança e o ambiente), como recurso essencial para o sucesso da adaptação escolar. À medida em que a professora for passando a compreender seu aluno, a mãe vai se tornando cada vez menos necessária. É como se alguém precisasse aprender a usar um sistema novo: se a pessoa que já o conhece te explicar como funciona, a chance de travar o sistema e causar uma pane será bastante reduzida. A analogia só não é melhor porque crianças não são sistemas. São pessoas de carne e osso, com sentimentos e pensamentos próprios, e que deverão, portanto, ser tratadas com uma atenção especial. Não se pode simplesmente ir apertando qualquer botão para ver o que acontece e é isso que as escolas precisam compreender. Diferentemente do sistema, não é possível reiniciar pessoas.
Você sabia?
Na França, Dinamarca e Alemanha, a participação ativa dos pais no ambiente escolar é bem-vinda, além de ser prática comum para a escola como um todo, e não apenas para crianças com alguma necessidade especial. Havendo necessidades específicas, então, esse apoio e presença dos pais deveria ser indiscutível. Na Dinamarca, o envolvimento dos pais na escola nos filhos é visto como um direito democrático.
Assim, no primeiro dia de aula, a criança com Asperger deve ser acompanhada pela mãe até a sala de aula (ver dicas para crianças maiores abaixo), e não ser deixada no portão externo da escola. Lá, a professora deve receber a criança com discrição, dando apenas um “olá” discreto, em tom de voz baixo, porém cordial, e sem muitas “demonstrações de socialização e afeto”, como beijo, abraço ou ficar perguntando coisas à criança. A única pergunta que ela deve fazer é: “Você gostaria que sua mãe ficasse com você aqui hoje?”. Certamente, a criança dirá que sim, ao que a professora poderá dizer: “Tudo bem. Então mostre à sua mãe o lugar em que você vai sentar. Você se lembra onde é?” A criança já terá conhecido o lugar em que irá se sentar nas visitas ocorridas antes do início das aulas. Se não lembrar, mostre o lugar.
Isso dará à criança uma sensação inicial de acolhimento, de pertencimento (eu tenho um lugar reservado para mim), de autonomia e participação (ela é quem leva a mãe ao local certo), de confiança na professora (que não foi invasiva e acatou uma vontade da criança), além de uma baixa inicial do medo e ansiedade elevados naquele momento de transição e novidade (duas coisas muito difíceis para pessoas com autismo), em que adentra uma sala com tanta gente e com tantas crianças falando ao mesmo tempo (que é outra coisa muito assustadora para pessoas no espectro do autismo).
A mãe deve permanecer sentada numa cadeira dentro da sala de aula, no campo de visão da criança. Ela não precisará ser apresentada aos colegas como “a mãe do fulano”, devendo sentar-se da forma mais discreta possível, sem fazer interrupções na aula.
A estadia recomendada da criança na escola no primeiro dia é de 1 hora a 1 hora e meia.
Dica importante para crianças maiores:
A presença óbvia da mãe em sala de aula não é recomendada para crianças após os 8 anos de idade, pois isso daria margem a bullying e diferenciação evidente da criança; nesse caso, o ideal seria que a mãe mantivesse contato facilitado com a professora nos primeiros dias (por telefone ou WhatsApp, por exemplo) para fazer um apanhado rápido do dia e ir dando possíveis dicas, além de colher informações sobre as atividades e ocorrências para que tenha melhores condições de orientar o filho em casa.
Caso a criança requisitasse insistentemente a presença da mãe, esta poderia combinar de ficar em alguma sala ou espaço um pouco afastado da sala de aula, de modo que os outros alunos não soubessem que a criança com Asperger foi procurar a mãe caso precise. A professora combinaria com a criança de apenas dizer “Preciso sair”. Se os colegas questionarem algo, uma sugestão seria a professora dizer que ele tem algumas questões de saúde e precisa sair de vez em quando para fazer algumas coisas, dando o assunto por encerrado.
(Continuando as dicas para crianças menores) No segundo dia, a mãe entra na sala, se senta ao lado da criança e após 15 minutos, informa a criança que irá se sentar no fundo da sala dentro de alguns minutos, explicando que “é onde as mamães têm que ficar”. Observe que o aviso é antecipado à mudança de cadeira em si, ou seja, nunca faça nada de repente, avise tudo antes. A escolha de mudança do local onde a mãe se senta tem o intuito de sair do campo de visão imediato da criança, para que ela vá aos poucos ‘se esquecendo’ que a mãe está ali.
