Revelar o diagnóstico a outras pessoas: sim ou não?

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Introdução por Audrey Bueno

Revelar um diagnóstico é mais complicado do que parece. Não deveria ser assim, mas é assim que é numa sociedade ainda em evolução como a nossa. Isso é especialmente verdade quando se tratam de “transtornos invisíveis”, isto é, quando as dificuldades não são imediatamente óbvias ao observador, como é o caso das pessoas na extremidade mais leve do espectro do autismo, onde se insere a síndrome de Asperger, a qual este artigo se refere.

Quando há crianças envolvidas, a questão se torna ainda mais delicada. Os pais de crianças no espectro do autismo estão sempre no limiar, no extremo entre uma situação e outra, assim como é a própria natureza do autismo, com seus altos e baixos constantes. Estes pais sofrem muita pressão social, pois são cobrados para que a criança tenha um padrão de comportamento que, muitas vezes, não está ao alcance dela. As peculiaridades no comportamento dessas crianças geram muitas interpretações indevidas das pessoas, de modo que os pais acabem sendo continuamente julgados e injustamente responsabilizados pelo comportamento observado. Assim, esses pais ficam na berlinda, confusos entre oferecer aquilo que o filho precisa e atender às demandas do entorno.

Por haver momentos em que o comportamento da criança põe esses pais em “saias justas” sociais, muitos acabam anunciando o diagnóstico por uma série de razões: para justificarem o comportamento do filho, para requererem adaptações especiais que acolham as dificuldades da criança, para que os familiares entendam por que têm que ir embora mais cedo da festa, por que a visita é curta ou nem ocorre mais, por que a criança não interage conforme o esperado e não brinca como ‘deveria’, enfim, para suprir os “porquês”.

Qualquer que seja o motivo, esses pais já tão sobrecarregados acreditam, muitas vezes, que, ao revelarem o diagnóstico, as pessoas se tornarão mais compreensivas e as cobranças serão menores. Qual não é a sua surpresa quando percebem que divulgar o diagnóstico não só não suavizou muito dos problemas que esperavam abrandar, como ainda agregou novas dificuldades às que já existiam. Se a pessoa a quem o diagnóstico é revelado não conhece muito sobre o autismo, tem apenas uma visão estereotipada do quadro ou, ainda, tem convicções pessoais muito fortes sobre como “toda criança” deve ser e como deve ser tratada, o nome do transtorno não irá ajudar.

Especialmente em quadros leves do espectro autista, os pais acabam se deparando com o descrédito de alguns, que dizem que a criança parece “normal demais” para ter autismo, sendo até mesmo grosseiramente acusados de “quererem que o filho tenha um “problema”, ou porque são pais desajustados psicologicamente ou porque querem que o filho receba “vantagens” de tratamento. Se a pessoa a quem o diagnóstico é revelado for mais consciente e bem-informada, no entanto, pode haver algum benefício em divulgá-lo, mas, ainda assim, apenas dizer o nome da condição pode não ser o suficiente. Será preciso explicar do que se trata.

Outro fator a ser levado em consideração quando se trata de revelar o diagnóstico de crianças é que vivemos numa era de redes sociais, onde nada do que se publique vá desaparecer depois, e, caso a criança, quando adulta, resolva ser mais reservada e resguardada de suas questões pessoais, quer seja por não sentir necessidade de revelar seu diagnóstico a terceiros, quer seja por ter conseguido lidar com suas dificuldades de forma mais eficaz a ponto de minimizar suas necessidades de apoio especial ou mesmo por não sentir-se apta a encarar a luta pela diversidade de forma pessoal,  ela poderá acabar se sentindo exposta em meios em que preferiria não ser, porque a informação terá chegado a pessoas que ela não gostaria que chegasse.  Revelar as próprias fragilidades é uma escolha pessoal que a criança pode ser privada de fazer.

