Comportamento opositor, agressividade, resistência e não-colaboração

 

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Este conteúdo é uma postagem de sindromedeasperger.blog, organizado, redigido e/ou traduzido por Audrey Bueno, com as devidas citações para textos pertencentes a outros autores.

Para divulgação, por gentileza cite a fonte copiando o parágrafo acima.

 

Esta publicação se divide em duas partes: a primeira é uma introdução ao tema, e a segunda trata-se da tradução de um trecho do livro The Autism Discussion Page – On Anxiety, Behavior, School, and Parenting Strategies, de Bill Nason (2014). Veja a tradução do título do livro e mais informações sobre o autor aqui.

Além de tradutora, Audrey Bueno é graduada em Psicologia e pesquisadora da síndrome de Asperger, motivo pelo qual muitas “notas do tradutor” se fizeram presentes durante a tradução, pois referem-se a informações complementares importantes que mereceram ser compartilhadas.

 


Introdução

Por Audrey Bueno

Inicio o tema fazendo menção ao texto traduzido na segunda parte desta publicação: embora o autor não tenha citado a questão da medicação nesse trecho do livro (fala disso em outro trecho que pode ser acessado em outro post, cuja leitura recomendo como complemento desta publicação, clicando aqui), muitos dos comportamentos que parecem tão intencionais, especialmente acerca da agressividade, são, em sua maior parte, um produto de desregulações químicas e funcionais nas áreas do cérebro responsáveis pelo controle de tais impulsos, de modo que, se abordagens psicológicas e de modelagem do comportamento não surtem efeito e não alteram o padrão agressivo da criança e, mesmo que ela disponha de um nível satisfatório de linguagem, ainda recorra à agressão, então talvez seja o caso procurar um psiquiatra infantil ou um neurologista para um apoio medicamentoso que, muitas vezes, é a única coisa que promove a melhora comportamental.

Obviamente, o quadro de agressividade e comportamento opositor tratado nesse artigo não se refere a crianças que estejam vivendo em lares violentos, desestruturados ou que sejam privadas das condições mínimas necessárias para um desenvolvimento saudável, tais como abrigo, alimentação, segurança e afeto. Vale lembrar que nem todas as crianças nessas condições apresentarão comportamento agressivo, embora muitas o façam. As crianças a que nos referimos no presente texto são aquelas que, apesar de não estarem expostas a situações de risco e negligência como as anteriormente descritas, apresentam esse tipo de comportamento em conjunto com outros indicativos da presença de um transtorno de neurodesenvolvimento, como é o caso do autismo, do déficit de atenção e hiperatividade, do transtorno opositor-desafiador, dentre outros.

Terapias psicológicas são sempre bem-vindas e, em conjunto com a medicação, podem ampliar significativamente a evolução positiva do quadro. No entanto, o que precisa ficar claro é que, muitas vezes, somente a terapia psicológica não é suficiente para ajudar.

Muitas famílias relatam que o uso de medicações (tais como a Risperidona ou o Aristab, mas que podem variar caso a caso) foram verdadeiros salva-vidas, reduzindo enormemente a agressividade da criança e resgatando do caos e desespero esses pais que já não sabiam mais o que fazer, entregues à exaustão de tentar educar uma criança arredia e não-receptiva, renovando os lações de afeto entre pais e filhos e a esperança no futuro à medida em que a criança passou a ouvir um pouco mais e a desenvolver, consequentemente, melhores estratégias de interação social. Infelizmente, é muito comum o relato de pais cujos filhos estiveram exclusivamente em tratamento psicológico por longo tempo sem qualquer resultado ou melhora do quadro.

É claro que são medicações potentes, que precisam ser ministradas sob acompanhamento preciso e cuidadoso de um bom profissional da medicina, que fará a orientação adequada quanto à dosagem correta mediante peso, idade e histórico de saúde do paciente, e que devem ser seguidas à risca.