Aguardando alguns minutos, a mãe então diz: “Agora vou me sentar ali no fundo da sala. Você pode ir lá falar comigo quando precisar.” Estar preparada para protestos e medo da criança é importante, pois muito provavelmente eles irão acontecer. Oferecer um prêmio concreto pode ser necessário e talvez a única coisa que funcione efetivamente para motivar crianças com autismo. Pode-se dizer que se ela ficar no lugar dela 10 minutos, ganhará um prêmio (algo que a interesse, como figuras de algum objeto relacionado aos seus fascínios especiais). Esse tempo para posterior premiação vai gradualmente sendo aumentado. A própria professora pode combinar que será ela a entregar o prêmio, o que ajuda a reforçar o vínculo.
Se a criança insistir em ficar com a mãe no fundo da sala, uma opção seria a mãe dizer algo assim: “Se você não ficar na sua cadeira, perto da professora, eu não poderei mais ficar na escola com você, pois mães só podem ficar aqui na sala se elas ficarem sentadas ali e você lá (aponte), mas estarei logo ali, não se preocupe.” Se não der certo, apele para a premiação acima citada. A mãe pode chamar a professora e dar a dica: “Filho, a professora quer combinar um prêmio com você.” E deixe a professora falar.
A ideia é que a mãe seja observadora e funcione como um guia do comportamento da criança para a professora, como uma intérprete, mas que permaneça sempre numa postura passiva na escola, de modo a nunca interferir ou resolver algo pela professora, para que a criança desenvolva confiança na professora cada vez mais e note a presença da mãe cada vez menos.
A criança deve perceber que a professora é quem resolve as coisas na escola, de modo que a presença da mãe se torne dispensável com o passar dos dias e que a criança perceba que, na escola, a autoridade vem do professor. Se não for assim, a criança nunca ficará na escola sem a mãe. A mãe pode, inclusive, caso tenha a ideia de fazer algo, mostrar que se deve pedir autorização à professora, para que a criança aprenda a direcionar suas necessidades à professora e não à mãe. Por exemplo, a criança está agitada e a mãe vê um livro com um assunto que a criança gosta na prateleira. Em vez dela própria ir lá pegar o livro e dar a criança, ela diz à criança: “Por que você não pede para a professora para ver aquele livro?” À medida em que a professora vai atendendo as necessidades da criança, esta passará a confiar nela.
A professora precisa estar atenta e se antecipar sempre que possível. Por exemplo, no caso do livro, ela pode facilitar as coisas para a criança (que pode ter dificuldade em pedir) e perguntar: “Você quer ver um livro?”
Frases de conforto ditas pela professora tais como: “Na escola, eu ajudo a sua mãe a cuidar de você. Me peça o que precisar, ok?” são importantes.
É igualmente vital que o professor cumpra o que disse, ou seja, protegendo a criança dos colegas mais agitados e nunca se ausentando sem aviso ou por um longo tempo. Seria bom que alguma tia da escola também se familiarizasse com a situação, para que a criança se habituasse a ela também, nos momentos em que a professora precisasse sair um pouco da sala. É importante instruir essa tia a se posicionar sempre perto da criança com Asperger quando estiver olhando a turma na ausência da professora e orientá-la a não deixar que o barulho na sala aumente, que ela própria não grite, e que vá dando avisos de que a professora já vai voltar.
Nunca se deve deixar a criança com Asperger sozinha na sala com os colegas sem a presença de um adulto.
O tempo sugerido de permanência da criança no segundo dia é de cerca de meia hora a mais que no dia anterior, que vão sendo aumentados gradualmente, até que a criança consiga ficar todo o período.