Em casos como a síndrome de Asperger, muita gente nunca nem ouviu falar desse nome, de modo que dizer “Meu filho tem Asperger” seria tão pouco claro como dizer “Meu filho tem AXY899573”. Portanto, é interessante sempre perguntar a quem se revela o diagnóstico se a pessoa já ouviu falar sobre tal condição. Ter em mente uma breve descrição das características do quadro pode ser um complemento bastante útil, nesses casos. Existem pais que até mesmo carregam consigo cópias de um resumo informativo e o endereço de algum site confiável na Internet que ofereça informação sobre o assunto e entregam às pessoas quando surge a necessidade. Se você precisar de algo desse tipo, este blog preparou um resumo informativo que pode ser acessado aqui.

No entanto, explicar não significa que a pessoa irá entender. Crenças pessoais e preconceitos antigos enraizados acerca de transtornos mentais infelizmente ainda se sobrepõem à explicação que recebem, em muitos casos. A palavra “autismo” ainda suscita uma imagem estereotipada que associam à incapacitação do indivíduo. Não é incomum que pais de crianças com Asperger, após revelarem o diagnóstico, percebam as pessoas tratando seus filhos como “retardados” (desculpem o termo chulo, mas, tristemente, ainda é um termo que circula na sociedade, que se entretém na dificuldade alheia em vez de reconhecer as potencialidades de cada um).

Pessoas que obtêm o diagnóstico quando adultas também enfrentam problemas diversos, não encontrando, com frequência, o apoio que esperavam conseguir ao revelá-lo, angariando dificuldades adicionais ao âmbito social, familiar, conjugal ou  profissional. Esses adultos, se tiverem filhos, ao revelarem seus diagnósticos, podem começar a ter sua capacidade de criação dos filhos injustamente questionada (muitos pais com Asperger são ótimos pais, enquanto muitos pais sem autismo não o são), podem se tornar alvos de projeção das dificuldades do casal, dos filhos, enfim.

Independentemente do contexto em que um diagnóstico seja revelado, a grande causadora das dificuldades que se seguem é a ignorância, ou seja, a falta de conhecimento e informação das pessoas ao redor, aliadas a conceitos culturais fortemente enraizados e estereótipos rígidos, que ditam como as coisas e pessoas deveriam ou não deveriam ser e agir, tornando a conscientização adequada sobre o que, de fato, seja o autismo uma árdua missão, que alguns corajosamente decidem enfrentar.

Graças a essas pessoas que se expõem abertamente, é que a sociedade conseguiu caminhar o tanto que caminhou, ampliando a compreensão do autismo, da diversidade e estimulando a reflexão sobre o que a palavra “normalidade”, de fato, significa. Porém, são pessoa guerreiras, desbravando caminhos em meios à selva da ignorância e aos comportamentos de “manada” que a espécie humana ainda apresenta, onde se teme e se exclui o diferente. Portanto, este é um caminho que cada qual precisa decidir se estará apto a seguir no momento de vida em que se encontra, com a rede de apoio de que dispõe, e tudo bem se a opção for pela autopreservação, afinal, a batalha não é pequena.

O texto a seguir é a tradução de um artigo escrito por uma especialista no assunto, que promove esse tipo de reflexão. Embora a autora tenha escrito o texto para professores, a utilidade do artigo se amplia para pais e pessoas com autismo em geral.

…e onde se lê “escola inclusiva”, imagine o mesmo que “sociedade inclusiva”, afinal a escola nada mais é do que um “microcosmo social”, ou seja, um recorte que exemplifica nossa sociedade.

Por fim, gostaria de compartilhar uma frase muito sábia que ouvi de uma médica psiquiatra infantil especializada em autismo e superdotação certa vez:

“Se a pessoa puder ajudar de alguma forma, pode ser uma boa ideia revelar o diagnóstico. Se não puder ajudar, ou puder até mesmo prejudicar, essa pessoa não precisa saber.” 

 


Revelar um diagnóstico de autismo na escola ou faculdade

Por Sarah-Jane Critchley

Publicado em: 29/06/2016, Reino Unido – Para ler o texto original, acesse aqui.