É preciso ter consciência de como funcionam as medicações:

  • A variabilidade de cada organismo: um medicamento que apresente um determinado resultado para uma pessoa pode não apresentar o mesmo resultado para outra,  pois – independentemente de um diagnóstico de autismo em comum – cada organismo funciona de forma diferente. Há pessoas que respondem bem logo na primeira tentativa, obtendo os resultados desejados sem efeitos colaterais importantes, porém, é comum que o processo de busca e adequação do organismo à medicação seja complexo, de modo que a medicação (ou dose) adequada seja encontrada após a terceira ou quarta tentativas, ou mais até, em alguns casos. Quando isso ocorre, é comum a família achar  que o remédio não esteja ajudando ou que o médico esteja fazendo algo errado, e acabam desistindo no meio do caminho, voltando á estaca zero. É preciso acompanhamento frequente e um período mínimo de seis meses (ou 4 a 6 consultas), em média, para que progressos sejam obtidos (sendo fundamental que o médico esteja disponível para comunicação entre consultas, para ir ajustando o que for necessário entre um retorno e outro); em sistemas públicos, onde as consultas são muito espaçadas e não se consegue falar com o médico entre uma e outra ida ao consultório, o que acaba ocorrendo é um atraso muito grande na obtenção dos benefícios que a medicação visa oferecer, pois a criança pode, por exemplo, permanecer muito tempo numa mesma dosagem baixa e ineficaz, desmotivando a família sobre os efeitos da medicação, onde muitas até abandonam o tratamento achando que remédios não ajudam, ou então a criança apresenta efeitos colaterais logo na primeira semana de uso da medicação e, como não é possível falar com o médico antes de dois meses (tempo médio de espera entre consultas), a criança sofre mais caos a família insista na medicação, uma vez que esteja sem orientação, ou, novamente, abandona o tratamento.
  • O tempo de ação da medicação: varia consideravelmente, sendo entre 10 e 14 dias a média de tempo de espera até que seja possível observar integralmente o resultado daquela dose e tipo de medicamento, para só então proceder com os ajustes necessários, a menos que a criança esteja apresentando algum efeito colateral importante que justifique interromper o uso; enquanto há crianças que no segundo dia de medicação já mostram alterações no comportamento, outras podem levar uma ou duas semanas para apresentar qualquer reação;
  • É preciso levar em conta fatores tais como o custo: algumas dessas medicações têm baixo preço, enquanto outras são incrivelmente caras. É comum que o médico tente iniciar com as medicações mais usuais (como é o caso da Risperidona) e observar se a criança terá benefícios e quais efeitos colaterais se apresentam, avaliando a necessidade de trocar ou não a medicação. Muitas pessoas apresentam boa resposta à Risperidona, tornando-a uma opção inicial, mas nem todas as pessoas obtém benefícios. O Aristab, por exemplo, por ser bastante caro, costuma não ser a primeira escolha dos médicos e famílias, mas acaba sendo a opção que finalmente acabou dando certo quando as anteriores falharam. Existem várias outras alternativas de medicação, e o médico será o profissional capaz de promover tais orientações.

Por fim, muitas vezes, crianças que necessitam de medicação, acabam não fazendo uso dela por que existe preconceito social, sendo comum que as pessoas julguem os pais de forma negativa quando optam pelo uso de medicamento psiquiátrico para seus filhos. Curiosamente, não há o mesmo preconceito quando um diabético precisa de insulina, por exemplo, porém, tanto um quadro diabético quanto uma disfunção neuroquímica (que é o caso do autismo) são igualmente resultantes de dificuldades no funcionamento do organismo.

Tais preconceitos derivam da desinformação, e não devem pautar a decisão dos pais, que, conjuntamente com o médico, são aqueles que melhor conhecem a criança e que sabem o quanto certas medicações são necessárias. Além disso, se o médico também opta por medicar, é por que avaliou a existência real de tal necessidade e considerou haver um benefício justificável para o quadro do paciente, ou seja, as pessoas que criticam os pais por decidirem medicar seus filhos, quase sempre se esquecem que há a avaliação de um médico por trás. Os pais não simplesmente vão ao médico e solicitam uma prescrição. Ela é dada porque o médico avaliou os sintomas e sabe que certas medicações podem auxiliar na neuroquímica do cérebro que produz determinados comportamentos. Os pais jamais devem sentir culpa ou deixarem-se reprovar por aqueles que, às vezes com boas intenções, mas sem conhecimento aprofundado da situação, acabam criticando a escolha da família. É certo que há medicações cujos efeitos a longo prazo ainda não são conhecidos, e há, de fato, riscos assumidos quando se opta por medicação, mas, na maioria das vezes, os benefícios são muito maiores e o sofrimento psíquico da criança acaba sendo bastante suavizado, aumentando significativamente sua qualidade de vida e chance de um desenvolvimento geral mais positivo.