Os objetivos das estratégias sobre onde a mãe deverá sentar são os seguintes:
– No primeiro dia: a mãe sentada ao lado da criança dá a sensação de proteção nesse ambiente novo e assustador justamente no primeiro contato da criança com ele; é importante que a professora tenha separado algum material ou atividade de que a criança goste (que já terá sido previamente informado pela mãe) e aproveite o momento para se fazer presente. Ela precisa ter cuidado para não falar muito ou ficar fazendo muitas perguntas, tentando ‘puxar conversa’; dar objetos em silêncio é o melhor modo de criar vínculo com crianças no espectro do autismo, mostrando à criança que não é só a mãe quem cuida dela ou ‘provê’ coisas, mas a professora também. A professora não deve relaxar a atenção contando com a segurança de que a mãe esteja ali cuidando da criança. A professora deve saber que o objetivo maior é prover segurança no lugar da mãe.
– No segundo dia: a mãe passa a sentar-se no fundo da sala e isso causará uma agitação inicial à criança (e novamente a professora deverá ter na manga uma série de coisas interessantes para oferecer à criança; com a mudança da mãe para o fundo da sala, a criança irá se acostumando gradualmente a não mais ter a mãe em seu campo de visão; embora a criança provavelmente vá virar muitas vezes para trás para se certificar da presença da mãe, a tendência é que ela vá aos poucos deixando de fazer isso e vá até se esquecendo da presença da mãe em alguns momentos.
A professora deve permitir que a criança vá falar com a mãe sempre que precisar.
Na segunda semana, se tudo tiver corrido relativamente bem, ou seja, se a criança estiver concordando em ficar em sala, a mãe pode, então, passar a sentar-se do lado de fora da sala, mas na parede lateral da porta, de modo que continue não ficando no campo de visão da criança, que irá querer sair algumas vezes da sala para se certificar da presença da mãe ali.
E ali a mãe deverá permanecer (a menos, é claro, que a criança dê sinais de estar mais tranquila e adaptada do que se supunha). É importante que pais e escola tenham clareza de que o tempo necessário para que a mãe permaneça na escola não será determinado pelos pais ou escola, e sim pelo comportamento da própria criança, que a mãe ajudará a interpretar. A mãe nunca deve sair do local combinado em que disse que estaria sem avisar a criança, pois se esta for procurar a mãe e esta tiver ‘sumido’, a confiança na mãe e no ambiente da escola ficarão ameaçados e a criança se sentirá traída. De certo, é tentador ‘sair de fininho’ se a mãe vê que a criança está tranquila dentro da sala, mas isso nunca deve ser feito, pois a criança sentiria isso como abandono e traição e não confiaria na mãe depois. Mesmo quando chegar o momento de avisar que vai sair dali e estar em outro local da escola, ou quando chegar a hora de dizer que “já já volta e a esperará no portão da escola” (que a criança já deve saber bem qual é), isso deve ser informado e combinado com a criança. Em caso de protesto, tenha prêmios ‘na manga’, que a criança ganhará se ficar com a professora na sala. A ideia é que estes prêmios sejam espaçados cada vez mais ao longo do processo, por exemplo, se a criança ficar dois dias, três dias, uma semana, etc., ganhará um prêmio. Pode-se fazer um quadro de incentivo, marcando um “X” em cada dia que a criança ficou em sala.
Vale lembrar que tudo isso só terá sucesso se o professor conseguir cativar e acolher a criança, dando-lhe a sensação de proteção e apoio.
Para a mãe, enquanto espera na sala ou já fora dela, uma dica particular é que esteja sempre ocupada e dê pouca atenção à criança quando esta for procurá-la, falando brevemente do que importa e dizendo que enquanto estão na escola, “mamãe trabalha, criança fica na sala com a professora” (não diga “com os colegas”, observe sempre a escolha das palavras). Assim, a criança vai perceber que nada de “legal” acontece quando ela procura a mãe enquanto estão na escola. Ela não ganha um afago, atenção, nada. A mãe deverá levar um livro para ler, um laptop ou qualquer outra coisa que faça parecer que esteja ocupada fazendo algo importante naquele momento, pois isso também vai mostrando à criança que a escola é um local de trabalho (onde, obviamente, o estudo é o trabalho da criança).
Uma sugestão de carga horária para o período de adaptação:
1º. Dia: a criança permanece de 60 a 90 minutos na escola;
2º. Dia: a criança permanece 2 horas na escola;
3º. Dia: a criança permanece 2 horas e meia na escola;
E assim sucessivamente, aumentando-se meia hora a cada dia, até que a criança consiga ficar o período todo.