Tradução: Audrey Bueno


 

Sarah-Jane Critchley é coordenadora de projetos na Confiança Educação em Autismo, uma organização que visa melhorar a educação de crianças autistas e jovens. Aqui ela explora quando e como auxiliar um jovem a decidir se deve ou não revelar seu diagnóstico de autismo na escola ou faculdade.

Quando e como ajudar um jovem a revelar seu diagnóstico de autismo na escola ou faculdade

Escolher revelar um diagnóstico é uma grande decisão para alguém jovem. Na melhor das possibilidades, isso pode ser o começo de encarar o diagnóstico como uma parte positiva de sua identidade, e pode ser o caminho para entender e se apropriar de seu futuro. Na pior das possibilidades, tal revelação pode levar à incerteza e bullying, e muito de como uma pessoa jovem vê a si mesma é afetado pelo modo como as pessoas à sua volta a veem. As apostas são mais altas quanto mais velha for a criança, ou quando um diagnóstico é muito recente e não se teve muito tempo para administrar a informação […}.

O que o jovem conhece sobre autismo, assim como ter modelos positivos, também são coisas muito importantes. Dado que seja tão difícil compreender o autismo da maneira correta e o quão alto pode ser o risco em tornar as coisas piores para alguém jovem, é vital que se comece com a criação de uma cultura de aceitação da diferença onde a revelação possa ocorrer com segurança. Se não houver esse ambiente estabelecido, pense duas vezes antes de revelar o que quer que seja. Há um mundo de diferença entre explicar o autismo num contexto de inúmeras diferenças e destacar uma única criança específica como alguém que tenha autismo.

O apresentador Chris Packham, do programa sobre a vida selvagem – Spring Watch, na BBC – foi diagnosticado quando adulto. Ele falou em seu livro “Fingers in the Sparkle Jar” (“Dedos na Jarra de Brilhos”) sobre como o relacionamento com seus pares sempre foi difícil, sobre a depressão profunda pela qual passou e sua vontade de cometer suicídio, agravada pela perda de seu animal de estimação, com quem havia formado um laço incrivelmente forte. Teria ele, naquele estado vulnerável, podido lidar com seus pares tendo um nome para a diferença que viam nele, insultando-o por isso? Eu suspeito que não. É fácil para aqueles de nós trabalhando com autismo e trabalhando com pessoas autistas que são muito bem-sucedidas vermos os pontos positivos do autismo, mas é importante não subestimar os medos que os outros possam ter.

A situação

Você tem um jovem em sua sala que tenha sido diagnosticado com autismo. Você compartilha isso com a sala e dá apoio para que esse jovem construa melhores relacionamentos com seus pares, correndo o risco de que as coisas deem errado e de que você o deixe sendo um alvo maior que antes? Minorias podem ser alvo de bullying na escola assim como em qualquer outro lugar, então você estará tornando a situação pior? Talvez seja importante se perguntar as seguintes coisas:

1 – A revelação é necessária, ou seria melhor trabalhar o conceito de aceitação?

Qual a idade da criança? Crianças mais jovens tendem a ser muito mais receptivas às diferenças entre si e os colegas, sendo o melhor lugar para começar em termos de educá-los. Nessa idade, as crianças não entenderão as diferenças de desenvolvimento em detalhes, elas simplesmente querem uma explicação do porquê de alguma criança ser tratada de maneira diferente na escola. Nesses casos, pode ser útil olhar através das lentes do “o que é justo”, usando estórias.

Quando as crianças chegam ao fim da escola primária, as diferenças entre uma criança com “desenvolvimento típico” e uma criança autista tendem a se tornar mais evidentes. Enquanto a maioria da classe está ocupada competindo por um lugar, muitos jovens com autismo se isolam ou ficam de lado. Este é um bom momento para reforçar mensagens de aceitação e valorização da diferença.