A ansiedade em excesso, por exemplo, pode ser mais danosa ao cérebro que a medicação. Ansiedade elevada pode causar inflamação cerebral e morte de neurônios, podendo tornar-se um risco muito maior para o desenvolvimento da criança do que o uso controlado de um medicamento. A agressividade pode causar prejuízo social tal que seus efeitos sejam sentidos por toda uma vida, uma vez que a criança cresça sendo vítima de constante rejeição e evitação dos demais em resposta ao seu comportamento beligerante que, naturalmente, afasta as pessoas, criando nela uma percepção negativa de socialização e uma situação cada vez maior de isolamento. Uma medicação que ajude a criança a conter a raiva, permitindo, assim, que consiga expressar mais cordialidade no trato com os outros fará com que um padrão mais agradável de interação social se estabeleça, pois as pessoas devolverão gentilezas, carinho e atenção à criança, o que, por sua vez, servirá como um potente reforçador do comportamento amigável na criança, uma vez que esta tenderá a esforçar-se para reproduzi-lo no intuito de conseguir mais atenção positiva, criando um círculo vicioso benéfico que ensine à criança que é bom relacionar-se socialmente e que há ganhos em fazê-lo de forma mais adequada.

Alguns sistemas de modelagem comportamental, tais como as terapias psicológicas que sigam a linha cognitivo-comportamental ou seus derivados, como é o caso do método ABA, podem auxiliar no desenvolvimento de estratégias de interação social, desde que sejam aplicados por profissionais que adotem uma postura sensível e cuidadosa em relação às limitações do paciente, que dependerá essencialmente da real compreensão do quadro de autismo, considerando suas disfunções neuroquímicas e seu papel na manifestação do comportamento da criança.

Se, no entanto, o profissional desconhecer ou desconsiderar tais questões, falhando em reconhecer a necessidade de apoio medicamentoso quando for o caso (muitas vezes, é) e insistindo em moldar o comportamento da criança forçosamente mesmo quando esta continua dando sinais de sofrimento psíquico e dificuldade, o método pode tornar-se nocivo ao enraizar na criança a sensação de que relações sociais são exaustivas e requerem continuamente a representação de papéis sociais engessados/robotizados, podendo levar ao aumento da ansiedade e quadros de depressão acentuados, às vezes, mais tarde, na adolescência ou vida adulta. O não reconhecimento das dificuldades e limitações do indivíduo poderá ensiná-lo que o que ele é e o que sente sejam menos importantes que o papel social que ele precisa representar para ser aceito, minando sua autoestima e prejudicando o desenvolvimento de identidade própria, coisas que já são naturalmente mais difíceis em pessoas no espectro do autismo e, por isso, requerem o dobro da atenção, para que não se adicionem ainda mais dificuldades a um processo custoso por si só.

Por fim, há psicólogos que, durante o trabalho que desenvolvem com a criança, acabam votando contra a medicação, confundindo e angustiando os pais, e fazem isso frequentemente por falta de entendimento real do quadro de autismo. Muitos psicólogos ainda interpretam a oposição e agressividade da criança como plenamente intencional e como a “disputa de poder ou jogo psicológico” comum em crianças típicas (sem autismo). Ocorre, ainda, com certa frequência, que os comportamentos da criança com autismo sejam interpretados unicamente do ponto de vista psicoafetivo (psicológico e emocional) e, em linhas da psicologia que sigam a vertente freudiana/psicanalítica, existe – nem sempre, mas muitas vezes, pois isso depende sobretudo do bom senso, informação e flexibilidade teórica do próprio profissional – o cúmulo de supor que a mãe seja a culpada pelo comportamento da criança, desconsiderando as questões de funcionamento e estruturação do cérebro, das quais a mãe não teve qualquer participação, uma vez que tenham sido determinadas geneticamente.