É claro que é preciso sensibilidade a cada caso e, mais uma vez, a mãe pode ajudar a determinar o grau de stress em que a criança se encontra, de modo que o período de estadia acima seja apenas uma ideia geral, que deverá ser adaptada para cada criança e situação.
Por exemplo, se a criança, no primeiro dia, ficou meia hora na escola e já está aflita para ir embora, deve-se levá-la embora, sempre informando que voltarão no dia seguinte. Forçar a estadia é a pior coisa a ser feita, pois isso automaticamente gerará na criança a sensação de perigo em relação àquele ambiente, pois a mensagem passada será a de ela está presa ali, acuada como um bichinho silvestre numa jaula. Aliás, essa metáfora do bicho silvestre é muito adequada às crianças com Asperger: elas são como passarinhos na floresta. Se chegarmos muito de repente, falando alto e fazendo mil coisas, nós as espantaremos e elas voarão para longe. Porém, se formos deixando as migalhinhas de pão pelo caminho, e esperarmos que o passarinho venha, ele chegará bem mais perto de nós. Se tentarmos segurá-lo, ele voará.
Essas migalhas de pão seriam as atividades de interesse da criança, um local quieto num cantinho, objetos de que goste, nossa presença não invasiva, dentre outras coisas que iremos observar dentro das particularidades daquela criança. A propósito, existe um livro sobre uma menina com Asperger, da autora Kathryn Erskine, cujo título é “Passarinha”. Não foi por acaso que a autora pensou nesse título.
A criança deve perceber que as pessoas ali respeitam suas necessidades e dificuldades, acatando o que ela diz em vez de julgarem as requisições da criança como ‘manha’ e as tratando como tal. Nada é mais nocivo para uma criança assustada e hipersensível como a criança com Asperger. O professor precisa treinar a capacidade de se colocar no lugar da criança do ponto de vista da criança, e não do adulto sem a síndrome. Esse é o erro mais comum das pessoas que lidam com as crianças com Asperger e não as compreendem.
Se, após 1 ou 2 semanas, a criança ainda não estiver querendo ficar na escola, novas estratégias precisarão ser criadas. Para isso, no entanto, será necessário identificar o que tem causado desconforto na criança, e, mais uma vez, a mãe pode ajudar nesse ‘trabalho de detetive’. Pode ser um cheiro, a proximidade física com crianças mais agitadas, o barulho do ambiente, o tipo de atividade proposta ou a forma com que a professora propõe a atividade ou fala com ela, pode ser o tema da estória que a professora contou, o tipo de brincadeiras, o tom de voz alto da professora, enfim, quase sempre só quem conhece a criança mais a fundo é que vai perceber.
Não tenho como estar presente com o meu filho na escola, e agora?
Se a mãe não tem disponibilidade de tempo para poder acompanhar a criança no ambiente escolar durante este processo (ou mesmo se a escola for muito reticente quanto à presença da mãe, o que, nas escolas brasileiras, infelizmente é comum), sua ausência deve ser compensada com trocas de mensagem diárias (o ideal seria ter o contato de WhatsApp da professora, caso ela concorde) ou conversas rápidas na porta da escola com a professora, para ir ajustando as dicas e orientações, bem como adotando um calendário gradual de permanência da criança na escola, que vai sendo ampliada aos poucos, conforme sugerido anteriormente.
Não se pode negar que o ideal seria que a mãe estivesse presente, pois o processo se daria de forma muito mais rápida e tranquila, mas se a escola demonstra resistência, ou a mãe precisa trabalhar ou tem outros filhos para cuidar, é importante que não se sinta culpada ou excessivamente aflita, afinal, estará fazendo o que lhe for humanamente possível dentro da realidade circundante, e toda pequena ajuda, de uma forma ou de outra, será sempre importante e fará diferença no dia da criança. Em vez de culpa ou pesar, inclusive porque a apreensão da mãe poderá ser sentida pela criança como sinal de alerta negativo em relação à situação escolar, a mãe deverá focar sua atenção em procurar meios alternativos de compensar sua ausência, desde conversas frequentes com o professor até quadros de incentivo e recompensas para cada pequena conquista da criança.