A transição para a escola secundária (5ª série) é um período extremamente difícil para muitas crianças com autismo que podem ter conseguido caminhar sem tantas dificuldades nos primeiros anos. Boas escolas se empenham em construir relacionamentos entre os alunos nessa fase escolar promovendo excursões/viagens com a turma, mas a menos que isso se encaixe numa cultura escolar altamente inclusiva, o que pode acontecer é que isso destaque ainda mais as diferenças. Adolescentes mais velhos, no entanto, podem responder a programas de conscientização em relação a seus pares muito bem, tornando-se bastante solidários. [Ou seja, a fase entre a 5ª e 8ª série do ensino fundamental, quando as crianças e jovens têm em média entre 10 e 14 anos, é a fase mais delicada do ponto de vista das diferenças e dificuldades sociais; nota do tradutor]

A conscientização do autismo como ato isolado é menos provável de ser efetiva se não for parte da cultura de uma escola que já seja inclusiva. Sem que uma cultura de aceitação seja conscientemente criada e reforçada, corre-se o risco de exacerbar questões que já existam. Como uma garota autista observou muito bem, “Se você não cobriu uma ampla gama de questões, você estará basicamente apenas pintando um alvo, e a matilha vai te atacar pelo simples fato de você não fazer parte dela.”

2 – A pessoa jovem sabe e aceita seu diagnóstico?

Essa é uma área em que a idade da pessoa e de seu grupo pode ser um fator criticamente importante. Muitos jovens que são diagnosticados cedo crescem aceitando seu diagnóstico como sendo apenas parte de quem são, assim como a cor dos olhos; já pessoas diagnosticadas na adolescência ou final dela, estão lutando com a própria identidade, o que significa que isso poderia ser uma explicação positiva e reconfortante para sua diferença. Muitos adultos autistas dizem que gostariam de ter sabido do diagnóstico antes.

Porém, alguns adolescentes não querem ser diferentes, ressentem ter uma condição vitalícia e pode rejeitar seu diagnóstico completamente, casos em que a situação requer um manejo muito cauteloso. Qualquer que seja a decisão a que você ou os pais cheguem, essa decisão deveria sempre partir da própria pessoa com autismo e estar no contexto de contínuo envolvimento em auxiliar seu bem-estar. A NAS (Sociedade Autista Nacional) publicou um guia para pais sobre como discutir o diagnóstico com seus filhos.

3 – A família da criança quer que as pessoas na escola saibam?

 Se não querem, você pode fazer um trabalho com a sala quanto à aceitação da diferença em termos gerais, sem incluir referência a algum indivíduo em particular. Um diagnóstico é informação pessoal e deve ser tratada como tal. Se a família estiver disposta, envolva-a pedindo que ajude a identificar todas as coisas boas sobre a criança e o que amam no jeito dela ser (que podem ser boas informações para serem usadas no processo). Certifique-se de que a família concorda com o momento exato da revelação e que tenham condições de prestar auxílio ao jovem. Não esqueça que pode também haver um irmão que precisa de ajuda, e qualquer trabalho que se faça com os colegas do irmão ou irmã pode afetar a forma com que estes irmãos e irmãs são vistos pelo seu grupo.

4 – O jovem deseja compartilhar seu diagnóstico, os pais estão felizes em fazê-lo e você tem uma cultura escolar inclusiva, então o que vem a seguir?

Para crianças muito novas, pode ser importante buscar materiais auxiliares de conto de histórias que incluam positivamente o diferente, e materiais que ofereçam orientação aos funcionários.

[O texto original oferece várias bibliografias, porém todas em inglês sem tradução para o português; para crianças no ensino secundário (de 5ª a 8ª série) o artigo original sugere temas que tratem da conscientização dos grupos e criem ações que previnam bullying; nota do tradutor.]

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Sarah-Jane Critchley

Mais sobre a autora: Sarah-Jane Critchley é autora do livro “Uma Alegria Diferente: Guia de Pais para Viver Melhor com Autismo, Dislexia, TDAH e mais…” (Reino Unido, 2016). Somando os membros de ambos os lados da família, ela tem contato próximo com uma fascinante combinação de condições, incluindo autismo, dislexia, TDAH (desatenção mais que hiperatividade), dispraxia, esquizofrenia e depressão, o que deu a ela uma perspectiva pessoal dos desafios comumente enfrentados pelas famílias.

 

 

3 comentários sobre “Revelar o diagnóstico a outras pessoas: sim ou não?

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