Teorias psicanalíticas seguem a teoria de compreensão da mente humana proposta por Freud, que é conhecido como o “pai da psicanálise”. Vale lembrar que a psicanálise nunca se viu em posição de compreensão adequada do quadro de autismo pura e simplesmente pelo fato de que nunca contemplou a gama de informações médicas acerca do funcionamento neurológico do indivíduo, que é onde o autismo está centrado. Na época em que os conceitos-chave da psicanálise foram cunhados por Freud, a medicina sequer tinha equipamentos capazes de observar a estrutura neuro-funcional de pessoas com autismo que, aliás, ainda nem era um transtorno conhecido pela área médica. Freud deu início aos seus estudos psicanalíticos por volta de 1882 e o autismo só foi de fato descrito, e mesmo assim ainda muito pouco compreendido, por volta de 1943, quatro anos após a morte de Freud, quando Leo Kanner fez os primeiros relatos acerca do quadro. Antes disso, por volta de 1903, houve alguma menção a quadros de autismo, mas eram ainda confundidos com a esquizofrenia. Como se não bastassem as diferenças observáveis através de exames de imagem do cérebro de autistas e não-autistas, há ainda casos de filhos (foram observados tanto gêmeos, quanto não-gêmeos) de um mesmo casal, onde um dos filhos tem autismo e outro não, às vezes o mais novo tem, às vezes o mais velho, servindo de amostras do quanto o autismo jamais teve a ver com a qualidade da relação mãe e filho.

Assim, um neurologista ou psiquiatra infantil são os profissionais recomendados para esse tipo de avaliação, afinal, trata-se de uma condição neurológica, e não psicológica. O trabalho psicológico pode ser de grande valia, sendo utilizado como recurso de apoio, mas a primeira palavra sobre o quadro deve ser sempre a de um profissional cuja formação engloba neuropsiquiatria, como é o caso dos profissionais recomendados para avaliação no início deste parágrafo.

 

Livro:

The Autism Discussion Page – On Anxiety, Behavior, School, and Parenting Strategies

Autor: Bill Nason

Trecho referente ao: Capítulo 4 – Comportamentos Desafiadores

 


Tradução: Audrey Bueno

 

Impulsivo ou opositor? Proposital ou intencional?

p. 91

Nas crianças em geral, a função executiva do cérebro é uma das últimas partes a se desenvolver. É a parte do cérebro que nos possibilita inibir nossos impulsos, pensar antes de agir, monitorar e avaliar nosso comportamento, e organizar nosso plano de ação. Para a maioria das crianças no espectro, esse desenvolvimento é geralmente bastante atrasado e algumas funções são sempre fracas. Por causa disso, as crianças geralmente têm habilidade empobrecida de controlar seus impulsos (mesmo com consequências), pensar antes de agir, e considerar como seu comportamento está afetando os outros. Então, quando pais e professores lhes dizem “Não faça isso” ou “Faça isso em vez daquilo”, elas geralmente não conseguem fazer o que lhes foi dito. Consequentemente, lemos tal comportamento como proposital e rotulamos a criança como opositora.

Essa parte do cérebro se desenvolve lentamente ao longo do tempo e costuma ainda estar em desenvolvimento por volta dos 20 anos de idade. O lobo frontal do cérebro ganha alguma renovação e crescimento no início da adolescência, então seu filho de 10 anos de idade ainda tem muito o que desenvolver nessa área do cérebro. Pesquisas descobriram recentemente que essa parte do cérebro ainda se encontra em desenvolvimento por volta dos 25 anos. Isso explica por que adolescentes mais velhos agem sem muita reflexão e fazem coisas perigosas pela excitação do momento que eles nunca fariam quando mais velhos. Usar reflexão e previsão de consequências para inibir comportamentos perigosos é uma das funções executivas do cérebro. Alguns adultos no espectro já me disseram que ainda continuam a aprender melhores habilidades nessas áreas aos 40 anos de idade.