Por fim, caprichar nos outros aspectos sugeridos nesse guia de inclusão, tais como a preparação antes do início das aulas, o que inclui a criança conhecer o professor e a sala de aula previamente, numa visita com a mãe ao novo ambiente, as fotos e a entrega de material explicativo ao professor, já serão de grande ajuda.
Sugestão de leitura para pais e professores: PAIS: UMA CONTRIBUIÇÃO FUNDAMENTAL NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA COM AUTISMO – clique aqui
Outras considerações
Escolhendo uma escola
Ao escolher uma escola, a preferência deve ser por escolas pequenas (quanto menos alunos, melhor!), menos tradicionais ou conteudistas. O foco dos pais de uma criança com Asperger (e deveria ser assim para qualquer criança aliás, mas para as com Asperger isso é vital) e da equipe escolar deve ser o bem-estar da criança, e não a quantidade de ensinamentos que ela acumula. Desenvolver o gosto por aprender vale muito mais e nos leva muito mais longe. E essa será uma habilidade de vida importantíssima para crianças com Asperger.
Pessoas com Asperger são vigorosamente seletivas e irão se rebelar contra qualquer imposição de valores ou interesses contrários aos seus. Por isso, o ideal é que a escola siga uma metodologia mais livre, mais espontânea, mais flexível, que valorize o ser humano em primeiro lugar e o conteúdo apenas depois disso. A tendência é que a criança com Asperger acabe se especializando num assunto de interesse e ignorando, por vezes completamente, outros assuntos. Aceitar isso não significa considerar essa postura adequada, afinal, todo extremismo pode ser negativo, mas significa que compreendemos que o funcionamento dela é esse e que dificilmente mudará.
E para pais mais tradicionais e preocupados, que querem escolas conteudistas que garantam os primeiros lugares na FUVEST, é importante lembrar que a tendência da escola do futuro, seguindo modelos de países de primeiro mundo como a Finlândia, é reformar o sistema de ensino e reestruturar tudo o que se entende por ‘escola’, mostrando que sacrificar-se em aprender todas as matérias atualmente presentes nas escolas não só não tem sido produtivo, como não é, de fato, necessário. Na Finlândia, tem havido um movimento de reforma educacional, onde a intenção é abolir as matérias-base das escolas, dando espaço a um sistema de aprendizado mais aberto, holístico e interdisciplinar (Fonte de dados: Collective Evolution, um site internacional de noticias sobre a área da educação e inovações pelo mundo). E instituições educacionais que começam a trilhar esse caminho já existem no Brasil, como é o caso da escola Montessoriana. Não foi à toa que o filho da monarquia britânica foi matriculado numa escola desse tipo. O importante é que ele, como futuro governante, aprenda a pensar, e não a seguir ordens e a submeter-se cegamente, como acontece no atual sistema tradicional de ensino.
Por isso, uma metodologia mais livre dará à criança com Asperger a oportunidade e a liberdade de investir em seu campo de interesse e aptidão natural, sem se estressar além da conta sobre as matérias das quais um conhecimento raso já seria suficiente. Assim, muitas dessas crianças podem vir a tornar-se verdadeiras especialistas em seus campos de interesse, muitas vezes transformando-os em profissão, diferentemente de metodologias tradicionais que determinam o que, como e o quanto a criança deve aprender, oprimindo as manifestações naturais de potencial que elas apresentem.
A criança com Asperger precisa dessa abertura para descobrir e explorar o seu potencial, caso contrário poderá acabar perdida, sem rumo pessoal e profissional, por nunca ter tido a chance de desenvolver aquilo que nasceu sendo boa em fazer. Escolas como a Montessoriana e a Waldorf costumam ter mais esse perfil.

Sala de Aula de Uma Escola Montessoriana
A adaptação também é necessária com a mudança de ano letivo
As sugestões descritas aqui podem, com as devidas adaptações, ser aplicadas a crianças com Asperger que iniciam um novo ano escolar, e não apenas às que iniciam numa nova escola. Com a mudança de ano letivo, o professor muda, a sala muda, o lugar de sentar-se muda e até alguns colegas mudam. De tudo isso, a mudança de professor costuma ser o maior problema e um grande desafio, e o mesmo trabalho de pré-adaptação e contato antecipado com esse professor (e sala de aula) antes do início das aulas, de conscientização e informação, que foi desenvolvido com o professor do ano anterior, deve ser feito com o novo professor. As escolas Waldorf e algumas escolas de países de primeiro mundo não mudam seus professores durante os primeiros anos de ensino e alcançam excelentes vantagens e aumento de produtividade com essa prática. Como esta não é a realidade na maioria das nossas escolas, precisamos compensar isso com maior investimento no processo de adaptação a cada novo professor.
Uma dica interessante é que o coordenador da escola acompanhe as reuniões informativas para que possa auxiliar o professor atual e também os professores vindouros com a informação necessária. Reforço a importância da família encontrar um psicólogo que possa acompanhar o trajeto escolar do aluno com Asperger, inclusive para que vá providenciando relatórios, fazendo visitas de observação e representando os pais nas reuniões iniciais de esclarecimento do quadro ao novo professor ou em outras reuniões que se façam necessárias, especialmente se a escola, infelizmente, não tiver a abertura necessária para a participação dos pais, o que é uma realidade massiva no nosso país.
O professor bem-informado
É fundamental que o professor tenha informação sobre a síndrome de Asperger; além de entregar em mãos uma cópia impressa do texto “Lista de dicas de convívio e manejo de crianças com síndrome de Asperger – para a escola, professores, pais e familiares” , outra ideia é deixar o endereço de locais na Internet em que a mãe já saiba de antemão que o professor poderá encontrar informação confiável. Este blog, por exemplo, oferece um apanhado geral de todos os principais tópicos envolvendo a síndrome de Asperger, numa linguagem bastante acessível e com embasamento teórico de especialistas no assunto. Escrever o endereço do blog (sindromedeasperger.blog) no topo da cópia do texto entregue ao professor e à direção/coordenação, pode incentivar e facilitar o acesso à informação. Infelizmente, não existem muitos blogs em português com informação realmente fidedigna sobre a síndrome de Asperger, sendo este outro motivo pelo qual recomendo este.
Existe também um outro blog muito bom, embora mais focado no autismo clássico de nível moderado a severo, que é o Lagarta Vira Pupa, da jornalista Andrea Werner. Em caso de indicação desse endereço também, não deixar de informar o tipo de autismo que cada um aborda.
Falta do professor
Em caso de falta do professor, o recomendado é que o aluno com Asperger também não vá nesse dia; pedir para que o professor avise a mãe pessoalmente, se for uma falta que não havia sido prevista, garantindo que o professor tenha os dados de contato pessoal dos pais (telefone, WhatsApp, e-mail), pois quando a falta é de última hora, a escola pode não ter tempo de avisar os pais.
Se a mãe trabalha e não tem como ficar com a criança nesse dia, infelizmente, há grandes chances de problemas, uma vez que a criança vá ficar com tias ou professores substitutos que não estejam acostumados ou inteirados das particularidades da criança. É melhor que um parente fique com a criança nesse dia em vez de mandar a criança para a escola, pois na casa de um familiar a criança ao menos estará num ambiente mais tranquilo e menos tumultuado (teoricamente). Além disso, ir para a escola num dia caótico pode aumentar a ansiedade em relação à escola, pois pode surgir o medo de ir depois por nunca saber se aquele será o dia em que a professora vai ou não estar.
Se não houver meio da mãe ou familiar se ausentar no trabalho ou não houver um parente que possa ficar com a criança nesse dia, e ela tiver que ser mandada para a escola, uma alternativa para tentar ao menos suavizar as coisas seria conversar com a coordenação e pedir que oferecessem um ambiente tranquilo para a criança ficar, na companhia de algum adulto que pudesse oferecer atividades do interesse da criança, pois crianças com Asperger costumam se sentir melhor com adultos do que com outras crianças, ainda mais se forem crianças alvoroçadas pela falta do professor e caos na rotina de sala de aula.
O que a mãe pode fazer dentro da sala de aula
Enquanto a mãe estiver em sala de aula, a sugestão é de que vá sempre anotando numa folha de papel o conteúdo de observações e dicas ao professor naquele dia (pode ser útil ter um caderninho). O professor irá juntando e lendo esses bilhetes diariamente e, com isso, evita-se que a mãe fique falando sobre a criança na frente da própria criança (algo que deve sempre ser evitado), e as dicas dadas no mesmo dia de alguma situação ocorrida serão muito mais eficazes para ensinarem o professor sobre algum ponto importante acerca daquele aluno do que se dias se passarem e a situação acabar caindo no esquecimento e não mais servir como exemplo.