[…]

p. 93

(quando a criança costuma bater nas pessoas…)

Bater pode ocorrer por uma série de razões, que incluem comunicar a necessidade de atenção, ser uma forma de iniciar interação, ser um meio de escapar e evitar eventos desprazerosos, e quando a criança se sente sobrecarregada, confusa, assustada ou ansiosa. Esse tipo de comportamento frequentemente ocorrerá na criança enquanto ela não desenvolver meios eficientes de comunicação¹. Você pode mandar a criança para o “cantinho do pensamento”, mas a menos que a criança saiba o que fazer (como deveria responder apropriadamente para satisfazer suas necessidades), punição não irá funcionar. Nesses casos você precisa ensinar à criança formas mais apropriadas de comunicar o que ela precisa.

Contudo, a situação soa como se seu pequeno estivesse procurando propriocepção (percepção de si mesmo) para ajudar a regular seu sistema nervoso. Especialmente se ele bate quando feliz, animado ou chateado. Quando o sistema nervoso dele se excita, ele busca forte estimulação nas juntas, tendões e músculos, e provavelmente é por isso que ele bate. Punir a criança (“cantinho do pensamento”) quando ela não tem outro meio de regular seu sistema nervoso e não tem habilidade para inibir seus impulsos, não irá ajudar. Aos três anos e meio, isso é muito cedo. A habilidade de controlar os impulsos e emoções é difícil mesmo para crianças neurotípicas nessa idade.

[…]

Foque em ensinar, não em punir².

¹ Nota do tradutor: não confundir habilidade verbal com capacidade comunicativa; a criança pode falar bem e, no entanto, não ser capaz de expressar seus desejos, sentimentos e necessidades adequadamente.

² Nota do tradutor: se os pais têm dúvida sobre como ensinar melhores estratégias e aplicar/não aplicar punição, convém procurar um psicólogo que possa auxiliar nesse processo, lembrando que não é uma tarefa simples e que é normal que muitos pais se sintam confusos em como conduzir esse tipo de treinamento social dos filhos sem o apoio de um profissional.  Porém, é fundamental que o profissional entenda de autismo, pois estratégias comumente aplicadas a crianças neurotípicas costumam não surtir efeito crianças no espectro e ainda podem prejudicá-las. Dica extra: psicólogos que sigam a linha da psicanálise não são recomendados para crianças com autismo; linhas comportamentais e humanistas funcionam melhor.

Nota extra do tradutor:

Ideia de ação para extinguir o comportamento de “bater” que a criança apresenta: uma dica (do tradutor, não do autor do livro) de ação de disciplina para quando a criança tem o hábito de bater: pode-se, por exemplo, pegar uma sacola e pregar um desenho de uma pessoa batendo em outra (uma imagem suave, nada muito violento!) com um “X” vermelho bem destacado em cima da imagem, demonstrando “proibido”. Então, explica-se a imagem à criança e diz-se que sempre que bater, um brinquedo dela será colocado na sacola, e que o brinquedo que entrar na sacola não sai mais. É importante fazer isso sem sermões ou brigas verbais, ou seja, sem ficar falando muito ou falando alto (isso irrita o sistema nervoso da criança com autismo ainda mais), e apenas – silenciosamente – seguir com a ação, dizendo uma única vez, em tom de voz baixo, neutro e informativo: “Bateu, o brinquedo vai para a sacola”. Para o sucesso dessa abordagem, é importante ser consistente, não deixando de agir assim uma única vez sequer, nem devolver os brinquedos depois, ao mesmo tempo em que se procura ensinar à criança meios mais aceitáveis de externar sua raiva (bater palmas, bater na almofada, no sofá…). Por fim, certifique-se de nunca pegar os brinquedos preferidos da criança, ou um paninho de conforto que ela tenha, pois isso seria demais para a criança suportar e, além disso, ela provavelmente precisa desses objetos para ajudá-la a regular as próprias emoções.  Essa técnica costuma surtir efeito pois crianças no espectro são concretas, materiais e apegadas às coisas delas, e não compreendem frases do tipo “Fico triste se você faz assim” muito bem. É claro que é importante continuar explicando os sentimentos que as ações delas causam nas pessoas mas, até que alcancem um entendimento mais elaborado das relações sociais e emoções de si mesmas e dos outros, estratégias mais concretas e simples são necessárias.