Após alguns dias, o professor já terá angariado uma ampla gama de informações úteis e essenciais no trato com aquela criança. Por exemplo, o professor pede que o aluno faça um desenho e pinte. A mãe sabe que o aluno tem muita resistência pintar, mas o professor não sabe. O aluno faz o desenho e não pinta. O professor insiste. O aluno se irrita, corre para a mãe, quer ir ao banheiro várias vezes, começa a querer ir embora, fica agitado. Se a mãe escrever ao professor “Ele não gosta de pintar e é melhor nunca insistir com crianças com Asperger”, a postura do professor será diferente no dia seguinte. Às vezes, é possível cochichar isso para o professor logo que o problema surge, mas se não for possível, um bilhete ajuda muito.
Depois, se o professor for interessado e pesquisar, ele vai descobrir que a mãe não está simplesmente “incentivando os caprichos da criança”, pensamento usual de educadores em relação às mães, ainda mais quando se trata de uma mãe que, inicialmente, faz tantas recomendações ao professor, quando este ainda não está familiarizado com a criança e com a síndrome de Asperger e acha que tudo aquilo parece exagero.
Este professor interessado irá, por exemplo, descobrir que é realmente embasado teoricamente que crianças com Asperger têm mesmo uma dificuldade neurológica que afeta a coordenação motora fina, de modo que lhes seja fisicamente muito mais doloroso pintar ou escrever muito, segurando e coordenando o lápis em movimento de pinça por muito tempo. Alguns professores dirão que muitas crianças sentem incômodo ao escrever também, e que escrever dói mesmo. O que precisam compreender, no entanto, é que o limiar de dor e de tolerância da criança com Asperger é diferente. Para elas, muito mais que um incômodo, pinturas a lápis e aulas de caligrafia podem ser demasiadamente exaustivas e penosas. Isso somado à dificuldade de regulação emocional que possuem, pode causar muito mais problemas do que causaria para uma criança sem esta mesma configuração neurológica.
Muitas escolas internacionais autorizam, inclusive, que o portador da síndrome de Asperger tenha consigo um laptop ou outro recurso de informática para digitar as anotações de aula ou mesmo tirar uma foto do quadro negro em vez de copiá-lo. Esse sofrimento e dificuldade na escrita é, aliás, é um dos vários motivos pelos quais a criança se recusa a fazer a lição de casa. E não somente por isso, mas ainda por outros motivos, autores renomados e especialistas em Síndrome de Asperger, como é o caso de Tony Attwood, recomendam que a criança com Asperger não tenha lição de casa. Um desses motivos é a sobrecarga de stress psíquico e emocional que crianças com autismo têm em comparação às crianças sem o transtorno. Elas precisam de mais tempo para recarregarem suas energias, de modo que estender a escola para dentro do espaço do lar pode ser intolerável. Existem outros motivos ainda, mas falaremos disso numa outra oportunidade.
E assim o professor vai aprendendo a confiar nas dicas da mãe, mesmo que na hora nem ele nem ela saibam o embasamento teórico disso, afinal não são especialistas, embora os pais geralmente se tornem verdadeiros pesquisadores da síndrome, de modo que seu conhecimento deve sempre ser aproveitado e nunca ignorado. Além disso, viver a síndrome dentro da própria casa dá um conhecimento de causa considerável para os pais. Sobretudo, se a mãe dá uma determinada dica, é porque isso facilita o convívio e bem-estar da criança, e isso por si só já deve bastar.

A Finlândia (acima) tem um dos melhores sistemas de ensino do mundo. Há diferenças interessantes entre o sistema deles e o nosso: as crianças entram na escola apenas aos 7 anos, têm férias mais longas e não têm lição de casa. Foi isso mesmo o que você leu: as escolas finlandesas não dão lição de casa aos seus alunos. O Brasil precisa rever seus conceitos na área da educação e os professores devem ser os primeiros a fazer isso. Enquanto isso não acontece, é dever da escola adaptar o sistema atual de forma a respeitar os limites da criança, especialmente das com necessidades especiais. Fonte da informação: CNN – October, 14 – 2014