 

Socorro, meu filho é sempre resistente, opositor e não colaborador!

p. 93

[…]

Muitas crianças no espectro têm problemas em seguir a liderança dos outros, e são frequentemente percebidos como opositores. Isso frequentemente é visto como “não colaboração intencional”, e a criança geralmente é rotulada com um Transtorno Opositivo Desafiador¹ . Essas crianças geralmente têm a necessidade de controlar toda a atividade e interação, fazendo a atividade ao seu modo, e recusam-se a seguir as orientações de outras pessoas. Se pressionarmos, elas geralmente irão se rebelar para restabelecer o controle. Esse tipo de reação ocorrerá se não conseguirem algo da forma de querem, forem pressionadas a fazer algo que desejem evitar e sempre que alguém esteja tentando controlar ou guiar o que estejam fazendo. Pode haver uma variedade de razões pelas quais crianças no espectro sejam tão resistentes. Aqui estão várias dessas razões seguidas de estratégias para ampará-las. Essa lista não é completa, mas inclui as questões mais comuns:

¹ Nota do tradutor: ODD – Oppositional Defiant Disorder, em inglês; e TOD – Transtorno Opositivo Desafiador, em português.

Razão

  1. Devido à variedade de problemas de processamento sensorial (sensibilidades sensoriais, processamento de informação atrasado, dificuldades de processamento auditivo, etc.), muitas crianças no espectro se sentem seguras apenas quando estão controlando e guiando tudo em que estejam envolvidas. Incerteza as assusta, então precisam controlar tudo para que possam manter certa previsibilidade no mundo delas.

Sugestões:

  1. Respeitar e acomodar as sensibilidades sensoriais da criança, reduzindo a estimulação nesse sentido para acalmar e organizar o sistema nervoso.
  2. Quebrar a tarefa em partes menores (e mais rápidas); torne-as concretas com estratégias visuais; ofereça informação em pequenas porções claras e concretas.
  3. Deixar que a criança determine a velocidade com que a informação é oferecida e como ela expressa o que sabe.

 

Razão

  1. Devido aos problemas de processamento listados acima, essas crianças podem sobrecarregar-se muito facilmente. Ao resistir e controlar aquilo em que estejam engajadas, elas podem padronizar o quanto de estimulação terão que processar, evitando a sobrecarga desestruturadora. Elas podem manejar a informação no passo que atende às necessidades de seu sistema nervoso. (Nota do tradutor: o interesse obsessivo pode servir a esse papel: fecham-se do mundo exterior e engajam na atividade repetitiva, padronizada, previsível e guiada por elas próprias)

Sugestões:   

  1. Use as estratégias listadas no número 1.
  2. Respeite, evite e ofereça acomodações para as situações que possam estressar a criança.
  3. Ensine à criança estratégias¹ para lidar com a sobrecarga.

¹ Nota do tradutor: estas estratégias não significam expor a criança ao que lhe causa stress, pois ela não tem controle, já que se trata de sensibilidade sensorial/neurológica; as estratégias seriam coisas como oferecer um local tranquilo e longe de estímulos (barulho, agitação, etc.) e ensiná-la a ir para esse lugar quando algo a incomodar, fazer uso de algum objeto calmante, pedir verbalmente ajuda, etc.

 

Razão

  1. Dificuldade em entender o que é esperado. Crianças no espectro têm dificuldade em avaliar o que é necessário, então elas são ou ansiosas quanto a adentrar em novas situações, ou mergulham em novas situações sem entender o que é necessário (e se comportam inadequadamente quando têm dificuldade). Essas crianças: 1) não sabem o que esperar e 2) não sabem o que se espera delas. Elas precisam que o mundo seja muito previsível para que saibam exatamente o que esperar.

Sugestões:

  1. Preveja, esclareça e verifique. Prepare a criança antes das situações em relação a: 1) o que podem esperar que aconteça; 2) o que é esperado delas; 3) quanto tempo irá durar; 4) o que virá a seguir. Além disso, antecipe quaisquer áreas-problema e discuta como administrar essas situações (exemplo: retirar-se quando sobrecarregada). Não suponha que a criança entende; esclareça¹ e verifique se ela entende.

¹ (Nota do tradutor: por exemplo, crianças no espectro costumam ser avessas a apresentações escolares em datas festivas; quando perguntam a ela: “Você quer participar da apresentação no Dia dos Pais?” e ela responde que sim, por que vem participando relativamente bem dos ensaios, que são calmos, com pouca gente e pessoas conhecidas apenas, música mais baixa e a possibilidade de ir ao banheiro quando quiser , ela supõe que a apresentação seja sempre dessa mesma forma. É preciso esclarecer , descrevendo em detalhes o evento, explicando que o dia da apresentação é um dia diferente, onde haverá muitos aplausos (muitas crianças no espectro têm pavor de aplausos ou cantos em coro), muito mais pessoas presentes, pessoas estranhas, música mais alta e que não poderão parar tudo para ir ao banheiro. A resposta inicial da criança geralmente muda nessa hora, mas nunca se deve fazer surpresa do evento, deve-se sempre antecipar à criança o que ela irá encontrar. Omitir informações por medo da criança se recusar a participar é algo desleal, e a criança sente isso como uma violência e desrespeito para com suas necessidades especiais.)

  1. Para novas situações, conhecendo as vulnerabilidades da criança, tente fazer modificações ou fazer acomodações para reduzir o impacto. Novamente, preveja tais questões com antecedência.
  2. Durante atividades/tarefas, pense em voz alta. Ofereça uma narrativa do que é preciso e de como fazer isso. Tal ação pode ajudar a guiar e ensinar a criança através da execução da atividade.
  3. Use calendários visuais para ajudar a proporcionar previsibilidade e entendimento.
  4. Facilite transições preparando a criança com antecedência (dando avisos antecipados do que irá ocorrer): “Johnny, quando esse programa de TV acabar, nós iremos tomar banho. Então, ofereça lembretes 5, 3 e 1 minuto antes da mudança de atividade: “Johnny, em três minutos nós vamos desligar o jogo e tomar lanche.”

 

Razão

  1. Devido a um histórico de terem sido constantemente colocadas em situações onde as demandas eram maiores que suas capacidades em lidar com elas, essas crianças aprenderam que era simplesmente mais fácil escapar e evitar qualquer atividade que não tivesse sido iniciada e guiada por elas próprias. Então, passaram a ter que controlar qualquer atividade.

Sugestões:

[…]

2. Conduza as tarefas/atividades como se as estivessem fazendo juntos, como se fosse um modelo de como fazer a atividade, maximizando o sucesso. Certifique-se de que a demanda esteja de acordo com o nível de habilidade atual da criança.

 

Razão

  1. Muitos no espectro do autismo têm forte ansiedade de realização de tarefas. Então, quando pedimos a eles para fazer algo, eles resistirão a menos que tenham certeza de que serão capazes de realizar a tarefa com perfeição. Devido ao seu sistema mental branco-e-preto, tudo-ou-nada, a menos que se sintam completamente competentes (o que geralmente ocorre em relação à sua atividade preferida, autodirigida), eles darão um passo atrás e resistirão. É uma resposta de tudo ou nada; eles resistem a qualquer atividade que precisem levar algum tempo para aprender¹.

¹Nota do tradutor: por isso, a importância de quebras tarefas em partes pequenas, claras, objetivas, para aprender uma pequena coisa isolada de cada vez e depois juntar tudo com menos alarme num plano maior.


Sugestões:

  1. Entender as zonas de conforto da criança e esticá-las muito lentamente.
  2. Começar onde a criança está; mantenha simples, construa um passo de cada vez e maximize as chances de sucesso.
  3. Encontre o desafio ideal, sem excessos.
  4. Quando possível, faça a atividade junto com a criança, para tirar a pressão de resultado de cima dela, reduzindo a ansiedade de realização de tarefa.

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